A Ribeira, um dos bairros mais antigos de Natal, respira história e cultura em cada rua, casarão e esquina. Situada à margem do Rio Potengi, o bairro luta contra o abandono, mas ainda guarda um rico patrimônio cultural e histórico. Um dos pilares dessa resistência é a Casa da Ribeira, inaugurada em 6 de março de 2001, que se destaca como um espaço independente de educação e cultura, comprometido em preservar e renovar o legado cultural da cidade.
A Casa da Ribeira ocupa o casarão n.º 52 da Rua Frei Miguelinho, construída há mais de 100 anos e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O espaço foi transformado num verdadeiro hub cultural, com um teatro de 164 lugares – que já recebeu mais de 2.700 espetáculos- uma sala multiuso, um café literário com mais de 1.500 títulos e um laboratório de comunicação. Desde a sua fundação, a Casa da Ribeira não apenas apresenta espetáculos, exposições e mostras, mas também promove a educação artística e a formação de jovens talentos locais.
Alessandra Augusta, atriz, produtora e presidenta da Casa da Ribeira, destacou a importância do local para a cidade de Natal e o estado do Rio Grande do Norte: “Nosso principal objetivo é manter a Ribeira Viva. Hoje somos um dos únicos espaços culturais tombados pelo IPHAN na Ribeira que têm atividade diária, semanal, mensal e anual. Pensamos na democratização do acesso à cultura e no desenvolvimento humano por meio da arte. Muitos educandos que passaram por aqui hoje atuam em diferentes áreas artísticas, como teatro, moda e produção cultural.”, disse.
Desde a sua fundação, a Casa da Ribeira tem sido uma incubadora de talentos. Um exemplo disso é o projeto “ArteAção”, responsável por formar diversas pessoas que hoje atuam nas artes, seja como atores, bailarinos, cenógrafos ou designers gráficos. Alessandra relembra com entusiasmo: “Diversos educandos do Arte e Ação estão hoje engajados no campo das artes e fazem parte de nossa trajetória de formação artística e cultural”.
Para Alessandra, o impacto da Casa vai além da formação artística. Ela aponta uma contribuição significativa da instituição para o fortalecimento da economia criativa local. “Desde o primeiro ano, promovemos a economia criativa com editais e chamadas públicas, permitindo que artistas se apresentem e desenvolvam seus projetos. O projeto ‘Cena Aberta’, por exemplo, já permitiu que mais de 30 grupos passassem pelo palco da Casa”, explica.
Entretanto, o caminho da Casa da Ribeira não tem sido livre de desafios. “Gerir um espaço tombado, com três andares e no bairro da Ribeira, que não está inserido no Centro Histórico, é um grande desafio. A Ribeira é um lugar estigmatizado, visto como perigoso e abandonado pela gestão pública. Mesmo assim, a Casa da Ribeira continua viva, promovendo atividades culturais de alta qualidade e recebendo artistas de todo o Brasil e do mundo”, ressalta Alessandra.
A história da Casa da Ribeira remonta a 1998, quando o Grupo Cláudio Shakespeare, com a visão de Gustavo Vanderlei e Ariane, encontrou o casarão abandonado e o transformou em um espaço cultural. “A ideia de trazer esse centro cultural para a Ribeira surgiu de uma necessidade de ter um espaço para ensaios e apresentações. Com o apoio da iniciativa privada, conseguimos transformar esse sonho em realidade, com a ajuda de empresas como Petrobras, Cosern e Telemar”, explica Alessandra.
Nestes 23 anos de história, a Casa da Ribeira não apenas preservou um importante património histórico, mas também se firmou como um símbolo de resistência e criatividade. Para Alessandra, o segredo do sucesso é a união entre a arte, a educação e o compromisso com a comunidade. “Aqui, as pessoas têm um lugar de pertencimento, de afeto, de respeito. Isso é o que nos move e nos mantém vivos”, conclui.
‘Casa Negra + Diversidade’
A ‘Casa Negra + Diversidade’ – recorte temático do Festival Internacional Casa da Ribeira, Artes da Cena e do Ser (FICA) 2024, será a temática da Casa pelos próximos 4 anos. Focando em pessoas autodeclaradas negras e pardas, práticas decoloniais, estudos etnoraciais, práticas antirracistas e na comunidade LGBTQIAPN+, a Casa busca reforçar o que ela já vem fazendo há 19 anos – quando surgiu o projeto ‘Ruas da Memória’ (2005 – 2009).
A presidenta da Casa lembra a importância de trabalhar com grupos marginalizados e garantir a democratização através de projetos, como por exemplo, a Escola de Criação. “Esse recorte e trabalhar com grupos periféricos, com as escolas, nos dá um retorno que quase metade dos educandos e das educandas das salas de aula do ensino público de Natal são pessoas negras e pardas. Então quando a gente escolhe trabalhar com esse grupo efetivo em diversos projetos a mais de 10 anos, nós entendemos a perspectiva da Casa da Ribeira”, afirma Alessandra.