16/10/2023 | 10:10
Para Toquinho, o violão passou a ser o prolongamento do próprio corpo. A cada dia dedica-se mais, como se o instrumento fosse um bebê recém-nascido, exigindo sempre cuidados aprimorados; e o instrumentista, um pai extremoso, ambos se completando, permitindo que a vida os confunda em madeira e pele, cordas e coração. Do bojo de seu violão, ele extrai o néctar capaz de garantir o lema de seus dias: “só tenho tempo para ser feliz”.
Tudo começou no ano de 1959, no limiar da Bossa Nova. A maneira transformadora de João Gilberto interpretar “Chega de saudade”, com sua inusitada batida de violão, estimulou Toquinho a aprender a tocar o instrumento. Aos 14 anos já tinha aulas com seu principal mestre, Paulinho Nogueira. Então, com Edgard Gianullo, enriqueceu conhecimentos harmônicos e aprimorou-os com o amigo Oscar Castro Neves. O estilo de Baden Powell tornou-se irresistível ao então iniciante Toquinho, que, a fim de ampliar a técnica , buscou em Isaias Sávio a intimidade necessária com o violão clássico. Já compositor, fez um curso de orquestração com Léo Peracchi.
Iniciou sua carreira profissional na década de 1960 ao lado de grandes nomes da Música Popular Brasileira, como Tayguara, Chico Buarque, Elis Regina, Zimbo Trio, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil, e Paulinho da Viola. A grande amizade com Chico Buarque propiciou-lhe a primeira parceria musical, “Lua cheia”, a primeira composição de sua carreira. Também com Chico, viveu sua primeira experiência fora do Brasil, em 1969, quando permaneceu ao lado dele, na Itália durante sete meses. Seus primeiros sucessos surgiram em parceria com Jorge BenJor, na canção “Que maravilha”, e com Paulo Vanzolini, na canção “Boca da noite”, essa com grande destaque no terceiro Festival Internacional da Canção Popular realizado no Rio de Janeiro, em 1968.
Uma fase importante de sua trajetória musical deu-se com Vinicius de Moraes, com quem começou a trabalhar em 1970 no memorável show na Boate La Fusa, de Buenos Aires, acompanhados pela cantora Maria Creuza. A partir de então, Toquinho iniciava com Vinicius uma parceria que extrapolou a relação profissional e se consolidou numa fraternal amizade robustecida ao longo de dez anos por uma incrível criatividade, tornando-se o parceiro mais produtivo do grande poeta em mais de cem canções. Gravaram cerca de vinte e cinco discos e realizaram mais de mil shows pelo Brasil e no Exterior.
Além de Vinicius de Moraes, outros parceiros valorizaram suas canções ao longo de mais de 50 anos de carreira: Gianfrancesco Guarnieri, Carlinhos Vergueiro, Mutinho, Elifas Andreato, Paulo Cesar Pinheiro, Francis Hime, Paulinho Nogueira, Cacaso, Paulinho da Viola, Eduardo Gudin, Antonio Skármeta, Sadao Watanabe, entre outros, ajudando-o a totalizar, entre aquelas de sua própria autoria, música e letra, uma lista de aproximadamente 400 canções registradas em mais de 86 discos e apresentadas para seu público em, até hoje, cerca de 10.000 shows no Brasil e no Exterior.
