A formação da comissão especial de licitação do transporte público de Natal é, sem dúvida, um passo relevante. Representa o vencimento de mais uma etapa burocrática rumo à esperada concessão do sistema, depois de anos de adiamentos, tentativas frustradas e de um modelo precário que se arrasta no tempo. A iniciativa sinaliza que o processo está andando na administração municipal.
É importante destacar também a decisão da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU) de convidar observadores externos para acompanhar os trabalhos da comissão. Foram chamados representantes do Tribunal de Contas do Estado, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho de Transporte e Mobilidade Urbana e da Câmara Municipal. Trata-se de uma escolha acertada, que reforça a transparência e ajuda a conferir maior legitimidade a um processo sensível, complexo e esperado há décadas pela cidade.

A próxima etapa é a publicação do edital de licitação. Segundo a secretária da STTU, Jódia Melo, a expectativa é que isso ocorra em janeiro de 2026, após a definição final dos nomes da comissão e a análise da Procuradoria Geral do Município. É isto que a sociedade espera: que o processo finalmente ganhe tração e ritmo.
Hoje, a população paga caro por um serviço que não atende às expectativas. O poder público, por sua vez, segue limitado na sua capacidade de cobrar melhorias por não dispor de um contrato de concessão formal, com direitos, deveres, metas e penalidades bem definidos. Virar esse jogo é fundamental para reposicionar o transporte público como política urbana estruturante.
O cenário atual é conhecido e amplamente desgastado. As empresas operam por meio de autorizações precárias, sem vínculo contratual robusto, o que fragiliza a atuação do município enquanto gestor do sistema. Os reflexos aparecem no cotidiano da cidade: frota envelhecida, intervalos longos entre viagens, supressão de linhas e perda contínua de passageiros. A tarifa, por sua vez, segue elevada diante de um serviço que carece de regularidade, conforto e previsibilidade.
A inexistência de licitação acaba produzindo um ciclo difícil de romper. Sem contrato bem estruturado, o município encontra dificuldades para exigir investimentos ou para aplicar sanções de forma eficaz. Do outro lado, as empresas alegam desequilíbrio econômico-financeiro e reduzem a operação em trechos considerados menos rentáveis. Quem sofre é o usuário, especialmente aquele que depende exclusivamente do ônibus para trabalhar, estudar ou acessar serviços essenciais.
É nesse contexto que a licitação se apresenta não como um fim em si mesma, mas como a única ferramenta capaz de estabelecer regras claras e estáveis para todos os envolvidos. O histórico da cidade impõe cautela – daí a fala da secretária Jódia Melo no sentido de que é preciso observar com atenção cada etapa. Em 2017, duas tentativas de licitação terminaram desertas, após as empresas apontarem dificuldades nas condições propostas. Desde então, o tempo passou, os custos aumentaram e o sistema se tornou ainda mais defasado. A expectativa agora é que o aprendizado acumulado permita um desfecho diferente.
Na atual gestão, houve avanços importantes. Uma consultoria da Associação Nacional do Transporte Público auxiliou na formatação do edital. O Tribunal de Contas analisou a minuta e apresentou recomendações, que foram incorporadas pela STTU, especialmente nos aspectos econômicos e financeiros. Isso é importante para evitar questionamentos futuros, dando mais segurança ao processo como um todo. Além disso, a Câmara Municipal aprovou projetos considerados indispensáveis, como a criação de um subsídio público para amortecer o valor da tarifa e a prorrogação da isenção do ISS para as empresas operadoras.
Esses movimentos indicam que os principais entraves técnicos, políticos e jurídicos foram enfrentados. Por isso, a expectativa da sociedade é que 2026 marque, de fato, a abertura da concorrência pública. Cada novo adiamento representa mais linhas suprimidas, mais usuários migrando para o transporte individual, mais congestionamentos e maior desigualdade no acesso à cidade.
A proposta de um contrato de concessão com duração de 15 anos, previsão de intervalos médios de 12 minutos entre viagens, metas de renovação da frota e utilização de receitas extratarifárias é positiva e necessária. O período de transição e a redução da idade média dos ônibus também apontam para um sistema mais moderno e eficiente.
O mérito da atual gestão está em recolocar o tema na agenda e estruturar o processo com mais cuidado do que no passado. Agora, o desafio é transformar planejamento em execução e expectativa em realidade. A cidade acompanha, com atenção e esperança, cada passo desse caminho.