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Entrevista

“Cangaço Novo” é janela da história brasileira, diz Alice Carvalho

Protagonista da nova série da Prime Video, atriz potiguar revela como foi a preparação para interpretar Dinorah
Caroll Medeiros
30/08/2023 | 07:38

“Cangaço Novo” é um faroeste à brasileira. Com narrativa de boa cadência, a nova série do Prime Vídeo passeia entre a ação e o drama para criar uma história de primeira grandeza. Para além das brilhantes atuações de Allan Souza Lima (Ubaldo) e Alice Carvalho (Dinorah), a fotografia explora as paisagens do sertão nordestino, que a quentura daquela terra quase se torna protagonista no decorrer da trama. A produção é puro Cinema, a direção cuidadosa que não poupa tempo, o roteiro bem amarrado e o elenco afiado fazem da série uma obra de complexidade inédita no audiovisual brasileiro.

Em cenas de pura ação, a Família Vaqueiro mostra que “O destino é à prova de bala”. Com o objetivo de contar uma história sóbria e violenta, a trama é baseada na jornada de três irmãos que se misturam aos problemas estruturais do Brasil, como o crime organizado, corrupção e política. Ubaldo (Allan Souza Lima), sem nenhuma lembrança de sua infância descobre que tem uma herança e duas irmãs no sertão cearense: Dilvânia (Thainá Duarte) lidera um grupo que adora seu famoso pai falecido; e Dinorah (Alice Carvalho) é a única mulher em uma gangue de ladrões de banco.

Alice Carvalho protagoniza nova série da Prime Video. Foto: Bispo
Alice Carvalho protagoniza nova série da Prime Video. Foto: Bispo

A atriz potiguar Alice Carvalho, que interpreta Dinorah, domina tanto a cena que é a câmera que precisa se adaptar a ela, e não o contrário. A série fala de herança – não só de bens – Dinorah é o fruto direto de quem não saiu daquele lugar e resolve viver todas as mazelas e amarguras de um sertão cruel, inclusive não ver o mar. Enquanto Dinorah transpira sentimentos na pele de uma cangaceira vivida, Ubaldo, Robin Hood sertanejo, é o legado confuso de quem sai do Nordeste sem escolha e volta para reencontrar sua identidade.

Mas não é só Dinorah e Ubaldo que são baseados em um legado, toda a produção carrega uma forte influência de grandes obras brasileiras que buscam no sertão narrativas sociais. Mesmo que seja diferente, trazendo um olhar atual do Nordeste, não tem como não notar a influência de duas ilustres produções brasileiras: “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) de Glauber Rocha e “Bacurau” (2019) do cineasta Kleber Mendonça. “Cangaço Novo” bebe do gênero nordestern, movimento de produções brasileiras que buscam trazer uma nova linguagem cinematográfica para o cangaço, agindo como uma espécie de faroeste brasileiro que troca os desertos ocidentais dos Estados Unidos pela caatinga do Nordeste.

A série abraça os sotaques e traz as gírias de várias localidades daquela terra, graças ao ‘bando’ de gente talentosa que fazem elenco. Predominantemente nordestino, nomes como Ênio Cavalcante, Marcélia Cartaxo, Adélio Lima e Hermila Guedes, por exemplo, atuam na produção. A trama traz um dos temas mais complexos de todos: Bandidagem por necessidade ou bandidagem apenas por bandidagem? O roteiro da série não o reduz, investiga, incomoda, nos faz gostar dos cangaceiros mesmo violentos. É sempre política, até quando é guerra.

Uma obra de alto nível e parte disso é fruto da atuação impecável da potiguar Alice Carvalho. A Revista Cultue traz nesta edição uma entrevista exclusiva com a atriz que ganha cada vez mais espaço na cena artística brasileira. Confira:

Revista Cultue – Dinorah é sua primeira protagonista em séries de streaming. Como foi para você interpretar este papel de destaque?
Alice Carvalho – “Dinorah” é uma personagem de grande profundidade, que exige um equilíbrio físico e mental intenso e cuidadoso. É uma mulher potente, que deixa de lado toda e qualquer vaidade. Durante os meses de preparação e filmagem, participei de aulas de equitação, levantamento de peso olímpico (LPO), tiro, muay thai, jiu-jitsu e treinamento de direção de precisão para motocicletas e carros. Vivenciei uma experiência transformadora e única nesse processo, ficando longe de casa por 8 meses e me entregando por inteira nesse projeto que me transformou enquanto atriz e pessoa. Eu com certeza não sou a mesma Alice depois de Dinorah.