Depois da morte de Vinicius, em 1980, Toquinho passou a confirmar definitivamente seu valor como instrumentista, compositor e intérprete internacional com sucessivas gravações e apresentações na Europa, principalmente na Itália. Tendo como parceiros os italianos Maurizio Fabrizio e Guido Morra, criaram cerca de vinte e cinco canções registradas em quatro discos, destacando-se entre elas, o retumbante sucesso de “Acquarello”, propiciando a Toquinho o orgulho de ser o primeiro artista brasileiro a receber um “Disco de Ouro” na Itália. Com versão para a língua portuguesa feita por ele, essa canção, “Aquarela”, proporcionou-lhe a confirmação como compositor de renome nacional e internacional. A partir de 1982, Toquinho tem empreendido, na Itália, até hoje, sucessivas temporadas de shows realizados em diferentes cidades de norte a sul do país, ratificando, a cada ano, sua incrível popularidade, plantada desde 1976, ainda junto com Vinicius de Moraes, quando gravaram com Ornella Vanoni, em Roma, um dos discos de maior destaque da dupla Toquinho/Vinicius: “La Voglia, La Pazzia, L’Incoscienza, L’allegria”. O LP não só se tornou um dos mais importantes do ano como, até hoje, jamais saiu de catálogo. Em 1978, foi também na Itália, em Firenze, desta feita na companhia de Tom Jobim e Miúcha, que Toquinho e Vinicius encerraram a temporada de um show que permaneceu quase um ano em cartaz no Canecão, no Rio de Janeiro, tendo sido apresentado ainda em Paris, no Olímpia, e em Londres, no Paladiun.
Toquinho também tem se apresentado na Espanha, em constantes temporadas nos últimos anos. Mais recentemente, em 2015, além de shows pela Itália, esteve na França em três espetáculos realizados em Biarritz, Paris e Fontainebleau ao lado da grande cellista Ophélie Gaillard e seu grupo sob comando do Maestro Gabriel Sivak, tendo gravado na ocasião o CD “ Alvorada”, título da tournée
Por outro lado, já se tornaram rotineiras as apresentações anuais de Toquinho pela América do Sul. São freqüentes seus shows no Equador, na Colômbia, no Uruguai, na Argentina e no Chile, por várias ocasiões, realizando concertos em vários formatos, muitos deles ao lado de Maria Creuza, com quem tem mantido uma prodigiosa parceria de palco devido às comemorações dos 46 anos do histórico show na Boate La Fusa em 1970, com novo retorno a Buenos Aires, desta vez com a participação da violonista clássica paraguaia, Berta Rojas,no mês de setembro. Numa dessas passagens pelo Chile, tornou-se amigo de Antonio Skármeta, grande escritor e poeta chileno, que se tornou parceiro de Toquinho em cerca de doze canções.
Em 2009 Toquinho realizou um de seus sonhos: cantar com Andrea Bocelli. A convite do tenor italiano, no dia 21 de abril cantaram juntos no Parque da Independência, em São Paulo para um público de mais de 25.000 pessoas. Meses depois, Bocelli convidou Toquinho para a apresentação anual que faz em sua cidade natal, Lajatico, próximo a Pisa, no Teatro del Silenzio. Toquinho foi o único artista popular no concerto de 2009 ao lado dos demais convidados: o tenor Plácido Domingo, o flautista Andrea Griminelli e as cantoras líricas Katehrine Jenkins e Sabina Cvilak.
Para uma platéia de 10.000 pessoas Andréa Bocelli revelava que na juventude se emocionava com a música de Toquinho.
Toquinho não recusa desafios. Em março de 2010 reestreou pela no Brasil o musical “Cats”, desta vez apresentado ao público brasileiro em língua portuguesa, com versão para o português feita por Toquinho, dando ao musical um clima brasileiro. Em sua adaptação, Toquinho conseguiu inserir na Londres de 1981 um pouco da cidade de São Paulo, preocupando-se, acima de tudo, em não desvirtuar a montagem original.
Ao longo dos últimos anos comemorando 50 anos de carreira, Toquinho tem feito apresentações constantes por várias capitais e cidades brasileiras em shows de diferentes formatos, dividindo o palco com João Bosco, Ivan Lins, MPB-4, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Tiê, Verônica Ferriani, Wanda Sá, Quarteto em Cy , Joyce Moreno, Anna Setton e Camilla Faustino. Ultimamente vem trabalhando em parceria com Paulo Cesar Pinheiro e Jorge BenJor na criação de novas canções.
