“Estou comprando no cartão de crédito e está se tornando uma bola de neve”, é o desabafo de Jéssica Luana, operadora de telemarketing, ao falar sobre a compra de uma fórmula infantil chamada Neocate, que serve para alimentação de crianças com necessidades dietoterápicas específicas, com restrição à proteína do leite e à base de aminoácidos livres. Distribuída pela Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat), uma lata tem custo variado de R$ 200 a R$ 300 e está em falta desde o fim de junho, segundo a própria Unicat, aguardando trâmites de licitação para ser adquirida.
Atualmente a central de agentes terapêuticos oferece duas opções de insumos parecidos, mas que de acordo com uma especialista consultada pela reportagem, podem não se adaptar. No caso de Jéssica Luana, a filha, de pouco mais de um ano, até consegue se alimentar de outras formas, mas tem no composto a principal fonte de nutrição.
“Apesar de já poder comer outros alimentos, ela não aceita bem, e a principal fonte de alimento dela hoje é o Neocate. Devido a falta do leite pelo estado, recebi algumas doações e estou comprando também, mesmo sem poder, passando cartão o que tá se tornando uma bola de neve”, disse. Ela usa o composto há pelo menos seis meses.
É o mesmo caso da filha de Thayanne Nóbrega, enfermeira, de oito meses. “Descobri a APLV com 14 dias de vida e desde os três meses ela toma o Neocate, pois não tive leite materno suficiente. Então, há cinco meses ela faz uso. Desses cinco meses só consegui pegar três vezes na Unicat. Em junho e julho, comprei as latas. Ela se alimenta de outra forma, mas tem dias que só quer o leite”, relatou.
Segundo Lilian Pinto, nutricionista materno-infantil e especialista em alergias alimentares, a fórmula é importante para crianças. “É a única fórmula infantil atende as necessidades de densidade energética de proteína carboidrato para as crianças que têm quadros graves a moderados de alergia à proteína do leite de vaca. Então essas crianças que têm esse diagnóstico e que é prescrito o Neocate, elas não se adaptam às substâncias de outras fórmulas, porque o Neocate é 100% aminoácido livre. Ou seja, a criança não vai ter que metabolizar proteína para digerir, já que ela é alérgica”, explicou.
Duas fórmulas que estão disponíveis na Unicat são a Aptamil e Pregomin, mas que, de acordo com a nutricionista, não teriam benefício com a substituição do Neocate por uma destas. “Não é viável, não pode ser substituída por uma fórmula extensamente hidrolisada, caso do Aptamil e Pregomin, porque essas duas têm proteínas hidrolisadas do soro do leite, diferentemente do Neocate que é 100% aminoácido livre. Ou seja a criança não vai ter contato com proteínas. Daí a importância da continuidade da distribuição para as crianças que realmente estão cadastradas para receber”, avaliou.
Atualmente, de acordo com Thiago Vieira, diretor técnico da Unicat, são 1.800 crianças com alergia à proteína de leite de vaca (APLV) cadastradas para receberem a substância. Segundo Vieira, elas recebem encaminhamento de gastropediatras e precisam ter até dois anos para ter direito ao benefício por trimestre, com as latas retiradas mensalmente. “Conseguimos finalizar a licitação com o ganhador. Foi empenhado o Neocate, e como esse empenho aconteceu na semana passada, a gente tem um prazo legal que o fornecedor tem para entregar o produto que são 20 dias úteis, contados a partir de 27 de julho”, esclareceu.
Unicat dá prazo: 20 dias úteis após empenho
Com o prazo, a expectativa é de que somente a partir de 23 de agosto as fórmulas estejam disponíveis. Outro relato de mães de crianças APLV, é que nem todas recebem a quantidade necessária para a alimentação total das crianças. “Uma lata dura no máximo três dias”, relatou uma mãe que não quis se identificar. Conforme Vieira, da Unicat, existe um protocolo que acaba limitando a distribuição.
“Não é porque o médico prescreve que você vai atender aquilo. Existe uma norma técnica elaborada com base científica até para que você consiga dar vazão e atender todas estas crianças. Nos últimos quatro anos fizemos um estudo de quantas crianças foram atendidas e a gente teve um aumento de quase 50% de crianças nesses quatro últimos anos.
Tudo isso implica em orçamento, capacidade de entrega, organização de serviço. O protocolo pensado para o estado, um dos poucos estados do Brasil que tem esse protocolo, e a questão orçamentária foi pensada em parceria com o Ministério Público através de um TAC, um termo de ajustamento de conduta, e o RN é um dos poucos estados que implantou um programa.
Por que o SUS não oferece fórmulas infantis, não está dentro do escopo do SUS, as responsabilidades do SUS. O estado arca com o custeio disso com recursos próprios. Foi pensado o programa e tem normas”, relatou.
Atualmente, o programa é centralizado na capital e atende os 167 municípios do Rio Grande do Norte. Em Natal, a assistência funciona na Unicat, no e no Hospital Pediátrico Maria Alice Fernandes, na Zona Norte da capital potiguar. No Centro de Especialidades Integradas Leste, vinculado à Prefeitura, que também atua na distribuição do composto, mães relataram que o Neocate teria sido distribuído em quantidade menor nos últimos meses. Questionada, a Secretaria Municipal de Saúde não respondeu se o insumo está em falta, desde quando a distribuição teve a quantidade alterada e prazo para normalização do processo.