As escolas públicas estaduais de Natal retomam atividades nesta segunda-feira 1º. Diferente do que se esperava até a semana passada, o sistema de aulas será remoto. A Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Lazer e do Esporte (SEEC) decidiu na última sexta-feira 29 que não iria retomar as aulas presenciais nas salas de aula. Após recomendação do comitê científico de enfrentamento à Covid-19, a reabertura das escolas públicas segue suspensa em todo o Rio Grande do Norte.
A volta das atividades presenciais tem sido motivo de angústia para os diretores de escolas que não tem estrutura para receber os estudantes. Para além do protocolo de biossegurança que é exigido em razão da pandemia, que inclui itens como dispensadores de álcool em gel, tapete sanitizante em todas as entradas das escolas, máscaras para alunos e funcionários, etc., as escolas estaduais sofrem com problemas estruturais básicos que dificultariam as aulas mesmo em tempos de normalidade.
Nesta segunda-feira 1º, o titular da SEEC, Getúlio Marques, vai discutir o plano de retomada das aulas presenciais com representantes do Ministério Público Estadual (MPRN). O encontro vai definir datas para o calendário escolar, bem como vai permitir que governo estadual detalhe as ações para que as escolas possam receber alunos, professores e funcionários em segurança.
Hoje, a segurança biossanitária das unidades de ensino é a grande questão que os gestores de cada escola precisam enfrentar. Isso ocorre em razão do gerenciamento do pouco recurso que recebem para atender a tantas demandas: reformas necessárias, compra de materiais e insumos de manutenção, e agora a compra de itens indispensáveis para o protocolo sanitário.
A diretora da Escola Estadual Rômulo Wanderley, na Zona Norte de Natal, está em seu primeiro ano de gestão. Ela afirma que sua escola está com a prestação de contas em dia, no entanto, ainda não recebeu nem uma parcela do Programa Dinheiro Direto na Escola Emergencial (PDDE).
“Ele (Secretário de Educação) colocou a culpa nas escolas, nos gestores que não tinham prestado conta, sendo que aqui é uma escola que está com tudo em dia e a gente não recebeu recurso emergencial nenhum pra se preparar para esse retorno, o que inviabiliza a gente retomar presencial, porque eu não vou colocar alunos em sala de aula sem ter todo um aparato necessário, ter colocado as pias, ter adequado bebedouros, tudo isso, sem ter máscara suficiente para distribuir também”, explica.
A Escola Escola Rômulo Wanderley só possui três pias que necessitam de reforma. Além disso, o bebedouro precisa ser adequado para seguir o protocolo de biossegurança, há álcool em gel apenas para os poucos funcionários que estão indo trabalhar todos os dias, e que foi comprado com o recurso destinado a outras demandas da escola, não há sinalização no chão para demarcar o distanciamento social.
No dia 27 de janeiro, faltando apenas três dias para a data do retorno presencial, a SEEC depositou na conta das escolas a segunda parcela do Programa de Autogerenciamento da Unidade Escolar (Pague), referente a agosto de 2020, porém o valor não é o destinado para a compra de itens de biossegurança.
“Foi um ano perdido, tinha tempo de ter estruturado a escola e não foi. É muito complicada a situação, e o pior é a gente se sentir sozinho, a nossa fala é como se tivesse ao vento, nada importa”, desabafa a diretora da unidade, Elis Câmara.
A Escola Estadual Profª Maria Nalva Xavier de Albuquerque, também na Zona Norte de Natal, foi uma das escolas que teve acesso ao PDDE Emergencial, no entanto, com tantos problemas estruturais graves, o dinheiro disponível não é suficiente para a adequação da escola. A diretora da escola, Joseana Américo, relata que sempre manda ofícios para a Secretária de Educação documentando a situação em que encontra sua escola, com diversos problemas na parte hidráulica, elétrica e até mesmo no alicerce da escola, que está cedendo e colocou em desuso 5 salas vizinhas que correm o risco de desabar, mas não obtém resposta.
