Em uma iniciativa que mistura memória, preservação e inclusão, o Cine Panorama está prestes a ser revivido, 58 anos depois, como símbolo do cinema público e da cultura potiguar. Natal, que já contou com 36 salas de exibição desse tipo, atualmente é uma das poucas capitais sem esse formato de espaço cultural. Contudo, a restauração do Cine Panorama promete manter viva a cultura audiovisual, especialmente a potiguar.
Em entrevista à revista Cultue, a secretária de cultura do Rio Grande do Norte, Mary Land Brito, destacou a importância do projeto e os esforços para devolver à sociedade um espaço que transcende a exibição de filmes, tornando-se um símbolo de renovação cultural e inaugurando uma nova era para a cultura no estado.

A decisão de restaurar o Cine Panorama veio da ausência histórica de cinemas de rua ou públicos no Rio Grande do Norte, que chegou a contar com 88 salas entre 1989 e 2000. Segundo Mary Land Brito, é muito importante trazer de volta esses espaços que foram tão importantes para geração passada. “Para essas pessoas que de alguma forma passaram pelo Cine Panorama, poder voltar e trazer seus amigos e familiares traz algo muito significativo, que é o afeto e memória dessas pessoas”, afirrmou.
O projeto também tem como um dos principais objetivos fomentar os conteúdos audiovisuais produzidos no próprio estado. “Há uma questão prática, que é a necessidade da gente ter um lugar apropriado para exibir os nossos conteúdos produzidos no RN, além de receber todo esse conteúdo de fora que não chega nos cinemas dos shoppings”, explicou a secretária.
“Com a promessa de acolher a produção audiovisual local, a iniciativa ainda se alinha à Lei Paulo Gustavo, que prevê a produção de mais de 200 longas-metragens no país, nove deles no RN. “Precisamos de espaços adequados para exibir conteúdos com a qualidade de imagem e som que eles foram criados”, completou.
O prédio do Cine Panorama, que foi espaço para o antigo cinema de rua, cinema adulto, e igreja evangélica, fica localizado no bairro das Rocas e terá sua estrutura preservada, passando apenas por uma restauração e modernização, além de novos recursos de inclusão e acessibilidade, para que o espaço possa acolher todos os públicos.
“A intenção é que o Cine Panorama já possa nascer com a maior quantidade possível de recursos de acessibilidade e inclusão, incluindo acessibilidade comunicacional, como legendas ou recursos específicos que permitam aos surdos acompanhar os filmes, além da acessibilidade à audiodescrição, e também pensar na questão física e de mobilidade, como ter lugares para que cadeirantes assistam confortavelmente, e a presença de assentos para pessoas obesas”, disse Mary Land.
A proposta do Cine Panorama também inclui um olhar atento à diversidade e inclusão, buscando acolher públicos historicamente marginalizados. “Precisamos pensar também sobre como outros públicos vão se sentir bem-vindos e a como a sala vai estar preparada para eles, inclusive com conteúdo: filmes que interessem às comunidades quilombolas, LGBT, indígenas, e aí também pensar no acesso, nas ferramentas para fazer essas comunidades chegarem nessa sala de cinema e se assistirem”, destacou Mary Land Brito.
Localizado em uma área de grande importância histórica e cultural, o cinema integrado à comunidade das Rocas, um bairro periférico, trará acesso facilitado a um espaço cultural, tendo em vista que todos os cinemas da cidade estão dentro de shoppings centers. O recurso utilizado para a reativação do Cine Panorama se adequa à Política Nacional Aldir Blanc, por ser estruturante. Além de reforçar que, por ser um investimento de quase R$ 2,5 milhões, a prioridade é atribuir o recurso a um prédio do estado que que para usufruto da população potiguar.
Os equipamentos de exibição serão adquiridos através de emenda parlamentar destinada pela deputada federal Natália Bonavides (PT). É importante mencionar ainda que, quanto ao Teatro de Cultura Popular (TCP), sua reforma se dará também a partir da PNAB 2024.
“Esse cinema vai estar localizado em uma comunidade importantíssima para a nossa história, berço cultural da cidade, então pensar também na comunidade do entorno, que é também uma comunidade periférica, já é atingir uma diversidade de pessoas que muitas vezes não têm acesso aos cinemas dos shoppings”, afirmou.
O projeto “Aqui Já Existiu um Cinema”, que rememora antigos espaços de exibição, foi essencial para a retomada do Cine Panorama. “Essa iniciativa reforça a importância de preservarmos a história do audiovisual potiguar e ajudou a sensibilizar a sociedade e os gestores públicos para a necessidade de um cinema público em Natal”, afirmou a secretária.
Confira a entrevista com Mary Land:
Revista Cultue – Como surgiu a ideia de restaurar o Cine Panorama?
