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Crime
Máfia italiana se aproveita da pandemia e expande atividades ilícitas
Sob pretexto de ajudar a população afetada pela crise econômica, mafiosos emprestam dinheiro e controlam o comércio de itens como máscaras de proteção
OGlobo
06/07/2020 | 07:39

 Numa Itália imersa na crise provocada pelo coronavírus, talvez um único setor esteja melhor hoje do que quando foi decretada a quarentena, no início de março: a máfia. Desde que a pandemia se espalhou por todo o planeta, autoridades italianas de diferentes áreas vêm alertando sobre a oportunidade que a atual crise abriu às organizações criminosas.

— Esse é o melhor dos mundos para as máfias — afirma a advogada Vicenza Ronda, vice-presidente da Libera, uma das maiores associações da Itália no combate ao crime organizado.

O cenário favorece a expansão das atividades ilícitas na economia — inclusive nas negociações de máscara cirúrgica, item dos mais procurados no momento —, servindo para criar um consenso entre a população: o Estado é ineficiente e não consegue atender a todos. Com pequenos e médios negócios decretando falência, além do aumento do desemprego e da pobreza, parte da população acha melhor contar com a solidariedade do crime organizado, porque o suporte financeiro ilegal costuma chegar antes daquele prometido pelo governo.

Poder financeiro

Algumas cidades do país, em especial no Sul, já registraram cenas nos últimos dois meses que evidenciam a oportunidade criada pela pandemia: em Palermo, na Sicília, mafiosos distribuíram em bairros pobres o que foi chamado de “pacotes solidários” (cestas básicas) e até dinheiro. O episódio foi parar nos jornais e levou um integrante do clã siciliano a escrever em seu perfil no Facebook, após a repercussão, que se “orgulhava de ser mafioso” e poder “ajudar” a acabar com a fome de quem mais precisa.

Estima-se que mais de um milhão de pessoas em toda a Itália passou a precisar de ajuda para comer após o início da pandemia, juntando-se aos outros 3 milhões que já passavam por dificuldades antes do coronavírus.

O poder financeiro das máfias permite a elas uma certa rivalidade com o Estado, sobretudo ao emprestar dinheiro para comerciantes e famílias em dificuldade. O governo italiano aprovou recentemente um pacote de 55 bilhões de euros para ajudar na recuperação do país. Só com o tráfico de drogas, a Ndrangheta (um dos maiores grupos mafiosos italianos, que tem conexões com o PCC no Brasil) movimenta por ano cerca de 40 bilhões de euros.

Há duas semanas, o chefe da polícia italiana, Franco Gabrielli, participou de uma conferência em um projeto da Interpol sobre a máfia e comentou que a Ndrangheta tenta aproveitar a crise da Covid para entrar na “produção de remédios e vacinas”.

No final de março, quando a quarentena na Itália ainda não havia completado um mês, o serviço secreto informou ao governo — o relatório vazou à imprensa — sobre o risco de uma nova expansão das organizações na economia formal, além de uma possível participação de seus integrantes em revoltas e convulsões sociais.

Para piorar, 498 pessoas condenadas por relação mafiosa saíram da prisão para cumprir a pena em casa por causa da emergência da Covid-19, o que acabou abrindo uma crise política no Executivo. Três dos presos beneficiados eram mafiosos considerados de alta periculosidade, submetidos a um regime restritivo que já previa o completo isolamento.

A saída desses presos — motivada por rebeliões que estouraram em diversos cárceres no início da pandemia — causou a demissão do chefe nacional do serviço penitenciário e quase derrubou o Ministro da Justiça, Alfonso Bonafede, que continuou no cargo após o Senado italiano rejeitar, no dia 20 de maio, uma moção de desconfiança apresentada pela oposição.

O governo reconheceu a falha — baseada numa lei ordinária — e apresentou um novo decreto para que os mafiosos voltem à prisão, mas o encarceramento de cada um deles deve ser avaliado individualmente pelos magistrados, o que levará algumas semanas.

— Esse é um péssimo sinal, a presença desses líderes nos territórios de origem fortalece ainda mais os seus grupos — disse ao GLOBO Alessandra Dolci, procuradora do Tribunal de Milão e integrante da direção antimáfia.

Controle difícil

A Itália tem uma legislação considerada uma das melhores do mundo no combate às organizações mafiosas, mas as ligações dos clãs com a política, instituições nacionais, regionais e municipais, além de empresas e o mercado financeiro, são apontadas como uma das dificuldades para enfrentá-las.

Dolci conta que o Estado italiano não tem tantos mecanismos para controlar os destinatários da ajuda financeira que começará a ser repassada pelo governo aos afetados pelo coronavírus. Ela cita como exemplo o pagamento de 25 mil euros — a fundo perdido — a pequenos comerciantes:

— É um controle muito difícil de ser feito, pois deve ser fiscalizado em cada cidade. A máfia pode se aproveitar e ser beneficiada na ponta. O melhor remédio é o governo agir rápido e promover a ajuda antes das organizações criminosas.

Raízes históricas

A máfia surgiu no Sul da Itália no século XIX. Hoje, o país conta com três grandes grupos históricos (Cosa Nostra, Camorra e ‘Ndrangheta, as três com atuação transnacional), além de outros menores, de alcance regional. A lógica de ajuda vista durante a pandemia tem raízes históricas: cuidar do território, transformando-o numa espécie de feudo, é fundamental para transformar a imagem de benfeitores em consenso social.

A procuradora Alessandra Dolci ressalta, contudo, que essa lógica sofreu alterações nos últimos anos: no Sul, o controle ainda continua sendo territorial, enquanto no Norte do país o objetivo principal é criar sinergia com empresários e expandir a atuação para ramos da economia como restaurantes, bares e cafés. A expansão chegou até mesmo ao setor sanitário, com a intermediação de compra e venda de máscaras cirúrgicas e material hospitalar.

O senador Sandro Ruotolo foi eleito este ano após uma longa carreira de jornalista, tornando-se um dos profissionais ameaçados de morte no país (e vivendo sob escolta armada) por causa de reportagens sobre a máfia. Ele conta que o principal desafio do Estado será chegar aos mais necessitados antes das organizações criminosas.

— Um problema sério é que a máfia tem relação estreita com os poderes políticos e econômicos, talvez seja a principal diferença das organizações criminosas do Brasil, por exemplo.

A advogada Vicenza Ronda, da Libera, diz que os grupos criminosos de todo o mundo vão se aproveitar da crise econômica e social provocada pela pandemia, não sendo a Itália uma exceção. No caso do país, há precedentes de outras emergências que abriram brechas e favoreceram a expansão das máfias, como a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e os terremotos que atingiram o centro da Itália nos últimos anos.

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