Aquilo que somos é uma conexão com o que fomos. O que seremos é a projeção de onde estamos enquanto indivíduos. A memória é fundamental para construção da identidade, aprendizado, indutora da nossa capacidade de adaptação, da tomada de decisão e preservação da cultura e história. Por isso, perder a memória, é perder um pedaço essencial da própria existência. Na correlação entre efeitos e significados, quando esquecemos o que vivemos, estamos sujeitos a incorrer em erros que a memória poderia nos coibir de cometer.
Quando se pede anistia, se pede para esquecer. E não é força de expressão. Da origem da palavra do grego, o termo demanda sim o “esquecimento”. O movimento por anistia aos invasores da Praça e dos prédios dos Três Poderes, no 8 de janeiro de 2023, tem um forte lobby para aprovação no Congresso Nacional. As milhares de pessoas que tomaram e depredaram o local não fizeram apenas isso. A turba invasora era sintoma de uma doença que tentava contaminar o sistema democrático brasileiro e manchar de sangue, mais uma vez, a história do país.

Um episódio final de um grande plano articulado de enfraquecimento das estruturas democráticas com ataques ao sistema eleitoral, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e mesmo um plano para assassinar presidente e vice eleitos, além de um ministro do Supremo. Algo assim não se deixa para trás. O perdão concedido em 1979, quando o presidente João Baptista Figueiredo anistiou os perseguidos políticos pela Ditadura Militar com o projeto aprovado pelo Congresso Nacional em apenas três semanas, teve uma origem distinta, assim como sua legitimidade.
O ato veio em função de uma verdadeira pressão popular e de organizações da sociedade civil, como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em favor da redemocratização, além do Comitê Brasileiro pela Anistia. A anistia, naquela oportunidade, não era uma opção. Era a devolução da liberdade e vida a quem lutou, e honra à memória de quem foi vítima da violência literal da República que enterrou pessoas e direitos civis em covas rasas.
O que se pede desta vez é estritamente oposto. A defesa pela anistia aos “golpistas do 8 de janeiro” é em favor de pessoas que, cada qual em sua medida, buscaram contribuir para a deposição de um governo eleito democraticamente – e que foram insufladas por um grupo político oposicionista que desejava se perpetuar no poder ao custo da liberdade política e democrática brasileira. Pior do que isso, esse mesmo grupo tenta fazer uso de um lobby camuflado de “humanitário” para beneficiar seu líder político, optando até por usar a imagem de crianças para tal. Portanto, não podemos esquecer. A memória de quem lutou e luta pela liberdade deve ser honrada. Sem anistia.