“Há muito tempo não tem uma reforma. Eu já fui na Secretaria várias vezes solicitando ofícios em busca de ajuda para resolver os problemas, mas até agora nada. Nós não teríamos condições de funcionar em situações normais, aí vem a questão da pandemia. A gente recebeu o PDDE Emergencial, e eu tô lutando em pesquisas para adequar em poucos recursos o que o protocolo exige, mas não tem como”, relata.
No Rio Grande do Norte, em razão da crise sanitária da Covid-19, as aulas presenciais nas escolas públicas estaduais estão suspensas desde 18 de março de 2020 em razão da pandemia. A rede estadual de educação tem 608 escolas espalhadas pelos 167 municípios do Rio Grande do Norte. Em 2020, a estrutura tinha 216 mil alunos.
Escolas municipais também enfrentam problemas
O retorno presencial da rede de ensino municipal de Natal estava marcado para o dia 2 de fevereiro, no entanto, a Secretaria de Educação de Natal resolveu adiar mais uma vez, para o dia 18 de fevereiro, no entanto de forma remota. As escolas municipais também desafiam problemas de ordem estrutural.
A escola Profª Tânia Almeida funciona em um prédio alugado pela prefeitura, que não tem estrutura para ser escola, porque carece de espaço para os mais de 400 alunos que estudam lá. Não há quadra ou um espaço aberto onde as crianças possam se reunir. Além disso, uma reforma que começou no ano passado e foi paralisada durante todo o período de quarentena atrapalha o retorno presencial.
“A gente não estaria pronto para receber, porque tem quatro salas em reforma faz um ano, essa reforma foi paralisada em fevereiro do ano passado. Como são muitas escolas eu acredito que tenha tido algum problema nessa negociação, não sei exatamente o que ocorreu, mas eles recolheram o cimento que tinha na escola e ficou só a areia. Precisa de um espaço construído, onde seja adequado para as crianças”, relata a diretora pedagógica Joelma Bezerra.
A mãe de uma criança que estuda no Profª Tânia Maria relatou à reportagem indignação pela falta de espaço adequado para o filho estudar. “Eu sou uma mãe que tô aqui presente não só pela minha criança mas por outras, porque sem educação a gente não é nada. Um prédio desse aqui é alugado e o prefeito diz que vai construir uma escola, e quando vai ser construído? Porque lá só tem o aterro ainda. Quanto tempo essas crianças vão ficar sem estudar? É precária a situação, precária. Acho que todas as mães concordam comigo. Uma reforma dessa pra ele não é nada. Ele gasta muito mais em Carnatal, em besteira, mas uma coisa de educação para todas as crianças…Eu fico indignada, não só pelo meu filho, mas por todos, porque essa confusão não é só pandemia, é outra situação, a pandemia veio pra piorar”, desabafou Kátia Gomes.
Retorno presencial é essencial para recuperação, diz especialista
A especialista em educação e fundadora do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), Cláudia Santa Rosa, avalia que a volta das atividades presenciais de forma segura, adaptada aos protocolos de biossegurança, é um fato imprescindível para começar a reparar os prejuízos e lacunas trazidos pelo cancelamento das aulas por causa da pandemia.
“Digo isso porque se o trabalho continuar apenas remoto, não presencial, excluirá muitos estudantes, aumentando o desafio para recuperar quando o retorno ocorrer”, explica a especialista, que também já foi secretária estadual de Educação.
Mesmo após a volta à normalidade, a educadora avalia que as consequências do ano letivo de 2020 vão demorar de 4 a 5 anos para desaparecerem, porque muitos vão concluir a Educação Básica antes da recuperação dos conteúdos não estudados.
Na prática, Cláudia afirma que quatro pontos são essenciais para tentar minimizar os danos na educação durante o ano de pandemia, além da competência técnica dos profissionais na elaboração e condução do trabalho, e de um diagnóstico para que os professores conheçam as dificuldades dos alunos.