Holding de companhias aéreas latinas dona da Gol e da Avianca, o Grupo Abra será o maior acionista individual da companhia que vier a ser formada com a união da Azul e da Gol. O valor exato da participação de cada acionista na nova companhia resultante da fusão só será determinado no momento da assinatura do acordo, o que pode levar muitos meses ou até não acontecer, aponta o Chief Financial Officer (CFO) da Abra, Manuel Irarrázaval.
“Tudo vai depender do sucesso das negociações de reestruturação financeira das duas empresas” disse o executivo, em entrevista à coluna do jornal O Globo.
Mas uma coisa é certa: a eventual união das duas empresas, que passarão a deter 60% no mercado doméstico brasileiro, ainda que mantendo as marcas separadas, deverá levar a um crescimento de voos internacionais. “As empresas terão a melhor conectividade do país, então será um passo natural expandir a operação internacional” afirma.
O CFO da Abra defende que a operação se justifica tanto para os acionistas quanto para o consumidor brasileiro por proporcionar um ganho de escala aumentando o poder de compra junto a fornecedores e oferecendo uma malha mais conectada. “A complementaridade das operações torna essa união mais atraente para nós, obviamente, mas também para os consumidores” disse.
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De onde o sr espera extrair mais valor para os acionistas com essa transação? Podemos esperar tarifas (e margens) maiores por rota já que teremos um competidor a menos?
Acho que há muita complementaridade nas operações das duas empresas. A estratégia da Gol sempre foi mais conectar grandes cidades, com uma frota muito eficiente e simples para ter um custo muito baixo. A Azul tem uma estratégia de ter mais alcance. Então vamos conseguir fornecer mais conexão para todo o grupo com as duas empresas juntas. Claro que há sinergias. Este é um negócio em que a escala é importante.
Mas teremos yields (tarifas) mais altas no Brasil?
Não necessariamente. Esta não é a base para a transação. A base para essa transação é o quão complementares as empresas são e qual é a escala que poderemos criar. Com uma empresa com o dobro do tamanho, você tem uma posição melhor para negociar com fornecedores. Você pode ser mais eficiente na compra de combustível. Na forma com que você planeja a sua malha.
Então as maiores sinergias virão dos contratos com fornecedores?
Não entramos em detalhes sobre as sinergias. Mas sim, acho que a maior parte vem disso, da escala e eficiência nas operações
Uma das desvantagens da Gol e da Azul em relação à Latam é a receita em dólar. A Latam tem um internacional mais forte. E isso é crítico em uma indústria com os custos dolarizados. Podemos esperar que a empresa combinada irá reforçar a operação internacional?
Provavelmente sim. Gol e Azul já têm operação internacional. Tem muita coisa pra fazer dentro do Brasil. Mas faz muito sentido ter uma operação internacional forte. As empresas terão a melhor conectividade do país, então será um passo natural expandir a operação internacional.
O CEO da Azul, John Rodgerson, afirmou que o acordo tem a benção do presidente Lula. Qual a contrapartida?
Não sei dizer. Não falei com o Lula. Tem que perguntar para o John. Mas posso dizer que de nove conselheiros que temos na Abra, quatro são brasileiros. A família Constantino — maior acionista individual da holding —, e o Jackson Schneider (ex-CEO da Embraer Defesa e Segurança). A nova companhia será muito brasileira.
Quando a Azul tentou comprar a Avianca Brasil (OceanAir), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) publicou uma nota técnica expressando preocupações com a concentração em Congonhas. Vocês esperam ter de abrir mão de slots em Congonhas?
Muito cedo para isso. Não começamos essa discussão nas conversas com o Cade. Vamos avaliar na hora certa. Estava tendo muito ruído no mercado sobre essa operação. Por isso achamos melhor assinar esse memorando e tornar público, para então poder continuar com essas discussões.
Quais as imposições aceitáveis em termos de slots para manter a operação atraente?
Tudo será uma questão de o que (será imposto) e em que quantidade.
