15/03/2023 | 08:25
Ônibus incendiados, ataques a agências bancárias, prédios públicos, veículos oficiais e batalhões da Polícia Militar. Estas foram cenas vistas por potiguares a partir da madrugada desta terça-feira, 14, em Natal e pelo menos outras 18 cidades do Estado. Com a onda de violência, a população ficou amedrontada. Vários serviços públicos foram suspensos, incluindo o transporte coletivo.
Em entrevista coletiva, o secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, coronel Araújo Silva, afirmou que o setor de inteligência do Governo do Estado já tinha indícios de que ataques criminosos aconteceriam. Com a informação, segundo ele, houve planejamento de aumento de efetivo, proteção de prédios estratégicos e patrulhamento ostensivo.
“Tivemos informações no dia anterior e fizemos uma reunião com todas as forças de segurança. E nós começamos a implementar ações, depois que tivemos notícia de inteligência de possíveis ações. Adotamos ações preventivas e maior ostensividade da PM, nas cidades do RN, no interior, destacamentos da polícia, delegacias e prédios públicos”, afirmou o secretário.
Coronel Araújo ressaltou, ainda, que o governo não tem detalhes da motivação para os ataques. Mas, ele atribui a violência a uma resposta de organizações criminosas a ações da polícia nos últimos dias.
“Acreditamos que ações policiais anteriores, 15 dias atrás, 1 semana atrás, onde houve enfrentamento do sistema de segurança em relação a infratores, onde alguns vieram a óbito e foram apreendidos grande quantidade de drogas e armas, isso inquietou a delinquência em querer enfrentar as forças de segurança”, destacou o secretário.
“Nós estamos com todas as forças. Não iremos admitir. Iremos enfrentar todos eles para dar tranquilidade à sociedade”, finalizou.
OS ATAQUES
A partir da meia-noite de terça-feira vários ataques começaram de forma quase simultânea em todo o estado. Em cidades como Campo Redondo, veículos da prefeitura municipal – entre eles caminhões e ônibus – foram incendiados ainda durante a madrugada. Em Caicó, uma concessionária de motocicletas também foi vandalizada pelos criminosos e uma agência bancária também foi vandalizada.
Mas os ataques foram além da madrugada e se estenderam durante o dia. Em Natal, ônibus também foram incendiados nas Zonas Leste e Oeste da cidade, mesma região onde fica o 9º Batalhão da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, na Cidade da Esperança, que também foi alvo de criminosos. Em Parnamirim, mesmo durante o decorrer do dia outras cenas de guerra foram vistas com fogo ateado em outras viaturas de transporte coletivo. Em um dos atos criminosos, chegaram a ameaçar de morte passageiros caso fizessem algum tipo de denúncia.
Por conta dos episódios de violência, escolas e universidades suspenderam as atividades. Em Mossoró e em Natal, foi suspenso o funcionamento dos transportes públicos. Em Parnamirim, unidades de saúde foram fechadas e a coletiva de lixo foi suspensa.
Na segunda maior cidade do RN, carros foram incendiados em posto de abastecimento de combustíveis da Prefeitura de Mossoró. Em Acari, automóveis foram incendiados na garagem da Secretaria de Obras do Município. Ainda foram registrados atos criminosos em outros municípios, incluindo Lajes Pintadas, Campo Redondo, Cerro Corá, Jaçanã, Boa Saúde e Tibau do Sul.
“REPUGNANTES E INACEITÁVEIS”.
A governadora Fátima Bezerra (PT) classificou como “repugnantes e inaceitáveis” os ataques. Direto de Brasília, onde tinha programado uma agenda para os próximos dois dias, a governadora prometeu empenho das forças de segurança contra os criminosos e prometeu punição no “rigor da lei”. Por causa da onda de violência no RN, ela mudou a agenda na capital federal e antecipou a volta ao Estado. No fechamento desta edição, a governadora retornava ao RN. Ontem, em meio aos ataques, a governadora se dirigiu ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e teve uma reunião com o secretário-executivo da pasta, Ricardo Capelli, e com o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar. Ainda na sede do ministério, a governadora conversou com o ministro Flávio Dino e pedindo apoio da Força Nacional para o enfrentamento da criminalidade. O pedido foi atendido, e 100 agentes serão enviados ao RN, assim como viaturas.
COMBATE
Entre a madrugada e a noite desta terça-feira, segundo a Sesed, 25 pessoas foram presas pelas forças estaduais de segurança, incluindo 1 adolescente, 3 foragidos da Justiça recapturados e 1 tornozelado com arma de fogo). Além disso, foram apreendidos: 6 armas, 1 simulacro, 18 artefatos explosivos, 7 galões de gasolina, 5 motos e 1 carro, além de dinheiro. Em uma ocorrência, registrada na Zona Oeste de Natal, houve um confronto entre forças policiais e criminosos, ocasião em que um homem foi ferido, mas não resistiu.
COMBATE
Após a onda de ataques, um detento apontado como líder de uma facção criminosa foi transferido para um presídio federal. Por motivos de segurança, a unidade prisional para onde do detento foi encaminhado não foi informada.
