Encantar, dialogar, confrontar, flexionar, revolucionar, transformar, valorizar, enganar, deturpar, aproveitar, subverter, corromper. O texto que você lê aqui poderia facilmente ser escrito apenas com verbos que podem ser associados ao exercício da política. Vários podem ser reunidos e conjugados ao mesmo tempo, enquanto outros podem prevalecer em detrimento dos demais. O caso da engorda de um trecho da orla da praia de Ponta Negra, um dos principais cartões postais de Natal, permite analisar esse exercício sobre algo concreto.
Na semana passada, o cidadão natalense tomou conhecimento de que a areia a ser retirada da jazida no fundo do mar para ser utilizada na obra seria de um padrão muito distinto daquela presente na praia e ainda contém cascalho. No início desta semana, a Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura (Funpec), em estudo preliminar, também apontou a possibilidade de que não haja areia suficiente na mesma jazida para realizar a totalidade da intervenção.

Em uma obra comum da construção civil, seria algo aceitável uma determinada empresa descobrir que o local que lhe forneceria a matéria-prima para iniciar os trabalhos não teria o produto adequado disponível e precisar buscar um outro fornecedor. Atrasaria o cronograma, mas teria provavelmente implicações mais graves. Não é o caso da engorda de Ponta Negra que pode se mostrar, ironicamente, um castelo de areia em razão da possibilidade de uma nova avaliação de impactos ambientais a partir da exploração de uma nova jazida.
Os estudos de viabilidade técnica e ambiental tiveram início em 2016, com o protocolo da licença prévia realizado em outubro de 2017. A partir de julho de 2018 foi iniciada a elaboração do Estudo de Impacto e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) pela empresa Tetra Tech, contratada pela Prefeitura do Natal, e protocolado em junho de 2022. No intervalo de quatro anos (2018-2022), o projeto básico, os possíveis impactos ambientais e a comprovação da viabilidade ambiental deveriam ser comprovadas. Ao todo, seis anos para antecipar e corrigir questões básicas e fundamentais como aquelas identificadas pela Funpec poucos dias após o início da obra. Sem falar no intervalo de quase dois até a autorização do canteiro e início da intervenção em si na orla.
Na etapa final desse processo, a Prefeitura do Natal adotou um discurso bélico, foi para o confronto e alegou que, por motivações políticas, havia uma tentativa de retardar o início da obra, o que levou inclusive a uma horda de comissionados e políticos associados ao prefeito Álvaro Dias a protestar e invadir a sede do Idema, órgão estadual responsável pelo licenciamento. Por outro lado, o Idema questionava uma série de pontos do projeto – inclusive relacionados à viabilidade da jazida – que careciam de mais explicações e detalhamento. No fim, foi liberada a licença com uma série de condicionantes. E, em poucos dias, o barulho do canteiro virou eco no silêncio de um castelo de areia que desmorona sob o discurso da política. E o verbo? Você escolhe.