TAM e Varig começaram a discutir uma fusão em 2003 e que também resultaria em uma empresa com 60% do mercado. Depois, porém, a situação financeira da TAM melhorou e o acordo não foi para frente. Isso pode acontecer, se a Gol sair forte do Chapter 11? Ou é melhor, mesmo com uma estrutura de capital forte, se unir do que ficar sozinho?
Escala é sempre melhor. A Gol vai sair mais forte do Chapter 11. Para essa operação (com Azul) fazer sentido, tem que adicionar valor para a Gol. E acho que sempre vai agregar valor se você tem mais escala e sinergias.
E menos competidores no mercado.
Por isso a condição do endividamento é tão importante para essa operação acontecer. Se a nova companhia tiver um nível de alavancagem maior, isso pode ser prejudicial para a Gol. É preciso adicionar valor tanto do ponto de vista da operação quanto da estrutura de capital.
Como a Gol está reestruturando as dívidas dentro de um processo judicial, espera-se que seja bem sucedida. Então a variável maior seria a reestruturação da Azul?
Depende do sucesso das duas. Quanto maior for o sucesso das duas empresas neste processo, melhor. Porque aí você terá duas empresas fortes. É muito importante para a indústria da aviação no Brasil que se tenha companhias fortes, competidores fortes. Esse é um serviço essencial. É preciso ter empresas fortes. Ninguém quer empresas que estão o tempo inteiro lutando para sobreviver.
Mas se as duas forem bem sucedidas e saírem fortes desse processo, não seria melhor para o consumidor ter as duas competindo?
Se todas estiverem estruturadas, a questão é: o que gera mais valor e melhores serviços, elas operando juntas ou separadas? Dada a complementaridade das duas empresas, a gente acredita que juntas estaremos criando mais oportunidades, opções e valor para os consumidores. A complementaridade das operações torna essa união mais atraente para nós, obviamente, mas também para os consumidores.
As duas empresas somam 30,8 mil funcionários, sendo cerca de 10 mil tripulantes. Se a operação será mantida separada, podemos esperar demissões mais fortes entre não tripulantes?
Não sabemos ainda. Vai ter áreas com redundância, mas essa operação não depende de demissões para ser bem sucedida. As duas empresas são muito eficientes em termos de pessoal. Passaram pela pandemia, estão se reestruturando faz um bom tempo. Não acho que essa operação é sobre ser mais eficiente, mas ser capaz de ter mais escala e oferecer melhores serviços. As duas empresas vão ter operações distintas, duas marcas. Vai ter coisas que poderão ser feitas em conjunto, mas a maior parte vai ser única para cada uma. Importante conservar essa diferença entre as marcas.
Cada uma terá o seu CEO, seu diretor de operações?
Acredito que sim.
Qual será a participação final esperada para a Abra na companhia combinada que vier a ser criada caso as negociações avancem? Será de 10%?
A participação final será determinada posteriormente, a depender da estrutura de capital que a Gol e a Azul vierem a ter no momento de uma eventual fusão. O que está claro é que o único grande shareholder, que terá mais de 10%, será a Abra. Falar que a Abra terá mais de 10% é a forma legal de dizer que a Abra será o único grande acionista individual. Isso não significa que serão 10%. Significa que ainda não sabemos quão grande será, mas será maior que 10%. No processo de reestruturação da Azul, os atuais acionistas estão sendo diluídos. Então, dependendo da reestruturação da Gol e da Azul, a participação acionária pode ser diferente. Pode ser 50-50, pode ser 45-55, pode ser 45-55.
E aí haverá um acordo de acionistas que fará com que David Neeleman, fundador da Azul, tenha também três assentos no conselho, mesmo com participação menor, certo?
