A Lei Maria da Penha, sancionada há 18 anos, transformou a abordagem da violência doméstica no Brasil, estabelecendo novas formas de proteção para as vítimas. No entanto, os dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que, apesar desses avanços, o número de mulheres ameaçadas de violência e os casos de feminicídio continuam a crescer no Rio Grande do Norte.
Em 2023, o número de mulheres ameaçadas de violência no RN cresceu 20,2%, passando de 8.348 em 2022 para 10.036 casos. O aumento também se refletiu nos casos de feminicídios, que subiram de 16 para 24 no último ano. Além disso, foram registradas 42 tentativas de feminicídio.
Segundo o anuário, 64,3% dos feminicídios ocorreram nas residências das vítimas, 21,43% na rua e 14,3% em outros locais, muitas vezes diante dos filhos das vítimas.
Mesmo com a aplicação da Medida Protetiva de Urgência (MPU), nove vítimas de feminicídio entre 2022 e 2023 estavam sob proteção no momento em que foram assassinadas. Em 2023, foram solicitadas 6.806 medidas protetivas no RN, com 5.845 concedidas, o que equivale a uma média de 16 por dia. Esse número representa um aumento de 30% em relação a 2022, quando foram concedidas 4.488 medidas.
O Anuário também aponta um aumento de 13,3% nos casos de lesão corporal dolosa contra mulheres, com 3.145 ocorrências em 2023, em comparação com 2.777 em 2022. Os casos de stalking (perseguição), que afetam predominantemente mulheres, cresceram 50%, passando de 761 em 2022 para 1.155 em 2023.
A promotora de Defesa da Mulher do RN, Érica Canuto, ressaltou que a Lei Maria da Penha alterou significativamente o enfrentamento da violência doméstica. “Antes, a violência era vista como um problema doméstico, e ninguém se envolvia. Não se sabia o tamanho dessa violência e como ela era danosa para a vida das mulheres e seus filhos. A Lei mudou tudo ao dizer que é sim um problema público: de segurança pública, de saúde pública, de importância pública”, afirmou.
Para ela, a legislação articulou os serviços de rede e a MPU, que aumenta as chances da mulher permanecer viva após um relacionamento abusivo ou ameaça. “A medida protetiva salva vidas. É uma ordem judicial para que o homem não se aproxime da mulher, não vá atrás dela, não procure saber da vida, não fale mal, não divulgue fotos íntimas, saia de casa, se afaste, parando a violência”.
“Medida protetiva é eficaz e salva vidas”, destaca promotora
Érica Canuto explicou que, em 90% dos casos de medida protetiva, o agressor cumpre a ordem assim que é intimado, a fim de evitar punições severas, como prisão, uso de tornozeleira eletrônica ou botão do pânico. E abordou o manejo dos casos de descumprimento. “Nestes, é feita uma gestão do caso para decidir a penalidade apropriada. Há uma rede de serviços suficientes para garantir o cumprimento da medida protetiva”, detalhou.
A promotora enfatizou que, em 95% dos casos de feminicídio, as vítimas nunca registraram ocorrência ou pediram proteção. “É mais fácil sobreviver com a medida protetiva do que sem ela. Às vezes, a mulher teme que o agressor fique mais raivoso se denunciar, mas sem proteção, ela fica muito mais vulnerável e propensa a ser vítima novamente ou sofrer feminicídio”, alertou.
A promotora reafirmou o apoio à Lei e à Maria da Penha, que continua a ser um ícone na defesa dos direitos das mulheres no Brasil. “Hoje, declaramos apoio à Lei Maria da Penha, pois essa lei tem salvado muitas vidas de mulheres em todo o país. Também apoiamos Maria da Penha, que, apesar de ataques e ameaças à sua integridade física e psicológica, está sob proteção estatal”, finalizou Érica Canuto.