Vivemos um tempo que antecede eleições e muitos já se deixam afetar pela perspectiva de poder, estratagemas de toda ordem, colóquios à boca miúda, amizades postas à prova, o fogo amigo já aceso no horizonte das disputas.
A vida é essencialmente contingente, sabemos muito pouco, quase nada sobre os outros. As histórias são construídas por uma desmesura de fios que se enroscam demais ou se perdem no acúmulo das lembranças e buscas de sentidos. Da mesma forma, sabemos muito pouco, quase nada sobre nós mesmos, e a ideia que de nós fazemos é a imagem espelhada nos olhos dos outros. Melhor se esses outros são nossos amigos. Mas, que são os amigos?
Nem todos os humanos célebres pela sua sabedoria expressaram uma mesma opinião. Aristóteles, em sua Ética a Nicômacos, tratou a amizade como uma forma de “excelência moral” necessária à vida – “ninguém deseja viver sem amigos, mesmo dispondo de todos os outros bens”. Amigos seriam nosso refúgio na pobreza e no infortúnio, um bem cuja consciência se alcançaria mediante a convivência. Tal ideia de amizade como fator primordial à felicidade da vida foi partilhada por Epicuro, o “filósofo da amizade”. Os gregos eram uns otimistas nessa matéria.
La Boétie compreendia a amizade como a única forma de recusa à servidão. Seu grande amigo Montaigne, em Ensaios, fez-lhe uma das mais belas declarações de amizade que se tem notícia: “Se insistirem para que eu diga por que o amava, sinto que o não saberia expressar senão respondendo: porque era ele; porque era eu”. Para Deleuze, na sua conspiração dos afetos, a amizade estaria sujeita a uma alegre e inofensiva desconfiança. Enfático e nada romântico foi Victor Hugo quando afirmou que a metade de um amigo é a metade de um traidor. Os franceses e suas complexidades.
A relação da desconfiança com a amizade também foi feita por B. Brecht: “Eu não confio nele. Somos amigos”. Kant, defensor da autonomia da razão, comparou a amizade a um bom café – uma vez frio, não se aquece sem perder bastante do seu primeiro sabor. De fato, a frialdade deve ser uma das primeiras sensações oriundas dos ressentimentos que desaquecem qualquer amizade. Não é sem motivo que franqueza e objetividade são estereótipos dos alemães.
A prudência de B. Gracián ensina a arte da convivência: “Trata os amigos de hoje como se pudessem se tornar os piores inimigos de amanhã”. Semelhante é o conselho atribuído a Bias, que o Cipião de Cícero repelia, pois é difícil encontrar frase mais hostil para a amizade: “Amai como se um dia deveis odiar”.
É fato que, uma vez confrontados com uma escolha infeliz – a maioria de nós é imprudente nessa esfera -, difícil é suportá-la com fleuma e resignação. Assim como sucede a todo inimigo, não há “amigo” insignificante, inapto e inapetente para um malévolo métier. Ao passo que muito devemos ao inimigo declarado – franco e útil como o fogo -, a substância traiçoeira do falso amigo é a voracidade da sua malícia comprometedora.
Shakespeare, com a sua fina psicologia, resumiu: “Os amigos me adulam e me fazem de asno, mas meus inimigos me dizem abertamente que o sou, de forma que com os inimigos (…) aprendo a me conhecer e com os amigos me sinto prejudicado”.
Conta Plutarco, entusiasta da moral prática, que o inimigo idealmente deve ser considerado do mesmo modo que o fogo. Queima, quando nós o tocamos, mas possui uma infinidade de utilidades para aqueles que sabem manejá-lo. Tudo para dizer que enquanto os imbecis lidam mal com suas amizades, os sensatos sabem tirar proveito até de suas inimizades. Mas, como é penoso o reconhecimento tardio da animosidade de um falso amigo que se traveste de aliado!
A propósito de tudo o quanto falamos, celebra-se hoje o Dia Internacional da Amizade. Sejamos otimistas! Também foi num 20 de julho, 55 anos atrás, que, a bordo da Apollo 11, Armstrong, Aldrin e Collins empreenderam a primeira viagem à Lua. Apesar das grandes diferenças nas suas personalidades, obstáculo natural para a formação de uma amizade estreita – a mídia os chamava de “estranhos amáveis” -, eles protagonizaram um feito memorável graças às suas capacidades de planejamento, cooperação, trabalho árduo e respeito mútuo.
Erick Pereira é professor e advogado