Sim, nós concordamos em nomear membros do conselho que representem os antigos acionistas da Azul, os acionistas da Abra e os independentes. Quem ele nomeará, nós não sabemos, certo? Mas eles terão. Achamos que essa é uma boa maneira de ter um conselho equilibrado e que represente as duas empresas. Lembre-se que a visão que a ABRA tem sobre como operar e consolidar a indústria na região é que acreditamos na cultura individual e no valor de cada marca das diferentes empresas. Foi isso que fizemos com a Avianca e com a Gol. Queremos manter empresas independentes, mas queremos juntar coisas que façam sentido. O que não fizer sentido juntar porque destroi valor, não faremos. Quando olhamos para essa transação, vemos a oportunidade de unir duas empresas muito fortes com culturas muito fortes e estratégias diferentes e complementares. Queremos que isso continue existindo. Então ter um equilíbrio no conselho é algo que nos ajuda a fazer isso. Nós ainda seremos o maior acionista. Então você poderia dizer que seremos os controladores.
Só para finalizar o tema da participação de cada um, o que John disse em uma entrevista que a participação na empresa combinada de ser 70 para Azul e 30 Gol. Isso é tudo especulação?
É tudo especulação. Não há nada que tenha sido dito, e o memorando diz que a participação será determinada no futuro. Não podemos fazer isso agora porque ambas as empresas estão em reestruturação e não sabemos quais serão as estruturas de capital.
Então há muita margem para que o acordo não se concretize.
Essa é a natureza do memorando. Ele é não vinculante. Mas é uma opção para nós. Por isso é importante para a Abra que a Gol saia do Chapter 11 forte, sustentável e independente. Sem depender de uma outra transação. Então vamos trabalhar nisso. Agora, se a gente puder combinar a Gol com uma outra companhia, com geração de valor, será fantástico. Se não funcionar, a Gol seguirá existindo, mais forte do que é hoje.
Havia expectativa de que a Gol saísse do Chapter 11 antes do fim do ano. Agora já se fala em maio ou junho. Por que está demorando?
Um ano e meio não é um prazo longo. Avianca, Latam levaram isso. É razoável, são negociações complexas. Esperávamos sair em abril. Pode demorar um pouco mais. Não posso precisar quando exatamente.
Mas no momento que sair, qual será o nível de alavancagem da Gol? E, como dito no memorando, terá de ser a mesma do que vocês esperam que seja o patamar mínimo para a empresa combinada, certo?
A lógica é muito simples. Quando você sai do Capítulo 11, você obtém financiamento de fundos. Os fundos vão investir e vão nos dar o que é chamado de financiamento de saída (exit finance). Essas pessoas estão investindo em uma empresa que tem um certo perfil de risco e tem um certo caminho de desalavancagem. Não posso atraí-los para isso e depois chegar com uma surpresa e fazê-los assumir um aumento de alavancagem novamente. O que estamos dizendo para esses investidores é: se essa transação acontecer, será pelo menos igual (em termos de alavancagem e risco). Mas achamos que será melhor, pois quando você coloca as sinergias e tudo o mais, a redução da alavancagem será mais rápida. Então a única maneira de isso funcionar é a Gol sair do Capítulo 11 forte e independente e podermos mostrar aos investidores que isso não será um risco para eles. Que será um benefício.
E o que você espera para a saída do Chapter 11 da Gol é uma alavancagem tendendo a 1,9x o Ebitda, certo?
A alavancagem da companhia combinada terá que ser equivalente a da Gol no dia da assinatura da transação, não da saída do Chapter 11.
Quanto as empresas de leasing terão da empresa combinada? E o quanto eles estão apoiando esta operação, especialmente a Aercap?
Não sei, porque isso depende da reestruturação. Eles receberão um pouco de capital na reestruturação da Azul e também na da Gol. É impossível saber agora como isso vai acontecer.
Podemos dizer que essa fusão será uma saída para David Neeleman no médio prazo? O memorando fala sobre cláusulas de não competição. Isso é para a saída dele?
Essas são coisas típicas que você coloca em uma transação de fusão e aquisição. Você diz, se você sair, eu não quero você competindo comigo. Eu não sei quais são os planos dele. Esse não é um problema nosso. Tem que perguntar para ele.
Com informações do jornal O Globo.