É possível pensar o bolsonarismo e o petismo juntos? Não falando exatamente da coligação que ocorre em 85 cidades brasileiras, onde o PT e o PL são aliados. Trata-se de cooperação de dois campos políticos antagônicos, quando a água e o óleo se misturam na pior das hipóteses. Em Mossoró, bolsonaristas e petistas andam de mãos dadas em situações políticas extremamente complexas.
Na cidade, a aliança é denominada de “bolsopetista” e se manifesta de várias formas. A primeira delas deu-se quando o PT abriu mão de sua candidatura (mesmo com o suporte dos governos federal e estadual) para apoiar um candidato que foi da linha de frente da campanha do arquirrival. O presidente da Câmara, Lawrence Amorim, pediu votos para Bolsonaro, não se identifica com o PT e até afirmou.
“Fui prefeito durante seis anos do governo do PT e sei que os municípios tinham muita dificuldade”, relatou em vídeo nas redes sociais, apagado após o acordo. “Os prefeitos estavam de pires na mão em Brasília. Hoje [com Bolsonaro], a realidade é outra, nenhum município tem salários em atraso, porque existe hoje mais Brasil e menos Brasília”.
Quando a governadora Fátima Bezerra e a deputada estadual Isolda Dantas apertaram a mão de Lawrence, em junho, selando o enlace, o vídeo desapareceu de suas redes. Outros, no mesmo diapasão, também. O “bolsopetismo” celebrado irritou parte do petismo mais puro, a exemplo da secretária de Juventude do PT Mossoró, Ana Flávia, demonstrando total contrariedade. Foi voto vencido. Até mesmo a vereadora Marleide Cunha, feroz lutadora anti-bolsonarista, encarregou-se de dar um tapa no visual de Lawrence, suavizando suas convicções, a ponto de dobrá-lo delas. “Essa mentira será desconstruída, porque Lawrence é do time de Lula”, referiu-se em comício, sem fazer qualquer alusão às recentes posturas do agora aliado.
Bolsonarismo e petismo se unem por conveniência e por fins que fazem ambos se tornarem palatáveis entre si. A rigor, o ex-presidente Bolsonaro tem seu candidato em Mossoró. É o empresário Genivan Vale (PL). Lula, por sua vez, emerge no horário eleitoral pedindo votos para Lawrence. Parecem candidaturas adversas até perceber-se a patente união.
É o caso das vices de ambos os candidatos, que cumpriram agendas juntas e até recorreram ao “collab”, ferramenta do Instagram que permite a mesma publicação em contas diferentes. A bolsonarista-raiz Nayara Gadêlha (PL), vice de Genivan (PL), e a vereadora Carmem Júlia (MDB), vice de Lawrence (PSDB), são “oponentes” que fazem campanhas unidas. Ou seja, falam a mesma língua e expõem o projeto bolsopetista em que há apenas um inimigo.
Neste núcleo complexo, o inimigo é o prefeito Allyson Bezerra. A expressão “inimigo” pode ser pesada, porém foi aplicada pelo agrupamento para classificar o gestor atual.
Por outro lado, o campo progressista, do qual o PT mossoroense abriu mão, segue ocupado pelo candidato Victor Hugo (UP). Ele foi o maior destaque do debate da TCM, a ponto de relacionar os candidatos bolsopetistas aos acordos mais distintos: com grupos antagônicos, oligarquias e até mesmo de integrar a gestão que agora criticam por quase sua totalidade. “Todos aqui são farinha do mesmo saco e se passam por oposição”, afirmou ele.
Victor lembrou que Genivan é apoiado pela ex-prefeita Rosalba Ciarlini Rosado (PP), e que Lawrence “faz parte de uma família que manda no Alto Oeste há quase 60 anos (…) e querem (sic) também mandar aqui”. Assim, não poderiam propor algo novo.
Por fim, a aliança bolsopetista agora ameniza as falas bolsonaristas de Genivan — antes considerado radical, negacionista e antivacina. E, na mesma trincheira, Lawrence virou a “esperança” lulista. Deu para entender?
William Robson é jornalista e professor. Doutor em Jornalismo (UFSC) e mestre em Estudos da Mídia (UFRN)