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Artigo

Jogos vorazes

Leia o artigo de Bruno Araújo desta sexta-feira 30
Bruno Araújo
30/08/2024 | 05:56

A capacidade de aprender e transmitir o conhecimento de forma sistemática, refletir sobre seu estado, e mudar sua trajetória é uma das característica que nos difere dos demais seres vivos no planeta. Curiosamente, justo o fato de possuirmos consciência daquilo que nos rodeia é o que torna mais surpreendente o fato de nos omitirmos em algumas questões. Um relatório elaborado pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte (TCE/ RN) divulgado no mês de junho deste ano aponta Natal como a cidade com maior fila de vagas para creches em todo o estado.

Ao todo, são 1.208 crianças à espera de vaga nas creches da capital. Chama atenção o fato de haver 339 vagas não ocupadas e que poderiam reduzir esse déficit preocupante. Importante dizer que Natal não é a única com fila. Dos 167 municípios do RN, 144 responderam ao questionário do TCE e ao menos 22 admitiram haver fila de espera. O cenário detalhado pelo TCE é uma escolha dos gestores.

Dentre as mais diversas políticas públicas e ações necessárias nos municípios, não investir o suficiente para garantir vagas suficientes para que crianças possam ter acesso à educação e ao desenvolvimento pleno desde o primeiro momento é uma decisão consciente. Pior, o futuro imediato delas é decidido pela sorte. São os jogos vorazes da terra de Felipe Camarão.

Na capital potiguar, em fevereiro, um sorteio definiu quais crianças poderiam ser matriculadas. Centenas de crianças entre 6 meses e 3 anos e 11 meses ficaram sem vaga na Educação Infantil, segundo a própria Secretaria Municipal de Educação. O resultado disso é que parte da primeira etapa da educação básica será oferecida para uns e outros não. Um momento fundamental para o desenvolvimento de aspectos cognitivo, emocional, social e físico. São estímulos e oportunidades de construção de conhecimento infantil, habilidades de superação de conflitos, trato com emoções, desenvolver empatia e outras capacidades importantes para seu desenvolvimento.

Aliado a isso, as creches asseguram a possibilidade de conciliação entre trabalho e vida com a criança sob cuidado e atenção de profissionais que poderão promover e incentivar o desenvolvimento da criança. Há ainda o papel emancipador para mulher, que pela cultura machista do cuidado atribuída ao feminino, acaba por impactar a possibilidade da ascensão social e profissional em função da imposição do cuidado doméstico, enquanto o homem tem mantida a liberdade cultural do trabalho.

Retorno então à reflexão original sobre escolhas e me amparo na sabedoria das palavras de uma personagem da ficção que trata sobre a importância de como encaramos as etapas da vida e o tempo que nos cerca diariamente. “O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas hoje é uma dádiva, por isso chama-se presente.” É hoje que o gestor pode mudar o futuro dessas crianças sem vaga. É hoje que o cidadão pode cobrar a resolução do problema. É hoje que podemos transformar o mistério que o futuro e encerrar os jogos vorazes que ceifam o futuro de quem sequer tem capacidade de se defender.

Bruno Araújo é jornalista, escritor e especialista em Comunicação Pública

Escola Municipal de Natal / Foto: Manoel Barbosa/SME
Escola Municipal de Natal / Foto: Manoel Barbosa/SME