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Artigo

Silêncio dos inocentes

Confira o artigo de Bruno Araújo nesta sexta-feira 28
Bruno Araújo
28/03/2025 | 05:45

Ter a oportunidade de parar diante da correria da vida diária e poder refletir sobre a própria existência é um privilégio no jogo que envolve a dominação simbólica e prática de uns sobre outros. Por isso, a perpetuação no poder passa por não permitir espaço para pensar, debater, criticar ou refletir sobre qualquer coisa. Os últimos dias em nosso estado, inclusive, ofereceram demonstrações claras do quanto o poder é capaz de obstacular ou extirpar aqueles que ousam rezar longe da cartilha do campo dominante.

Nos últimos dias, em Natal, um jornalista foi censurado e demitido em seu perfil em uma rede social pelo proprietário de veículo de comunicação em razão de críticas ao prefeito e “amigo pessoal” cujos ancestrais haviam convivido fraternalmente. Tudo, às vésperas do aniversário da instituição cujo ofício deveria ter a liberdade jornalística como principal ativo. Houve ainda uma manobra na Câmara Municipal que inviabilizou audiência pública, em suas dependências, sobre os efeitos da obra da engorda da praia de Ponta Negra, cuja responsabilidade é do ex-prefeito, parceiro político do atual gestor da capital – mesmo protegido no caso anterior.

Silêncio dos inocentes. Foto: Ilustrativa/Pixabay
Silêncio dos inocentes. Foto: Ilustrativa/Pixabay

Há ainda a discussão sobre o início da vigência da alíquota de 20% do ICMS após a aprovação pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Setores do mercado e setor produtivo – associados à parte da imprensa – realizam críticas fortes sobre o tema e enaltecem o potencial aumento dos preços.

Não houve, entretanto, movimento visível em promover e evidenciar a redução dos valores dos produtos quando o ICMS desceu para o patamar de 18%.

Sem falar na publicidade feita por um senador da República que fazia parecer ser o responsável pela construção de hospitais para se promover a um ano do pleito eleitoral, quando na verdade, a destinação das emendas era outra. Após ser alvo de críticas, um movimento contrário buscou desqualificar e manejar a opinião pública aos apontamentos desfavoráveis em defesa do parlamentar integrante de um grupo político.

A “arquitetura institucional”, como define o sociólogo Jessé Souza, é distribuída entre universidades e centros de pesquisa – para produção da ciência hegemônica –, mercado e o Estado – para fabricação do consentimento –, e a imprensa comercial para estabelecer a opinião pública. Estrutura que, em certa medida, promove o que o filósofo alemão Jürgen Habermas conclui como a “feudalização da esfera pública”, ou seja, a divisão dos espaços para que grupos dominantes exerçam seu poder sobre outros.

Os episódios recentes expõem de forma crua a dinâmica entre dominados e dominantes, mas é no silêncio do dia a dia que se encontra a chave da dominação. Nas manchetes ditadas em sussurros, as intimidações sorrateiras nos corredores, nos acordos murmurados, na existência invisível ou abstrata porque não se luta contra algo que não pode ser visto. Por isso, pensar e refletir é um risco. Para eles.