Depois que Zuckerberg decidiu se aliar a Trump e Musk na imoderação ou ausência de cuidados quanto ao conteúdo das redes sociais, abriu-se porta larga para se confundir mentira e verdade, sob o pretexto da “liberdade de expressão”. Os filtros de desinformação das agências de checagem podem se tornar obsoletos e fragilizar ainda mais os mecanismos de controle, permitindo que a polarização política e os crimes contra a honra sejam relativizados. Esses três personagens, movidos exclusivamente a dinheiro e poder, mandaram nos lixar para a ética e a verdade. E o que nos resta? Confiar no leitor? Se nem conseguimos mais confiar no que vemos, quanto mais no que lemos! A propósito, 7 de janeiro é celebrado o dia do leitor.
Numa época em que apenas um em quatro brasileiros pode ser considerado plenamente alfabetizado – o contingente de analfabetos funcionais persiste abissal -, pouquíssimos se aventuram a ler boa literatura ou bons jornais. Preferimos a leitura, informativa ou não, de fácil assimilação que passivamente consumimos via redes sociais, devidamente selecionada por algoritmos que reforçam nossas preferências e posições ideológicas. A ética e a verdade que se lixem! As redes, turbinadas por conjunto de dados que priorizam demandas superficiais, tornam impossível o diálogo e o discurso crítico. Os anunciantes, públicos e privados, auxiliados por um exército de blogueiros e “influencers”, pulverizam informações e opiniões, abrindo brechas para fake news e a profanação da informação crítica e racional. Pior que isso: orientam grande parte dos rumos da sociedade civil.
Reportagens, ensaios e grandes entrevistas são artigos cada vez mais raros, pois é difícil competir com o lucro fácil da internet. Nem Zuckerberg e Musk resistem a lucrar mais, pois na origem de suas pretensas defesas da liberdade de expressão está o business cru. Afinal, conter a disseminação de desinformação nos seus aplicativos exige onerosos programas de checagem de fatos. A ética e a verdade que se lixem! Ainda mais quando o sistema, que não guarda qualquer intenção de honestidade intelectual para formar e informar, já conta com seus devotados milhões de trabalhadores escravos.
Sofremos de bibliofobia, do desprezo à cultura, da resistência à leitura de textos que ultrapassem 100 caracteres. Dos nossos leitores médios de apenas quatro livros por ano, poucos adentraram numa biblioteca. Não surpreende que até os jovens que dizem gostar de ler (67%), leem apenas dois livros em média por ano. A maioria irá passar pela vida sem conhecer as tragédias de Shakespeare, a ironia em Machado de Assis, a pluralidade heteronímica de Fernando Pessoa, os conflitos da moralidade em Tolstói, o tempo subjetivo em Proust, o monólogo interior em Clarice Lispector, os contos de Flaubert e Munro… Em vez disso, historinhas e personagens superficiais no Insta, Tik Tok, Face… ou ser gado iludido para divulgar e ganhar porcentagem de terceiros, e pensar que é assim que se ganha a vida… sempre na mais absoluta impermanência. É preciso ler mais e melhor.
Erick Pereira é professor e advogado