A pedagoga Mychelle Magalli encontrou no artesanato uma forma de resgatar a própria saúde mental durante a pandemia — e acabou criando um negócio que une sustentabilidade, geração de renda e responsabilidade social no Rio Grande do Norte. A “Virô”, marca de bolsas feitas a partir de materiais reciclados, como lonas de eventos e cintos de segurança de carro, nasceu de um momento de reinvenção pessoal e cresceu com o apoio do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do RN (Sebrae-RN). Hoje, o projeto evita o descarte de resíduos no meio ambiente e ainda oferece oportunidades para mulheres que trabalham de casa com costura.
Com formação em pedagogia e 15 anos em sala de aula, Mychelle decidiu mudar de vida após enfrentar um quadro severo de depressão. Ao longo do período de isolamento social, testou diversas formas de artesanato até descobrir o universo das bolsas. “Na pandemia, todo mundo ficou dentro de casa e comecei a ver tudo que era tutorial. Pensei: ‘o que eu posso fazer com uma máquina de costura dentro de casa?’ Foi quando conheci o universo das bolsas”, contou ela, em entrevista ao AGORA RN.

O diferencial surgiu quando passou a reaproveitar materiais como câmaras de ar de pneus e lonas de publicidade. A virada sustentável, porém, também exigiu adaptação. Por questões de saúde, ela abandonou o uso de câmara de ar e passou a trabalhar somente com as lonas recolhidas em eventos. “Cheguei no produto sustentável. E agora? Pensei em vender pela internet, mas eu não sabia gerir uma empresa, organizar um negócio. Meu marido chegou e disse: ‘o único lugar que você pode ir é para o Sebrae’. Em seguida, fui ler todos os editais que o Sebrae poderia ter, que eu pudesse me encaixar. Foi quando eu conheci o Impacta”, relembrou.
Em 2024, a Virô ficou em segundo lugar no programa Impacta, voltado para o fomento de negócios de impacto com potencial de transformar realidades e gerar renda de forma sustentável. “Conheci Júlio Lêdo, um dos especialistas do Sebrae, e disse: ‘olha, Júlio, eu tenho uma bolsa e um sonho, você se vira com o resto’. Comecei a participar das capacitações, de todas as áreas que envolvem uma empresa. Passei por financeiro, marketing, bootcamp. Foram seis meses de uma imersão dentro do Sebrae para que isso virasse um negócio”, relatou Mychelle.
Ela decidiu aliar sustentabilidade ao lucro. “Porque você pode fazer o bem e ao mesmo tempo ganhar dinheiro. A gente não consegue entender muito isso na vida real, mas o Sebrae me trouxe essa visão, porque eu não tinha. Eu só sabia de querer fazer bolsa, só isso”, pontuou. Hoje, o foco é no processo de recolher, reprocessar e reaproveitar materiais que seriam descartados para transformá-los em novos produtos.
“A gente faz a logística reversa. A empresa produz o banner, e a gente transforma isso em brindes corporativos ou ações sociais”, explicou. Uma das iniciativas mais marcantes foi a doação de estojos escolares feitos a partir desses materiais para o projeto Balé da Ralé, que leva dança para crianças de uma comunidade em Natal. Desde o início do negócio, já foram recolhidos quase dois mil metros quadrados de material, evitando o descarte irregular e promovendo educação ambiental na prática.
O modelo da Virô é também inclusivo: três mulheres, moradoras da capital potiguar, trabalham na produção de forma descentralizada, em casa, com remuneração por produção e suporte de Mychelle. “Não adianta o negócio ser bom só para mim. Tem que ser bom para todo mundo”, afirmou. A meta é expandir o projeto com a aquisição de novas máquinas de costura, facilitando a autonomia das costureiras.
Conforme dados do Sebrae-RN de março deste ano, das mais de 250 mil pequenas empresas ativas no Rio Grande do Norte, cerca de 135 mil são microempreendedores individuais (MEI), assim como Mychelle. Aproximadamente 45% das microempresas individuais no RN são lideradas por mulheres.
Para transformar sonhos em negócios, é preciso primeiro acreditar no que se faz e buscar aquilo que faz os olhos brilharem. “Histórias boas precisam inspirar outras pessoas. Exemplos positivos precisam ser levados adiante para que outras pessoas entendam que tudo é possível”. Em breve, Mychelle pretende concorrer ao programa Regenera — destinado a startups de impacto social e/ou ambiental que desenvolvam modelo de negócio sustentável. “O Sebrae realmente mudou a nossa vida. Antes eu não tinha dinheiro para nada. Hoje, estou tranquila”.
Programas do Sebrae-RN transformam ideias em negócios rentáveis

Para o consultor do Sebrae Júlio Lêdo, que acompanha Mychelle desde o início do projeto, a história da Virô representa um exemplo claro de como negócios sustentáveis podem unir impacto social e viabilidade econômica. “O mais interessante é que ela partiu de uma dor pessoal e transformou isso em solução para a cidade, ao reaproveitar resíduos e gerar renda local. É disso que o futuro do empreendedorismo precisa: propósito com profissionalismo”, afirmou.
Júlio explica que o Sebrae-RN atua com duas frentes voltadas a negócios sustentáveis: o edital Impacta, voltado à pré-aceleração de empreendedores em fase de ideação ou com negócios ainda não totalmente estruturados, e o Regenera, para empreendimentos já consolidados como negócios de impacto.
Na trajetória da Virô, a orientação do Sebrae foi determinante. “Mais de um ano atrás, ela era uma mulher cheia de sonhos, com uma visão de impacto ambiental muito clara, mas sem uma estrutura, sem uma organização a nível de gestão e sem nenhum tipo de conhecimento sobre o empreendedorismo de impacto”, lembrou. “A gente ajuda a lançar esses produtos e serviços no mercado”. Os dois programas são realizados anualmente e alavancam diversos negócios locais.