O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderou a trama golpista no final de 2022, e a ruptura democrática não foi concretizada por “circunstâncias alheias à sua vontade”, disse a Polícia Federal no relatório final da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado.
Declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro teve seu papel detalhado pela PF nas conclusões do inquérito entregues ao STF (Supremo Tribunal Federal) e tornadas públicas nesta terça-feira 26 pelo ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a Polícia Federal, “os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca” que Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do Estado democrático de Direito”.
O ex-presidente foi indiciado neste ano pela Polícia Federal em três inquéritos: sobre as joias, a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19 e, agora, a tentativa de golpe de Estado.
O relatório da PF foi enviado para análise da PGR (Procuradoria-Geral da República), responsável por avaliar as provas e decidir se denuncia ou não os investigados.
Segundo a corporação, os 37 indiciados cometeram três crimes: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa, cujas penas somam de 12 a 28 anos de prisão, desconsiderando os agravantes.
O texto do relatório diz que o grupo investigado era “liderado por Jair Bolsonaro” e “criou, desenvolveu e disseminou” desde 2019 a narrativa falsa de vulnerabilidade das urnas eletrônicas para justificar intenções golpistas em caso de derrota do então presidente na tentativa de reeleição.
Após a derrota na eleição de 2022, segundo a PF, Bolsonaro “elaborou um decreto que previa uma ruptura institucional, impedindo a posse do governo legitimamente eleito”. O então presidente apresentou a minuta do golpe aos comandantes da Forças Armadas, de acordo com a investigação.
A PF diz que uma série de diálogos entre interlocutores, análise da localização de celulares e datas e locais de reuniões indicam que Bolsonaro sabia dos planos do general da reserva Mario Fernandes, ex-chefe dos chamados “kids pretos” do Exército, para matar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes.
“Enquanto as medidas para ‘neutralizar’ o ministro Alexandre de Moraes estavam em andamento, o núcleo jurídico do grupo investigado finalizou o decreto que formalizaria a ruptura institucional, mediante a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral e a instituição da Comissão de Regularidade Eleitoral”, afirma.
Segundo a PF, a ação para prisão e assassinato de Moraes em 15 de dezembro de 2022 foi abortada quando Bolsonaro “não obteve o apoio” do general Freire Gomes, então comandante do Exército, “e da maioria do Alto Comando do Exército”.
Bolsonaro negou na segunda-feira 25 que tivesse conhecimento sobre planos apurados pela PF para matar Lula, Alckmin e Moraes. “Esquece, jamais. Dentro das quatro linhas não tem pena de morte.”
O ex-presidente, porém, confirmou que discutiu com aliados e militares a possibilidade de decretar estado de sítio após a derrota na disputa eleitoral de 2022 —o que, para Bolsonaro, não configuraria golpe nem crime. “A palavra golpe nunca esteve no meu dicionário.”
Nesta terça, após a divulgação do relatório da PF, ele republicou em rede social um vídeo bebendo caldo de cana, acompanhado de uma trilha risadas, mas sem menção direta à investigação. Em depoimento à PF, o então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, disse que o general Freire Gomes, à época comandante do Exército, chegou a dizer que prenderia Bolsonaro se ele avançasse com os intentos golpistas.
“Depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de alguns institutos previsto na Constituição (GLO ou estado de defesa ou estado de sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República”, declarou.
‘Lula não sobe a rampa’, diz plano aprendido pela PF com assessor de Braga Netto
A Polícia Federal apreendeu com um assessor do general Braga Netto, candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro em 2022, um manuscrito batizado de ‘Operação 142’ que tinha como objetivo final que Lula (PT) não subisse a rampa do Palácio do Planalto após a vitória na eleição presidencial. O conteúdo está no relatório final da PF do inquérito sobre a tentativa de golpe, divulgado nesta terça-feira 26.
O documento estava em uma pasta denominada “memórias importantes” e estava na sede do Partido Liberal (PL), na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general Braga Netto.
A Operação 142 – uma referência ao artigo 142 da Constituição, interpretado indevidamente como um dispositivo que autorizaria um intervenção militar no país – prevê um conjunto de 6 etapas para, segundo a PF, “implementar a ruptura institucional após a derrota eleitoral” de Jair Bolsonaro (PL).
O documento detalhava ações que incluíam “interrupção do processo de transição”, “mobilização de juristas e formadores de opinião” e “preparação de novas eleições”. Outras medidas indicavam “anulação das eleições”, “prorrogação dos mandatos”, “substituição de todo TSE” e, sob o tópico “Estado Final Desejado Político (EFD Pol)”, o texto afirmava explicitamente: “Lula não sobe a rampa”.
A etapa final, batizada de Estado Final Desejado Político, estabelecia que “Lula não sobe a rampa”.
Bolsonaro não assinou decreto de golpe porque Exército não aderiu
A Polícia Federal (PF) concluiu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados só recuaram do plano golpista porque não tiveram apoio do alto comando do Exército.
Segundo a PF, o plano só foi abandonado depois que o general Freire Gomes, então comandante do Exército, e a maioria dos militares de alta patente “mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado”, “apesar de todas as pressões”.
Diante da negativa, Bolsonaro e seus aliados não tiveram “confiança suficiente” para “avançar na consumação do ato final”, afirmam os investigadores.
A Polícia Federal também afirma que a ação para executar o ministro Alexandre de Moraes – os planos Copa 2022 e Punhal Verde e Amarelo – só foi “abortada“ porque o Exército não aderiu em massa ao plano golpista.
”A consumação do golpe necessitaria de um elemento fundamental, o apoio do braço armado do Estado, em especial a força terrestre, o Exército”, afirma a PF.