Em 1° de outubro celebra-se o Dia Internacional da Terceira Idade, tempo para se refletir o quanto os velhos são silenciosamente tratados como párias. Raras são as sociedades que valorizam a justiça social a ponto de assegurar a manutenção de políticas públicas e suas práticas, de modo a garantir os direitos de todas as pessoas, independentemente da idade. E quem são os inseridos nessa “terceira idade”? A OMS classifica como idosos as pessoas com mais de 65 anos de idade em países desenvolvidos e com mais de 60 nos países em desenvolvimento. Tais idades podem parecer ultrapassadas em vista do aumento da expectativa de vida, mas, independentemente dos contextos, sabe-se que idade cronológica não é marcador acurado para as mudanças associadas ao envelhecimento, embora as políticas públicas nem sempre levem em consideração as variações relacionadas ao estado de saúde e níveis de independência entre pessoas idosas que partilham a mesma idade.
Na maioria dos países, Idade avançada implica exclusão, empobrecimento e exacerbação de desigualdades pré-existentes relacionadas à etnia, raça, gênero, bem como ao acesso à educação, saúde e emprego. Para as pessoas idosas e pobres, sobretudo aquelas que vivem em áreas rurais de países em transição ou em situações de conflito, as consequências dessas experiências pregressas são agravadas por outras exclusões: esquemas de crédito, atividades geradoras de renda, serviços de saúde, participação em assuntos cívicos e processos políticos decisórios. Não é por acaso que, à medida que as populações envelhecem, dilemas e questões éticas emerjam: discriminação na alocação de recursos; a proteção contra esquemas financeiros e violações de direitos patrimoniais; os cuidados de saúde a longo prazo e o prolongamento da vida mediante o uso da tecnologia versus o seu comprometimento qualitativo; direitos humanos de idosos pobres e portadores de deficiência.
Em todo o mundo, abundância e pobreza relativas, posse de bens, gênero, acesso ao trabalho e controle dos recursos são fatores decisivos na saúde e posição socioeconômica. À medida que se galga um degrau na escala social, vive-se mais e com melhores condições de saúde. Universalmente, as mulheres sofrem desvantagem com relação à pobreza, ao passo que os homens têm menor expectativa de vida, apesar de longevidade não implicar, isoladamente, melhor qualidade de vida. A realidade é que envelhecer impõe um alto preço individual – dependência, aposentadorias e pensões aviltadas – e coletivo – recursos para políticas públicas que contemplem os direitos e o bem-estar dos idosos. Vivemos em um mundo em envelhecimento cujas demandas precisam ser urgentemente atendidas, pois a população com mais de 65 anos deverá dobrar e a de pessoas com mais de 80 anos triplicar até 2050.
Tal conhecimento deveria mobilizar a mídia e a população mais ativa, inclusive a parcela idosa, na criação de uma imagem mais positiva da terceira idade, derrubando estereótipos negativos. Pessoas idosas hipossuficientes não conseguem se manifestar publicamente ou ir às ruas contra a própria condição, ao contrário das feministas, dos trabalhadores fabris, apoiadores políticos e servidores públicos. Só uma abordagem coletiva do envelhecimento que englobe independência, participação, assistência, autorrealização e dignidade dessas pessoas poderá determinar a melhor forma como todos nós, nossos filhos e netos irão experienciar a vida. Se quisermos respeitar nossa condição humana, temos que nos reconhecer nos velhos e velhas que um dia, com sorte, seremos. Temos que nos reconhecer nesses seres que, um dia, também projetaram no tempo e no espaço as próprias vidas ao ponto de esquecerem sua ulterior metamorfose e finitude.
Simone de Beauvoir, que nominou a terceira idade de “última idade”, ao questionar como deveria ser uma sociedade, para que, em sua velhice “um homem permanecesse um homem”, respondeu: “Seria preciso que ele fosse sempre tratado como homem. Pela sorte que destina a seus membros inativos, a sociedade desmascara-se; ela sempre os considerou como material. A velhice denuncia o fracasso de toda a nossa civilização. É o homem inteiro que é preciso refazer, são todas as relações entre os homens que é preciso recriar, se quisermos que a condição do velho seja aceitável”.
Erick Pereira é professor e advogado