Uma das pérolas da sensibilidade de Toquinho é, sem dúvida, a parte de sua obra que abrange o mundo infantil. São cerca de 40 canções que encantam as crianças porque Toquinho sabe brincar com elas de uma forma responsável e inteligente, mantendo um humor lúdico e objetivo na junção das letras com as melodias. Essas canções estão registradas em quatro discos: “Arca de Noé” e “Arca de Noé 2, em parceria com Vinicius de Moraes, caracterizando os mais diversos bichinhos; “Casa de Brinquedos”, cujo parceiro é Mutinho, que mostra os brinquedos falando com as crianças, transformado em DVD com Disco de Platina, em 2014 e “Canção de Todas as Crianças”, com Elifas Andreato, cuja fonte de inspiração é a “Declaração Universal dos Direitos da Criança”, que, em síntese, são 10 princípios aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em novembro de 1959. Cada Direito virou uma canção. A sintonia entre melodia e letra assegura a essas canções uma autêntica representação plástica. Em novembro de 2003, o clipe animado “Aquarela” conquistou o “Liv Ullmann Peace Prize”, prêmio concedido pelo juri do Chicago International Children’s Film Festival, o maior e mais antigo festival de filmes infantis do mundo, cujo critério é conceder o primeiro lugar ao filme que traduz de forma mais sensível o desejo de paz e harmonia entre as crianças. Além desse prêmio, o clipe “Aquarela” alcançou o segundo lugar na categoria animação infantil do Anima Mundi 2003. Por sua vez “A Casa” foi escolhida a melhor trilha sonora do Anima Mundi 2004, e “O Pato” obteve o segundo lugar na categoria animação brasileira no mesmo festival. Estes vídeos fazem parte do DVD “Toquinho no mundo da criança”, lançado pela Circuito Musical e Delta Editora. “A Canção dos Direitos da Criança” transformou-se em espetáculo musical, com várias montagens, tendo sido a última produção no Teatro Frei Caneca, destaque do Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem, em várias categorias
Rompedor de fronteiras, Toquinho leva sua música para bem longe de sua terra, ao mesmo tempo que conserva aquela brasilidade de quem ama andar pelos mais distantes locais desse país, seja a cidade grande ou pequena, próxima ou distante. Essa abrangente atividade requer uma profunda percepção artística, profissional e humana na lida com parceiros, produtores e diretores de shows; músicos, técnicos de estúdios e de palcos, cantoras, conjuntos vocais e assédios de fãs. Um artista tem de estar constantemente guardado para a criatividade, matéria-prima do talento na continuidade de sua carreira.
Desde 1992, tem ao lado um autêntico escudeiro: Genildo Fonseca, um empresário e produtor que idealiza, prepara, aciona e realiza contratos, shows, programas, gravações e viagens. Especialista em aeroportos, hotéis, restaurantes, interior de aeronaves, tipos de táxi e até de cardápios, Genildo é um mestre da elegância e da gentileza. Carrega com ele a integridade da palavra, sempre acionada pela sensatez e pela fraternidade. Tudo isso proporciona a Toquinho a tranquilidade indispensável para o prosseguimento de sua carreira.
Genildo de Oliveira Fonseca para os mais próximos, simplesmente Gê, sempre gostou de música e teatro. Quando criança, em Echaporã, sua cidade natal, não perdia um espetáculo de circo que chegava à cidade, mesmo que fosse para vender doces em troca da entrada. Envolvia-se com tudo que se relacionasse à música. Em São Paulo, em 1958, aos 13 anos, fazia locução no programa de calouros “Alegria no clube”. Em meio ao mundo musical, tornou-se empresário dos irmãos, antes de Marinho Marcos e depois, de Antonio Marcos, em 1969, quando a RCA lançou seu primeiro compacto simples. Nesse ano Genildo abriu seu primeiro escritório: 907 Promoções Artísticas, conciliando esse trabalho com o curso de Direito da USP, onde se formou em 72 .Vencendo habituais desafios que essa atividade impõe, Genildo mantém-se no mercado há 50 anos, atualizando suas atividades, revendo valores, buscando técnicas modernas e parcerias para novos espaços. Diretor da Circuito Musical, atua na área de produção de shows e eventos, edição e selo musical. A eficácia de seu trabalho pode ser avaliada pelo prêmio com que foi agraciado no ano passado como melhor produtor executivo no Prêmio Profissionais da Música. Já em 2017, a Circuito Musical está entre as semifinalistas do Prêmio Profissionais da Música na Modalidade e Categoria Editora. Genildo foi também executivo de duas gravadoras: Continental, onde realizou pela Sonhos Criações Artísticas um dos mais ousados espetáculos na época, levando ao Maracananzinho, em 25 de junho de 1971, cerca 12 mil pessoas para assistir “A Grande Noite da Viola,” onde estavam, entre outros, Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, Teixeirinha e o novato Almir Satter. Também participou do projeto da Gravadora 3M, com mais de 200 lançamentos de discos, em 3 anos, com destaque para Gilliard, Zezé Di Camargo, Leandro e Leonardo, Orquestra Sinfônica de Campinas. Como gerente de marketing do Anhembi, participou da organização do Carnaval no Sambódromo, Fórmula 1 , programação do Palácio das Convenções e atividades culturais da Cidade. É bom saber o que Genildo entende como sucesso: “Sucesso é, antes de tudo, bem estar! Estar de bem com a vida. É um conjunto de valores, como reconhecimento, tanto de seus pares como do público pelo que se faz. Ele requer atenção para não virar comodismo e muita autocrítica para não virar vaidade. É uma conquista diária que requer aprimoramento constante”.
