Entre o riso e o risco, Daniel Torres risca uma nova página em sua trajetória artística. Depois de mais de 16 anos atuando nos bastidores de produções potiguares – entre cenários e produções executivas –, o artista visual e produtor cultural estreia como intérprete em “Riscado – Um papel do palhaço Castanho”, solo que une desenho, corpo e palhaçaria. A estreia acontece no próximo fim de semana, dias 8 e 9 de novembro, na Casa da Ribeira, em Natal.
No palco, o traço ganha carne, o gesto vira narrativa e o palhaço Castanho assume o papel de mediador entre a arte e o público. É no riso que Daniel desenha sua dramaturgia visual, transformando o ato de criar em performance. Nesta entrevista ao AGORA RN, Daniel fala sobre o nascimento do palhaço Castanho, o encontro entre o humor e a visualidade e os desafios de ser artista em um cenário de poucos incentivos, mas muita invenção.

A estreia ocorre na Casa da Ribeira, com ingressos a partir de R$ 20 na plataforma Sympla através do link: www.sympla.com/casadaribeira. O espetáculo tem classificação etária livre e integra o projeto “Tinha um traço no meio do caminho”, que busca investigar o desenho como elemento dramatúrgico. A iniciativa foi contemplada na categoria Artes Cênicas do Edital de Economia Criativa do Sebrae-RN 2025.
Confira:
AGORA RN – “Riscado” marca sua estreia em cena, depois de tantos anos atuando nos bastidores. Como foi essa transição de produtor e artista visual para intérprete?
Daniel Torres – Ao longo da minha formação e trajetória, vivenciei muitas oficinas de teatro, dança e performance – tanto para conhecer o processo de outros artistas quanto para alinhar melhor o modo operante de produção diante de cada linguagem. O primeiro marco dessa transição, do artista visual para a cena, se deu em Pelo Pescoço (2018), com a “materialização” da minha exposição homônima no palco por meio da performance de Ana Cláudia Viana, que gentilmente me proporcionou a minha primeira direção em uma obra cênica. Em Riscado, sinto-me mergulhando em uma folha de papel em branco. Não sei aonde esse desenho vai dar…
AGORA RN – O espetáculo propõe um diálogo entre o desenho e a palhaçaria. Como surgiu essa ideia?
Daniel – Nos cursos de palhaçaria que fiz – em todos, de forma geral – o palhaço que desperta em cada um possui uma habilidade, seja ela bem executada ou não. Em 2017, ao participar de uma oficina com Ésio Magalhães, o palhaço Zabobrim do Barracão Teatro de Campinas (SP), ele comentou que já havia visto muitos palhaços flertarem com o desenho em cena, mas não necessariamente desenharem bem. Essa observação ficou martelando na minha cabeça. Acredito que daí surgiu a ideia de desenhar em cena. Além disso, o desejo de desenhar no palco vem de outros tempos. No espetáculo Jacy, do Grupo Carmin (2013), há desenhos meus feitos com giz na cenografia. Em Por Que Paris? (2015), cheguei a desenhar com areia. O desenho nos faz ver imagens no espaço, mesmo quando ele está vazio, construindo narrativas.
AGORA RN – O palhaço Castanho nasceu em 2015, durante uma oficina de desinibição. O que o motivou a seguir desenvolvendo esse personagem até chegar ao palco?
Daniel – Tenho que voltar um pouco no tempo para responder essa pergunta. Na Virada Cultural de 2012, em Natal, na Ribeira, fui assistir ao espetáculo A-MA-LA, no antigo Nalva Melo Café Salão. Lá estava em cena Adelvane Néia – ou melhor, a Palhaça Margarida. Eu, timidamente, no cantinho da sala, fui fisgado e chamado para a cena com ela. Digo que foi amor à primeira vista. Em 2015, fiz um curso de iniciação à palhaçaria com Adelvane. Meu objetivo inicial era quebrar um pouco a timidez e me soltar mais por meio dessa linguagem. Fiquei encantado com a arte da palhaçaria. Passei a usar o nariz vermelho em alguns projetos sociais e cheguei a apresentar o palhaço em Villach e Gmünd, na Áustria, como estratégia de comunicação nas oficinas de desenho livre – já que não dominava bem o idioma. Até mesmo em live paintings utilizei o personagem. Nesses lugares, percebi o quanto me fez bem sair da solitude do ateliê e desenhar aos olhos de outros – um presente que a palhaçaria me deu.