Revista Cultue – O que Dinorah tem de Alice, e o que Alice tem de Dinorah?
Alice Carvalho – Dinorah é uma mulher que sobreviveu a vida dura a troco de muita luta e de um ideal de coletividade, passou por situações difíceis na infância e foi criada por uma família que – mesmo não sendo perfeita – sempre a compreendeu e lhe deu amor à sua maneira. Teve que se esforçar 3x mais só por ser mulher, por ser sertaneja. Temos uma história familiar parecida e a verve de lutar por um futuro melhor mesmo em condições tão adversas. Não sei se estou à altura dessa personagem em coragem e força, mas tenho muito orgulho de ter sido seu cavalo.

Revista Cultue – Qual é o diferencial do enredo?
Alice Carvalho – Esse “Cangaço Novo” exigiu um novo olhar e um estudo aprofundado dos trabalhos de Frederico Pernambucano de Mello, que foram essenciais para compreender tanto o contexto histórico quanto às estratégias envolvidas nesse fenômeno. É fundamental reconhecer que, apesar de ser contemporâneo, o “Cangaço Novo” mantém alguns escudos semelhantes ao cangaço antigo e ainda carrega um apelo mítico e místico. E explorar essa história é como desvendar uma colcha de retalhos na cultura brasileira. Embora o banditismo não deva ser romantizado, ele faz parte do tecido cultural do Brasil e adquirir conhecimento sobre esses movimentos e seu impacto é vital para uma melhor compreensão da história e das culturas brasileiras.

Revista Cultue – Qual é o sentimento de levar o Nordeste e o RN para telas de tantos países?
Alice Carvalho – Trazer a atmosfera única do Nordeste, com sua rica cultura e paisagens, para as telas de diversos países é uma experiência emocionante e gratificante. Foram 8 meses de gravação intensa e eu repetiria tudo de novo quantas vezes fossem necessárias. Aquela terra tem uma riqueza cultural e uma beleza que merecem ser compartilhadas com o mundo, e ter a oportunidade de participar dessa obra que tem o Nordeste como cenário é um privilégio imenso. Estar lá, sentir aquele calor, o cheiro, passa a verdade daquele lugar e espero que o público possa se conectar com a região através disso e apreciar essa singularidade.

Revista Cultue – Além de você, outros potiguares estão no elenco. Como você enxerga a representatividade potiguar no audiovisual?
Alice Carvalho – É bom demais ver talentos locais sendo reconhecidos e tendo a oportunidade de contribuir para projetos de alcance nacional e internacional. Essa representatividade não apenas fortalece a indústria criativa local, mas também contribui para uma narrativa mais autêntica e diversificada, onde as vozes e histórias podem ser ouvidas e vistas em diversas plataformas. Espero que esse movimento continue a crescer em todas as frentes e temáticas, abrindo portas para mais artistas novos, locais e com propriedade e vivência sobre o tema que será discutido na trama. É isso que enriquece a nossa cultura.

Revista Cultue – Você vem construindo uma carreira importante passando pelo teatro, TV, videoclipes e agora o streaming. Quais serão seus próximos passos?
Alice Carvalho – Acredito que quando acabarem as gravações de “Guerreiros do Sol”, série da Globoplay que integro o elenco, pretendo descansar um pouco para poder me dedicar ao roteiro do meu primeiro longa-metragem e ao lançamento de “NAVIO”, álbum-visual da banda BaianaSystem dirigido por mim, Larinha R. Dantas e Vitória Real.

Revista Cultue – Qual é o impacto, na sua visão, que a série causa no público e por que todos precisam assistir “Cangaço Novo”?
Alice Carvalho – Cangaço Novo oferece uma janela para uma parte da história brasileira muitas vezes desconhecida pelo público, abrindo espaço para uma compreensão mais profunda da complexidade da nossa cultura. A narrativa oferece uma perspectiva sobre o passado e o presente, destacando tanto as semelhanças quanto às transformações ao longo do tempo, como a busca por identidade e liberdade. É uma perspectiva mais completa sobre as transformações sociais, culturais e éticas que moldaram o Brasil ao longo do tempo.