O culto à magreza extrema parece ter voltado para a rotina das pessoas. De uns tempos para cá, diversas celebridades, que já eram consideradas magras, têm aparecido nas redes sociais com corpos muito mais esguios – desencadeando comentários polêmicos sobre as mudanças drásticas de aparência.
Recentemente, o uso de medicamentos injetáveis se tornou um dos assuntos mais comentados na internet. O Ozempic, por exemplo, passou a ser utilizado para fins de emagrecimento rápido por estética, sem recomendação apropriada – algo que não é aconselhável. Ele é indicado para o tratamento do diabetes tipo 2, conforme a bula aprovada pela Anvisa.

Eva Andrade, nutricionista e professora universitária, ressalta que a perda de peso associada ao medicamento pode provocar flacidez. “A gente tem visto até o formato ‘cabeça de Ozempic’, porque a gordura não é perdida no rosto, mas o resto do corpo perde muito peso. O medicamento atua no centro de saciedade, as pessoas se sentem mais cheias, causando um emagrecimento rápido. Mas não é perda de gordura somente, perde músculo também”, alertou, em entrevista ao AGORA RN.
A longo prazo, essa perda de peso pode impactar não só estruturalmente o corpo da pessoa que utiliza Ozempic, como também as funções orgânicas. “A imunidade pode ser afetada”, explicou ela, ressaltando que o maior problema pode acontecer quando o paciente para de injetar o medicamento.
“Parou de tomar o Ozempic, o que acontece? Acaba a sensação de saciedade, vai voltar a sentir fome da mesma forma que sentia ou até mais, o que gera um aumento do peso, um efeito rebote. O medicamento é originário para o tratamento de diabetes tipo 2, para controlar a glicemia, e pode ser usado para obesidade, desde que com acompanhamento”, pontuou a nutricionista.
Para quem não tem indicação de uso do Ozempic, a nutricionista incentiva uma combinação de ações para emagrecimento a longo prazo. “Buscar entrar em déficit calórico, de forma controlada, melhorando a qualidade alimentar. Em vez de retirar alimentos, inserir frutas e verduras, aumentar o índice de fibra, para ter mais saciedade. E, fazer atividade física”.

Tratamento
Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia no RN (SBEM-RN), a médica endocrinologista Liana Viana explicou que a semaglutida, principal componente do Ozempic, está indicada para o tratamento da obesidade e do sobrepeso quando há falha do tratamento conservador, com dieta e exercício físico.
O tratamento da obesidade deve ser individualizado porque se trata de uma doença complexa. “Nem todo mundo tem obesidade ou sobrepeso porque tem maus hábitos de vida ou porque é sedentário. Há vários fatores que influenciam nesse excesso de peso, de acordo com cada fenótipo”, afirmou a médica.
Ela ressalta que nem todos os casos devem ser tratados com semaglutida. “Além de agir na saciedade, o Ozempic retarda o trânsito gastrointestinal. Então, se há um paciente que já tem algum distúrbio gastrointestinal, como refluxo ou constipação, e inicia o uso do Ozempic, essas doenças podem piorar”, relatou.
Segundo a médica endocrinologista, o medicamento não pode ser usado na gestação ou durante o período de amamentação. “A gente tem visto nas redes sociais a divulgação de que ele precisa ser administrado diariamente, mas é apenas uma vez por semana, e sempre com acompanhamento médico”, frisou.
Ainda de acordo com Liana Viana, nem todas as pessoas com algum tipo de obesidade terão benefícios com o uso. “Como a medicação atua no atraso do trânsito gastrointestinal, pode ocorrer efeitos adversos como náuseas, vômitos, desidratação, pancreatite, e outros”.
Quem interrompe abruptamente o uso do Ozempic pode recuperar rapidamente o peso perdido. “A perda de peso para o organismo não é uma condição fisiológica, então ele sempre vai tentar recuperar o peso inicial. Caso haja interrupção, vai haver um aumento de apetite. Isso pode acontecer em qualquer tratamento, até com cirurgia bariátrica”.
Uso indiscriminado provoca prejuízos coletivos
O uso “off-label” de semaglutida para o desejo social de emagrecer abarca riscos, conforme a médica endocrinologista e professora da UFRN, Reivla Marques.
“Qualquer medicamento que se faça uso sem orientação médica vai mexer no princípio básico da relação de risco-benefício. Então, se você não tem indicação para o que aquela medicação foi validada, vai aumentar os riscos em relação aos benefícios comprovados do uso. A medicação pode ter efeitos colaterais”.
Utilizar Ozempic apenas para emagrecimento estético, quando não há indicação médica, engloba problemas tanto do ponto de vista individual quanto do coletivo.
“Individualmente, se o paciente apresentar, por ventura, algum efeito colateral, ele não vai saber como manejar, trazendo repercussões para a rotina e qualidade de vida. Do ponto de vista coletivo, contribui para o estigma do tratamento do paciente com obesidade. Notícias falsas que vão aumentar o medo sobre o tratamento de quem realmente precisa. Também afeta a disponibilidade da medicação para quem realmente ela é necessária”, observou Reivla Marques.