AGORA RN – O título “Riscado – Um papel do palhaço Castanho” é curioso e ambíguo. O que significa “riscado” dentro da narrativa e da sua pesquisa artística?
Daniel – O título Riscado para mim é quase um risco – e também um riso. Muita gente usa a expressão “fulano entende do riscado” para dizer que alguém domina uma área. No desenho, posso dizer que entendo do riscado; mas, no palco, corro um risco. ‘Riscado – Um papel do palhaço Castanho’ reflete os muitos papéis e imagens que enxergamos de nós mesmos. No palco, o tempo do desenho é um risco para mim, que sou perfeccionista. Riscado é uma aventura onde ouso dançar em cena e lidar com o improviso.
AGORA RN – Você vem das artes visuais e agora explora a palhaçaria. Que artistas, referências ou mestres inspiraram esse encontro entre as duas linguagens?
Daniel – Sou encantado pela obra Pequenos Milagres, do ator italiano Paolo Nani, que reúne teatro, palhaçaria e desenho ao vivo. Na palhaçaria, sou apaixonado pelos trabalhos dos mestres e mestras com quem tive contato e minha formação, como Adelvane Néia, Ésio Magalhães, Ricardo Puccetti, George Holanda e Rodrigo Bruggman. Nas artes visuais, minhas referências incluem René Magritte, Escher e Salvador Dalí. Sempre enxerguei a visualidade em cena como desenhos que antecedem e preparam a performance ao vivo. Outra grande referência é o diretor e artista visual – Dimitris Papaioannou, sublime em suas criações que nos enchem o olhar de encantamento.
AGORA RN – Como você enxerga o humor no trabalho do Castanho?
Daniel – O riso fácil não é o principal objetivo desta obra. A experiência e a visualidade se somam às ações cômicas. Fiz ensaios abertos em escolas públicas da minha cidade, Ceará-Mirim, e fui experimentando o que funcionava. E o riso chegou, às vezes tímido e às vezes mais expressivo. A euforia nas escolas se dá em uma atmosfera muito própria, e não vejo a hora de sentir a espacialidade do teatro estando em cena. O que tem me fascinado é ver o olhar das crianças na plateia. Tenho um respeito e admiração profunda pela arte da palhaçaria. Precisei de tempo para poder me permitir a brincar.
AGORA RN – Quais materiais ou recursos plásticos são usados em cena para criar esse “desenho vivo”?
Daniel – Um lápis gigante é meu parceiro no palco. Há duelos com papéis de todas as formas. Teremos projeções e até mesmo um retroprojetor antigo. Não posso dar muitos spoilers! No aspecto cenográfico, permito-me brincar com inventividades. E deixo uma pergunta no ar: quem desenha quem nessa história?
AGORA RN – “Riscado” integra o projeto Tinha um traço no meio do caminho, contemplado pelo Sebrae-RN. O que esse apoio significou para o desenvolvimento da obra?
Daniel – O Sebrae chegou com um apoio que me permitiu estruturar o trabalho e apresentá-lo ao mundo. Um dos principais objetivos do projeto junto ao Sebrae é garantir um bom espaço de estreia, possibilitando um registro de qualidade – tanto em filmagem quanto em fotografia – para apresentar aos curadores um olhar mais refinado e apurado do espetáculo. Ter o apoio do Sebrae também me fez repensar estratégias de sustentabilidade para o meu trabalho. Teremos à venda um caderninho de colorir com 17 imagens de palhaços e palhaças com os quais mantenho uma memória afetiva ou atravessamento artístico.
AGORA RN – Como você vê o cenário atual das artes cênicas no Rio Grande do Norte, especialmente para quem transita entre diferentes linguagens, como você?
Daniel – Sentimos falta de fomento e de políticas de incentivo continuadas. Faltam estratégias de acesso aos equipamentos públicos que valorizem e priorizem o artista local. Acredito que pensar a ocupação desses espaços por meio de editais e com uma estrutura mínima incentivaria as produções. Parece que sempre precisamos correr atrás, ocupando as vagas que sobram. E, quando conseguimos ocupar, muitas vezes precisamos arcar com despesas devido a falhas na infraestrutura dos próprios equipamentos. No cenário atual, temos equipamentos culturais sendo reformados, mas ainda falta incentivo para que obras potiguares prontas possam circular dentro do RN, seja nas artes visuais ou nas artes cênicas. É preciso capilarizar o nome do Rio Grande do Norte no setor cultural e fazê-lo chegar, de fato, aos potiguares.