As obras de engorda da Praia de Ponta Negra seguem no litoral potiguar sem fiscalização ambiental e levantam questionamentos sobre os riscos para a orla de Natal, especialmente com o surgimento de fragmentos de coral, de acordo com ambientalistas. Após o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) ser proibido de atuar nas obras da engorda desde outubro, o serviço continua sem fiscalização.
O procurador do Ministério Público Federal (MPF) Luís de Camões Boaventura informou, em entrevista ao AGORA RN, que a situação em que segue a obra da engorda em Ponta Negra é preocupante, considerando a ausência de um órgão fiscalizador para monitorar os impactos e consequências da ação.
“O surgimento desses fragmentos de coral acende um alerta máximo de que é fundamental que uma obra dessa magnitude e que promova uma alteração substancial da dinâmica praial e que mexa nos recursos marinhos, precisa estar devidamente acompanhada por um órgão ambiental”, afirmou.
No entanto, a obra não é fiscalizada por órgãos ambientais desde outubro, quando uma decisão da 3ª Vara da Fazenda Pública de Natal determinou que o Idema não atuasse nas obras de aterro hidráulico, a engorda. A decisão, expedida no dia 2 de outubro de 2024, atendeu a um mandado de segurança solicitado pela Procuradoria Geral do Município (PGM). Camões apontou que, mesmo com a fiscalização sendo realizada pelo Idema anteriormente, o órgão não tem condições de prosseguir nessa atividade.
“Houve uma delegação do Ibama ao Idema, ou seja, o Ibama, um órgão federal, que deveria, pela lei, ser o órgão licenciador e fiscalizador. Eles firmaram um acordo de cooperação técnica em que o Ibama delegou essa atribuição ao Idema. Então, o Idema assumiu para si essa função de licenciar e fiscalizar. No entanto, o Idema não tem condições de prosseguir nessa função”, disse.
Há mais de um mês, o MPF ingressou com uma ação solicitando que o Ibama assuma novamente a função de fiscalização das obras da engorda e tome responsabilidade sobre o licenciamento para evitar riscos maiores ao meio ambiente e ao resultado final da obra. O MPF destacou, na ação, que o Idema nunca realizou um concurso público para compor o quadro técnico e conta somente com bolsistas e comissionados. A ação ainda aguarda a apreciação da Justiça Federal.
Procurador diz que decisões controversas enfraqueceram fiscalização ambiental: “Quem fiscaliza é quem realiza”
Para além das problemáticas que envolvem os funcionários do Idema, o procurador informou que reconheceu uma pressão política no processo de licenciamento da engorda. “É um órgão que, em relação a essa obra, foi submetido a uma pressão política totalmente infundada, já vista a invasão que teve na sede do órgão por representantes da Prefeitura de Natal, e, principalmente, é um órgão que teve sobre si decisões judiciais da Justiça Estadual extremamente controversas. A primeira das decisões obrigou que o
Idema emitisse essa licença, isso não tem precedentes no sistema de justiça”, declarou Camões.
O procurador explicou que quando há uma ação judicial em busca de um licenciamento, a Justiça estabelece um prazo razoável para que o órgão informe se a licença deve ou não ser emitida, no entanto, no caso da engorda, a Justiça determinou que o Idema licenciasse a obra.
“Hoje, a obra corre sem nenhum tipo de fiscalização. Quem presta as contas à sociedade é o empreendedor, que, no caso, é o agente municipal, ou seja, quem quer ver a obra realizada é quem está fiscalizando essa obra e é, também, quem presta contas à sociedade. Isso não tem nenhum respaldo legal”, completou o procurador.
Impactos podem causar décadas de erosão em Ponta Negra e Via Costeira
Os efeitos das obras podem ir além do aparecimento de fragmentos de coral e significa um agravamento do processo erosivo em praias vizinhas. Segundo Camões Boaventura, os riscos iminentes apontados pelas evidências científicas são de que trechos da Via Costeira e das praias de Miami, Areia Preta, Praia dos Artistas e a orla que vai no sentido da Zona Norte de Natal tenham tendência de aumentar o processo erosivo.
“A gente não sabe como é que a própria praia de Ponta Negra vai se comportar em relação à profundidade da água, em relação à movimentação dos sentimentos, porque uma coisa é preciso ficar claro: as marés variam conforme diversos fatores, então, esse movimento de levar areia e tirar areia é natural. Quando há uma intervenção dessa magnitude, a tendência é que esse movimento natural se altere substancialmente”, esclareceu.
Camões ainda enfatizou que o monitoramento dos impactos a longo prazo precisam ser apontados por um órgão fiscalizador com o poder de polícia ambiental, ou seja, o Ibama, para este caso em específico. No entanto, não é o que está acontecendo no serviço no litoral natalense. “É tão grave o quadro que a gente não sabe nem dizer, do ponto de vista técnico, o que é que tem nessa jazida, se essa jazida tem ou não tem coral que está sendo destruído. A gente não sabe dizer se essa jazida deveria ou não deveria alimentar essa engorda”, completou.