“Policiais penais já vinham alertando as autoridades”, diz presidente do Sindppen
“O RN mais uma vez é vítima do crime organizado e da ‘vagabundagem’ no Rio Grande do Norte. Infelizmente, os policiais penais já vinham alertando as nossas autoridades que essas flexibilizações dentro do sistema prisional e regalias feitas aos presos poderiam fortalecer o crime organizado. Com isso, a sociedade está sendo alvo dos ataques, uma afronta ao Estado. Queremos cobrar ações concretas que cortem a comunicação deles com o mundo externo”, disse Vilma Batista.
Ela ressaltou que as autoridades precisam suspender a comunicação externa dos presos, inclusive, os atendimentos presenciais e os teleatendimentos. O Sindppen citou como regalias os teleatendimentos que continuaram sendo feitos após a pandemia, inclusive, abertos não só para familiares e advogados, já que “permite contato dos presos com amigos e integrantes das facções que estão fora das unidades”.
Além disso, o sindicato indicou a interferência de mecanismos que defendem direitos humanos e tentam “engessar” o trabalho dos policiais penais. “A entrada de alimentos externos, como chocolates, refrigerantes e biscoitos, por exemplo, que estava proibida, mas que agora é novamente permitida. Mesmo o Estado fornecendo quatro refeições, foi liberada a entrada de alimentos, porém, atualmente, todos os Raio-X estão quebrados. Com isso, a revista é manual, mas não há efetivo suficiente para ter um controle absoluto”, diz o Sindppen.
Na manhã desta terça-feira 14, a diretoria do Sindppen-RN informou que enviou ofício à Secretaria da Administração Penitenciária (Seap), formalizando essa solicitação, que inclui também o pedido de reforço no efetivo para a segurança das unidades prisionais.
Crime organizado vai continuar enfrentando, e Estado precisa ser mais forte, aponta Henrique Baltazar
Ao AGORA RN, o juiz Henrique Baltazar, titular da Vara Regional de Execuções Penais de Natal, comentou a situação de caos da madrugada de terça-feira, e elencou possíveis meios para diminuir a atuação do crime organizado no Rio Grande do Norte. O magistrado ainda enfatizou que as polícias Civil, Militar e Penal possuem efetivo insuficiente.
Sobre os ataques, o juiz disse que é provável que tenha uma facção criminosa por trás. “A suspeita é o Sindicato do Crime. Eles colocaram que está havendo opressão, mas é conversa furada. O que ocorre é que, quando os chefes de facção estão presos e o sistema prisional tenta dificultar os contatos com o restante da facção, eles tentam criar formas de forçar o Estado a facilitar esses contatos. Na minha avaliação, me parece que como alguns chefes do Sindicato do Crime foram presos recentemente, eles querem continuar dirigindo a facção de dentro dos presídios”.
Mesmo com a indicativa do Governo do Estado de que havia indícios de que os ataques ocorreriam nesta terça, não daria para evitar a situação. “Você não tem como evitar ataques se você não sabe onde eles irão acontecer. Não tem policial suficiente para colocar em toda esquina do estado para evitar. Cada órgão público envolvido deveria ter criado uma forma para restringir e diminuir os ataques. Por exemplo, prefeituras que foram atacadas também deveriam ter usado guardas municipais para diminuir. A polícia de Caicó colocou todo o efetivo na rua, mas mesmo assim aconteceu”, pontuou o juiz.
Para ele, a polícia não é onipresente. “E temos problemas de falta de efetivo em todas as polícias do RN, tanto a Civil, quanto a Militar e a Penal. Todas estão com efetivo reduzido, o Governo já nomeou policiais civis, o concurso da PM está em andamento, porém precisa de mais. O efetivo é insuficiente”.
Questionado pela reportagem sobre a possibilidade de continuidade dos ataques, Henrique Baltazar foi enfático em dizer que não cessarão. “Vai continuar acontecendo aqui no RN e em todos os lugares. O crime organizado perdeu força no RN em 2017, quando o Estado assumiu o controle do sistema prisional. Contudo, eles ainda são muito fortes – temos regiões no Estado que são controladas pelo crime organizado. Como combater isso? Com investigação. A polícia instaurando inquéritos, abrindo processos e pessoas sendo condenadas por esse tipo de conduta. Agora dizer que vai acabar, não vai. O crime organizado vai sempre estar enfrentando, o Estado precisa ser mais forte”.
Henrique Baltazar disse, porém, que as duas facções criminosas existentes no RN são menores que o efetivo da Polícia Militar. “Se você somar a quantidade de membros das duas facções criminosas no RN, não chegam nem perto do efetivo da PM. A polícia tem mais gente que eles, então precisa se organizar para enfrentar e combater”.
O principal problema é a comunicação, de acordo com o juiz. “De dentro do presídio, eles continuam dando ordens para fora. O Estado, nos últimos anos, aumentou a disponibilidade de comunicação por telecontato, isso pode de certa forma fragilizar a segurança. Infelizmente, há pessoas que são leva e traz de recados. Recentemente, aliás, tivemos casos de advogados que estavam envolvidos com isso”.