Na Idade Média, figuras que hoje consideramos pioneiros das ciências eram muitas vezes taxadas de “bruxos”. Pessoas que, em sua busca por conhecimento em química, física e biologia, realizavam feitos que o senso comum da época não compreendia. Esses “bruxos” despertavam tanto a paixão das massas quanto o ódio das autoridades, um conflito que, em muitos casos, culminava em perseguições e execuções. A ciência nascente, ao desafiar o status quo, era vista como uma ameaça ao poder estabelecido.
Hoje, em um cenário profundamente diferente, mas paradoxalmente semelhante, emergem os “bruxos digitais”. Essas novas figuras não manipulam substâncias químicas em laboratórios, mas algoritmos em redes sociais. Em vez de elixires e poções, dominam técnicas de neurolinguística e persuasão digital para atrair seguidores, acumulando assim fama, riqueza e, em alguns casos, poder político. Tal como os “bruxos” do passado, esses mestres da economia da atenção usam seu conhecimento tanto para curar quanto para envenenar.
As eleições deste ano, particularmente em São Paulo, expõem de forma clara essa nova realidade. As instituições democráticas, pilares da nossa sociedade, tornaram-se alvos de manobras engenhosas dos bruxos digitais. Utilizando-se das brechas nos sistemas de informação e manipulação das massas, esses indivíduos conseguiram capturar o imaginário popular, oferecendo promessas de riquezas e poder a quem seguisse suas doutrinas. O efeito é devastador: milhões de pessoas, muitas vezes menos esclarecidas e fragilizadas pela complexidade do mundo moderno, tornam-se presas fáceis para esses novos “alquimistas” digitais.
Porém, o que diferencia esses novos bruxos dos seus antecessores medievais é a escala do impacto que podem causar. Se antes a influência se limitava a pequenos círculos, hoje, com o poder das redes sociais, a disseminação de suas ideias e “feitiços” é global. E o que é mais preocupante: muitos desses bruxos digitais não se contentam com a fama e o dinheiro; eles agora aspiram ao poder político, sintoma claro de megalomania.
A questão que se coloca é se nossa sociedade, em seu estágio atual de desenvolvimento civilizatório e institucional, está preparada para enfrentar essa ameaça. Serão os bruxos digitais capazes de subverter a democracia ou encontrarão seu destino na fogueira — talvez não literal, mas metafórica, na fogueira das vaidades? A história se repete, e cabe a nós decidir se o desfecho será o mesmo ou se aprenderemos com o passado para proteger o futuro.
Vagner Araujo, ex-secretário estadual do Planejamento e das Finanças e ex-Presidente do Conselho Estadual do Meio Ambiente