Com escolas em todo o Brasil fechadas há mais de três meses por causa da pandemia do novo coronavírus, especialistas em educação apontam caminhos para superar os desafios para a volta das aulas. No Rio Grande do Norte, a professora Cláudia Santa Rosa, diretora executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), alerta para a necessidade de o poder público antecipar planejamento para a retomada das aulas presenciais.
Em entrevista ao Agora RN, Cláudia Santa Rosa também avalia que a pandemia expôs o nosso do Brasil em relação à inclusão digital, sobretudo dos alunos que estudam em escolas públicas. Ela avalia que a questão precisa ser corrigida imediatamente.

AGORA RN – Do ponto de vista educacional, como avalia esse momento que estamos vivendo?
Cláudia Santa Rosa – Infelizmente é um momento dificílimo porque aprofunda desigualdades educacionais. Nunca as escolas, de norte a sul do país, de todas as redes de ensino e de todos os estratos sociais, ficaram fechadas de maneira uniforme, por tanto tempo e sem certezas sobre quando ocorrerá o retorno. O ensino não presencial está muito longe de ser universalizado e a exclusão da educação, pelo virtual, atinge a maioria. Num país sem equidade social, os estudantes de famílias empobrecidas e os que vivem em áreas rurais são os mais penalizados.
AGORA RN – Quais são as principais consequências que a Covid-19 trará para a educação de crianças e jovens e quais serão os desafios da educação para quando a pandemia passar?
Cláudia Santa Rosa – A educação brasileira já amargava indicadores sofríveis, mesmo antes da pandemia e todos nós conhecemos tal realidade. Em 2020 o quadro se agravou, sensivelmente. A consequência mais séria para os estudantes é a interrupção de um processo, o adiamento forçado do tempo de aprender, especialmente para as crianças em processo de alfabetização e para os jovens no final do ensino médio. O desafio será o da sensibilidade e capacidade técnica das equipes escolares para estruturarem planos que possibilitem as aprendizagens essenciais. Quem pretender, na volta, aplicar o mesmo currículo, como se nada tivesse acontecido, cometerá um erro severo.
AGORA RN – O Ministério da Educação e a Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte ainda não têm planos para a retomada para as aulas presenciais. O quão grave é esta demora? O que o Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE) tem sugerido ao Governo do Rio Grande do Norte?
Cláudia Santa Rosa – O Ministério da Educação tem sido ausente desse processo, o que é estranhíssimo. A Secretaria de Educação do RN tem em mãos as diretrizes elaboradas pelo Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED), mas antes disso o IDE encaminhou um documento propositivo com 10 pontos/ações/medidas que consideramos fundamentais para resguardar vidas nas escolas, reestruturar os anos letivos de 2020 e 2021 e favorecer as aprendizagens. Colaborar é o nosso papel social. Temos alertado os gestores públicos para a necessidade de antecipar providências porque quando as escolas forem autorizadas a retornar, as providências já terão que ter sido ultimada. Planejamento atrasado não é planejamento, convenhamos.
AGORA RN – Nesse momento, qual deve ser a principal preocupação das instituições de ensino? Qual será a grande preocupação para o retorno das aulas? O conteúdo formal ou a garantia de segurança sanitária?
Cláudia Santa Rosa – As duas frentes são necessárias, são preocupações que evocam as competências, talentos e muito trabalho de duas forças que se complementam: administrativo e pedagógico. Da equipe administrativa/gerencial se espera a estruturação das providências que garantam a segurança sanitária. Com base nesse planejamento caberá a equipe pedagógica organizar a modelagem, as melhores rotas que promovam as aprendizagens e o apoio socioemocional aos estudantes, de acordo com os protocolos sanitários a serem implementados.
AGORA RN – Como é que os educadores podem estar preparados para lidar com essas inúmeras transformações geradas pela pandemia?
Cláudia Santa Rosa – Ninguém estava preparado para uma crise nessa proporção. Uma parte dos educadores vem se reinventando, imersa na mediação de aprendizagens por meio remoto. Uma segunda parte dos professores pretendeu se reinventar, mas foi atropelada por pronunciamentos desencorajadores, apoiados no discurso da falta de condições de acesso de 100% dos estudantes ao digital e uma terceira parte nem tentou, resignou-se. É claro que o primeiro grupo estará mais preparado para o retorno que já sabemos que terá um modelo híbrido, envolvendo atividades letivas presenciais e não presenciais.
AGORA RN – Como será a educação pós-pandemia?
Cláudia Santa Rosa – A pandemia tornou ainda mais visível à importância do professor, especialmente porque nem todas as residências contam com familiares capazes de assumir tutoria na orientação de estudos de crianças e jovens. Ao mesmo tempo a pandemia descentralizou a escola, evidenciando que é possível estudar e aprender em outros espaços, em casa, por exemplo, e isso abrirá espaço para projetos pedagógicos inovadores, mas forjados desde a escola. Finalmente, a pandemia expôs o nosso atraso em relação à inclusão digital, sobretudo dos que estudam em escolas públicas e isso precisará ser corrigido, não somente no Brasil.
AGORA RN – O que achou da nomeação de Decotelli para ministro da educação?
Cláudia Santa Rosa – Recebi com esperança, porque, no tocante às atribuições do MEC, a educação brasileira praticamente parou, desde o início de 2019. Vive um tempo de carência de foco naquilo que importa, carência de liderança carismática. Não o conheço, mas pessoas sérias, pessoas saudáveis que não cultuam ídolos na política partidária me fizeram comentários positivos sobre a capacidade técnica e de diálogo do Decotelli. Porém, alguns fatos revelados sobre a conduta ética do Ministro, poucas horas depois do anúncio para o cargo, já me deixaram em alerta. Espero que se reabilite do desgaste porque a Educação precisa de um Ministro equilibrado.
AGORA RN – Como avalia a passagem de Abraham Weintraub pelo Ministério da Educação?
Cláudia Santa Rosa – Um desastre. O presidente errou duas vezes em suas escolhas para o Ministério da Educação. Ficamos um ano e meio sem políticas educacionais consistentes e uma desarrumação sem precedentes. De um Ministro da Educação se espera dedicação ao debate sobre a qualidade do ensino e às ações potentes para avançarmos. Criar polêmicas e formar palanque em rede social é um caminho para desgastar a credibilidade junto aos que fazem a educação acontecer, na ponta. Espero que o Ministro Decotelli faça opção por trabalhar pela Educação e que o deixem trabalhar. Ele precisa recuperar o tempo perdido.
AGORA RN – Como estava a relação do ministério com a educação do RN?
Cláudia Santa Rosa – Não tenho propriedade para comentar em profundidade, mas sei que o MEC aprovou 15 ou 16 escolas de ensino médio para serem transformadas em tempo integral, nesse ano de 2020. O Ministério também abriu vagas para o RN, no edital das escolas cívico-militares, mas o Governo do Estado optou por não aderir, o que permitiu redirecionar as vagas para redes municipais.
AGORA RN – Quais são os desafios do novo ministro?
Cláudia Santa Rosa – Restabelecer o diálogo do Ministério com os secretários estaduais e municipais de educação, por meio das suas entidades representativas e também com os reitores de universidades e institutos federais; liderar a articulação para apoiar a preparação das escolas para a retomada das atividades presenciais; priorizar a articulação para a aprovação da PEC do FUNDEB permanente; retomar as ações de implementação da Base Nacional Comum Curricular e as metas do Plano Nacional de Educação. São frentes que julgo prioritárias.