O governo do Rio Grande do Norte fechou há poucas semanas uma parceria com a empresa EV Brasil para o desenvolvimento de um projeto de “armazenamento verde gravitacional de energia” em larga escala e de longa duração.
O nome é complexo, mas, basicamente, tem a ver com estocar vento. Pois é. Se você se lembrou da famosa expressão “estocar vento” usada pela ex-presidente Dilma Rousseff em uma entrevista coletiva na ONU, em 2015, é por aí mesmo.
O governo do RN assinou um memorando de entendimento (MoU) com a EV Brasil. E a proposta é encontrar meios de fazer a energia eólica ser armazenada para uma espécie de estoque, sem uso imediato.
O MoU é um instrumento jurídico que funciona como um contrato, e, neste caso, estabelece interesses e objetivos mútuos das partes em um processo de cooperação. Ou seja, é um primeiro passo bastante promissor e pioneiro na América Latina.
Segundo João Fernandes, diretor executivo da EV Brasil, representante brasileira da empresa suíça Energy Vault, o setor prevê um crescimento explosivo do mercado brasileiro de armazenamento de energia nos próximos dois anos.
“Estamos falando de estocar energia gerada a partir do vento. O objetivo dessa estocagem é ter energia disponível para os momentos do dia em que não houver vento. O mesmo vale para a geração solar: estocar para os momentos em que não houver sol”, diz o executivo.
“Nossa expectativa é anunciar nas próximas semanas alguns outros projetos no Brasil e o do Rio Grande do Norte deverá ser o pioneiro também na América Latina”, acrescenta Fernandes.
Para que estocar vento?
As energias renováveis eólica e solar são intermitentes —isto é, nem sempre estão disponíveis. Usá-las 24 horas por dia requer o desenvolvimento de soluções de armazenamento que sejam confiáveis, mas também flexíveis.
A Energy Vault propõe uma solução que promete ser eficiente, durável e sustentável, com eficiência de ciclo energético de 80 a 85% (ou seja, só 15% da energia poderia se perder no processo), com uma estrutura de vida útil superior a 35 anos, sem causar danos ao ambiente com geração de resíduos químicos.
O potencial é da ordem de 400 MW a 600 MW em unidades de armazenamento de energia verde gravitacional até 2024 no Rio Grande do Norte, segundo o que prevê o memorando.
O projeto nasceu de uma aproximação entre o Governo do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da Sedec (Secretaria de Desenvolvimento Econômico), e a embaixada do Brasil na Dinamarca. Próximo dali, em Davos (Suíça), a Energy Vault, empresa responsável pelo projeto brasileiro, foi vencedora do Prêmio “Pioneiros de Tecnologia 2020” do Fórum Econômico Mundial. A tecnologia que a empresa pretende trazer já foi testada na Suíça.
Fátima Bezerra (PT), governadora do Rio Grande do Norte, lembra que o estado lidera o ranking nacional de produção de energia eólica, e afirma que, agora, está assumindo mais uma posição de vanguarda, que é o armazenamento dessa energia.
“Estamos vivendo tempos difíceis num país com um potencial como o Brasil, ameaçado hoje até de apagão e crise no sistema elétrico. Então, é mais um motivo para a gente valorizar e celebrar o momento que estamos vivendo hoje”, disse na ocasião do anúncio.
Estocar vento: como funciona?
A energia elétrica é um conceito com o qual todos estamos acostumados. Ela pode alimentar um aparelho de som e se transformar em energia sonora. Já um carro para se mover transforma energia química dos combustíveis em cinética ao impulsionar as rodas.
Grosso modo, a tecnologia de armazenamento de energia eólica prevista para ser usada no Rio Grande do Norte utiliza blocos de concreto empilhados em torres de até 120 metros de altura para armazenar um outro tipo de energia: a potencial gravitacional.
“A energia potencial gravitacional é a energia que um objeto adquire ao ser elevado. Se soltarmos um objeto de uma grande altura e ele cair em cima de um carro, vai amassá-lo porque a energia potencial gravitacional que objeto tinha lá em cima se converteu em energia cinética ao cair e depois atingiu o carro”, explica Fernandes.
Um guindaste movido a combustível, por exemplo, ao levantar uma carga, transforma a energia química do combustível (ou elétrica, se for movido a eletricidade) em energia cinética (de movimento) e depois em energia potencial gravitacional da carga lá no alto.
“Nossa tecnologia recebe energia elétrica, essa energia elétrica alimenta um motor que eleva um bloco bem pesado, que adquire assim energia potencial gravitacional”, conta.
Falando assim, pode ser difícil visualizar, mas uma simulação 3D e vídeos de uma torre já construída em Arbedo-Castione, na Suíça, ajudam a entender melhor o processo. Confira abaixo:
Trata-se de uma enorme estrutura que funciona como um complexo ioiô. Instalada em um parque eólico e rodeada de blocos de concreto, ela é capaz de usar a energia elétrica produzida por um aerogerador e usá-la para mover esses blocos, armazenando essa energia neles.
“Nossa tecnologia é voltada para larga escala porque a quantidade de energia armazenada é bem maior do que uma bateria de carro ou do que uma bateria caseira. E é verde, porque, ao contrário das baterias químicas —desde as de carros até as de íon lítio, mais modernas—, não gera resíduos químicos que precisam ser tratados e dispostos adequadamente”, disse.
De acordo com o projeto da EV Brasil, o motor das suas estruturas é capaz de elevar e empilhar blocos de concreto da ordem de 35 toneladas cada e os blocos de concreto podem ficar empilhados com a energia armazenada pelo tempo que for necessário.
Quando for preciso consumir a energia guardada ali, basta baixar os blocos através de um cabo de aço acoplado a um gerador, havendo, assim, nova geração de energia elétrica e ainda limpa.
Mais segurança energética
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Rio Grande do Norte é o líder nacional na produção de energia renovável, contando com 194 parques em operação, 47 em construção e 79 contratados. Somados os projetos, são 9,6 GW de potência no total.
Os empreendimentos em construção e contratados somam uma capacidade de 4,7 GW, fazendo com que o estado venha a ultrapassar os 10 GW em potência instalada dentro de quatro anos.
A região no nordeste brasileiro também possui o maior fator de capacidade média anual —proporção entre a produção efetiva em um período de tempo e a capacidade máxima no mesmo período— para a instalação de usinas eólicas offshore: isto é, parques de captação de energia pelo vento que fiquem em alto mar, longe da terra firme, onde o vento não encontra obstáculo. O potencial para geração de energia em plantas eólicas no mar é de 110 a 140 GW.
*As informações são do Uol