Mary Land – O RN é um dos poucos estados do país onde as salas de cinema pública ou de rua não são uma realidade. Natal, enquanto capital, fica entre as poucas exceções nessa ausência, de modo que essa sala vem preencher uma lacuna histórica, vem falar sobre preservação e vem trazer à tona uma parte da história da nossa cultura e do nosso audiovisual, trazendo de volta a funcionalidade de algo que foi muito importante para uma geração que veio antes da gente. Para essas pessoas que de alguma forma passaram pelo Cine Panorama, poder voltar e trazer seus amigos e familiares traz algo muito significativo, que é o afeto e memória dessas pessoas. Além disso, há uma questão prática, que é a necessidade
da gente ter um lugar apropriado para exibir os nossos conteúdos produzidos no RN, além de receber todo esse conteúdo de fora que não chega nos cinemas dos shoppings. Só a Lei Paulo Gustavo, por exemplo, tem previsão de gerar mais de 200 longas-metragens no país. Aqui no RN estão sendo produzidos nove. Então precisamos ter acessos a esses conteúdos, com a qualidade de imagem e de
som que foram produzidos. A gente é carente de espaços de exibições que sejam públicos, com valor acessível, e esse cinema vem preencher essa lacuna.
Cultue – Como a reforma do Cine Panorama contribui para o fortalecimento da cultura potiguar?
Mary Land – Um espaço cultural é um espaço de encontro, é um espaço que ajuda a cultura a permanecer viva. Um produto audiovisual, após ser produzido, é visto e revisto continuamente, diferente de um show ou espetáculo, por exemplo. Então, uma sala de cinema é uma janela de exibição de diversas expressões culturais e essa certeza de que o filme vai ser visto e revisto faz com que a cultura permaneça viva. O público se vê, se enxerga nas produções, lembra de onde e isso vai fortalecendo nossa cultura, nossa identidade e vai promovendo encontros. Além disso, na sala de cinema, vai estar o público geral, mas também vão pessoas da arte e da cultura que acabam se encontrando, então novos vínculos são feitos, às vezes novos trabalhos surgem desse encontro então se torna um espaço concreto para fortalecer a nossa cultura.
Cultue – O novo Cine Panorama contará com exibições de filmes locais e independentes? Como será feita a seleção dessas produções?
Mary Land – Estamos atualmente na fase de nos concentrar para que a casa fique pronta antes de ser habitada. Nesse momento, a Secult está voltada a fazer o devido projeto e reforma da sala de cinema. No paralelo, vamos fazer um edital para a gestão da sala de cinema. Com certeza vamos ter conteúdo potiguar, vamos ter conteúdo do cinema independente, do cinema de arte, vamos ter mostras, festivais, ações culturais, sessões gratuitas e sessões com preço acessível. A gestão da sala vai ser feita através de uma instituição que vai ganhar um dos editais que vamos fazer da PNAB. Assuntos como esse, da necessidade de exibição de filmes do RN e filmes nacionais do circuito independente, por exemplo, estarão previstos no edital, será algo que quem ganhar o edital para gerir a sala vai ter de cumprir.
Cultue – Explique mais sobre o projeto Aqui já existiu um cinema.
Mary Land – Esse projeto é importantíssimo porque traz a lembrança e desperta nossa memória. Antes de ser Secretária, eu venho do IFRN, coordenando um projeto chamado Cinemateca Potiguar que vem justamente trabalhar a preservação dos filmes e a lembrança de quem nós somos no Audiovisual, de quem veio antes da gente. Então, entendo profundamente a importância de projetos como esse. O “Aqui Já Existiu Cinema” também vem nesse sentido, mas ao invés do foco nos filmes, vem com o foco nos espaços de cinema. Trazer a lembrança desses espaços e fazer as gerações de agora entenderem a importância dos cinemas de rua é algo essencial para a história do audiovisual potiguar. A contribuição que esse projeto teve no processo de retomada do Cine Panorama foi muito importante, porque enquanto fazíamos a negociação da sala, no paralelo, no mesmo momento em que eles estavam divulgando as salas de cinema, estavam também falando dessa memória que precisa ser preservada, o que só veio a fortalecer essa ação que estamos desenvolvendo. Outro exemplo é um abaixo-assinado que surgiu na UFRN e foi além, solicitando aos agentes públicos que Natal tivesse uma sala de cinema. Então, isso mostra que a política pública está caminhando para o lado de ouvir a sociedade, entender o que ela acha importante e trabalhar para suprir essas demandas. Tenho certeza de que todos nós, tanto do Aqui Já Existiu Cinema, quanto quem assinou o abaixo-assinado, nós da Secult, Fundação José Augusto e o Governo do Estado estamos muito felizes com o ressurgimento do Cine Panorama e todos os entes tiveram papel importantíssimo para que isso acontecesse.
