No ano de 1993, era lançado “Muito Além do Cidadão Kane” (Beyond Citizen Kane), um documentário produzido pela Channel 4, emissora pública do Reino Unido, que mostrava a relação entre a mídia e o poder, a partir da figura de Roberto Marinho e a atuação da Rede Globo de Televisão. Não seria estranho assistir a produção de uma versão atual, desta vez, focada no bilionário Elon Musk e a tentativa de transformar o “X” (antigo Twitter) em uma ferramenta política de engajamento para produção de capital e concentração de poder.
Não há, absolutamente, nada de novo. Alguém com muito dinheiro e proprietário de um conglomerado de mídia tentar controlar a opinião pública a partir da superexposição a um viés ideológico sobre algum fato específico ou sobre à própria cultura da sociedade brasileira em si. Em “Muito Além do Cidadão Kane”, episódios como a cobertura do movimento “Diretas Já” e a edição do debate final entre Lula e Collor em 1989 expuseram a tentativa de interferência da Rede Globo na vida política brasileira à época.
No passado, entretanto, ainda que houvesse praticamente o monopólio da audiência da população, o efeito possuía uma limitação física em função do aparelho de TV. Agora, os usuários de uma plataforma de mídia social não estão apenas à distância de um clique, mas principalmente, expostos a um conjunto de algoritmos que provocam uma exposição maciça a conteúdos que engajam de acordo com códigos de programação conhecidos apenas pela própria empresa. E, à vontade da empresa, esses códigos podem determinar que um conteúdo tenha mais relevância que outro.
Uma ferramenta capaz de radicalizar parte da população e controlar uma fatia da opinião pública brasileira ao gosto de uma empresa internacional. Tudo sob o domínio de um indivíduo que controla uma poderosa mídia social, mas também uma infraestrutura relevante, já que Musk é proprietário de um plataforma de satélites que, dentre outros serviços, fornece internet no Brasil. A capacidade de controlar o discurso, mover a opinião pública à sua conveniência e a possibilidade de construção de uma liberdade de expressão relativa mostram o risco de uma autocracia virtual sobre a verdade.
O comportamento de Elon Musk, ao se negar a cumprir as leis brasileiras, desnuda o movimento do empresário para aproveitar a polarização existente no país para fazer com que aqueles que amparam seu falso discurso de defesa da liberdade de expressão possam ascender ao poder e atender outros interesses do grupo econômico comandado por ele, como o acesso a matérias-primas para produção de baterias para os carros elétricos da Tesla, por exemplo. Não há coincidências ou almoço grátis. A disputa de narrativa neste caso vai muito além do cidadão Musk. É sobre a soberania, de fato, contra a vontade de um.
Bruno Araújo é jornalista, escritor e especialista em Comunicação Pública