No grupo de artistas empresariados pela Circuito Musical, sem dúvida o mais importante é Toquinho, ao lado de Okabelo, Dora Vergueiro, Camilla Faustino, Papa Mute e muitos outros parceiros . Consequentemente pode-se entender também o sucesso que Toquinho tem alcançado e mantido em sua carreira, que depende fundamentalmente da relação entre artista e empresário. E esse entrosamento está embutido nesse depoimento de Genildo Fonseca: ”Na Circuito, cuidamos de praticamente tudo o que diz respeito à sua carreira: da edição das músicas, da produção dos shows, dos projetos de patrocínio, e como produtor acompanho seu dia a dia nas entrevistas, programas de TV e viagens nacionais, agora apoiado pelo meu irmão e também produtor Diógenes Fonseca e internacionais, que sempre transformamos em algo confortável, sem estresse. É um privilégio trabalhar com um artista tranquilo, realista, que nem se encanta com o sucesso nem se incomoda com eventuais tropeços. Sabe levar a vida sem sofrimento. Fica mais fácil administrar. Sempre disponível e atento às coisas mais simples, Toquinho é extremamente precavido, detesta surpresas. Observador e intuitivo, tem o dom de conhecer as pessoas, descobrir talentos, elogiar na hora certa. Generoso, dá sempre uma nova chance. Sabe dizer não sem perder a ternura. Assume os erros, mas não gosta do sofrimento da culpa. Quando sente a situação fora de controle, não se deixa abater, usa o bom senso. Compromete-se, divertindo-se com o que faz. Adora o conforto da vida urbana, é muito prático, descomplicado, não parece artista. Usa com rara habilidade seu lado diplomático e dualista para unir os opostos. Utiliza a disciplina e a técnica como bases para o improviso. Vive intensamente cada momento, nunca considera a partida ganha, está sempre procurando o melhor acorde, o modo mais prático de fazer as coisas. Aceita com naturalidade a noção do envelhecimento, mas não admite perder o domínio de seu instrumento, ao qual se entrega durante horas todos os dias. Canções que parecem definitivas no dia da criação, noutro já ganham novas formas, outros nomes. Não dá para saber se o mais importante é o homem ou o artista, o músico ou o letrista, o contador de histórias ou o amigo. Eles se juntam sempre no mestre e aprendiz com alma de criança”.
As qualidades de mestre e aprendiz com alma de criança tornam Toquinho um autêntico contemporâneo do futuro, não permitindo que nem mesmo o tempo se lhe antecipe ou lhe surpreenda. Sua carreira continuará embalada pela sutileza de sua criatividade, pelo virtuosismo de seu violão e por sua descontração no palco, incorporando a cada show o amigo da plateia, mais que o artista, sem deixar de prevalecer sua arte, mantendo o violão como fundamento primeiro do compositor e do intérprete. Em todos os sentidos, certamente Genildo Fonseca tem tudo a ver com isso!