Um robô inovador tem o potencial de revolucionar a execução de cirurgias experimentais complexas em cérebros de animais. Este avanço é resultado de uma pesquisa do Instituto do Cérebro (ICe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e teve seu pedido de patente registrado em dezembro, sob a denominação “Robô para neurocirurgia estereotáxica experimental”. A descoberta contou com a participação de Richardson Naves Leão, Aline Elvina Rodrigues Fernandes e Catherine Caldas de Mesquita – sendo as duas cientistas responsáveis pela manufatura do equipamento, especialmente no design das peças.
Professor da UFRN, Richardson Leão nos conta que sua contribuição foi na idealização, montagem e confecção do software. Ele narra que, em meados de 2014, através de recursos do CNPq e CAPES, o Laboratório de Neurodinâmica contratou uma empresa local, a Void3d, para a fabricação dos micromanipuladores e dos suportes de ferramentas. A partir daí, foi possível a construção de uma plataforma cirúrgica usando esses materiais. Uma boa parte das peças foi criada com impressoras 3D, com o uso de placas de desenvolvimento nos controles robóticos.
![Tecnologia desenvolvida na UFRN tem capacidade de melhorar execução de cirurgias AGIR Robô Neurocirurgia ICe 27Dez24 Cícero OliveiraDSCF6023br](https://agorarn.com.br/files/uploads/2025/02/AGIR-Robo-Neurocirurgia-ICe_27Dez24_Cicero-OliveiraDSCF6023br-830x468.jpg)
Leão destaca ainda que a invenção está inserida no campo da neurocirurgia experimental, estando projetada para procedimentos cirúrgicos em pequenos animais de laboratório. A tecnologia se apresenta como um sistema estereotáxico robótico com troca de ferramentas, o qual garante o posicionamento preciso e estável do animal, utilizando suportes para nariz e orelhas, além de câmeras para visualização tridimensional. “A mesma técnica cirúrgica é usada em pacientes na neurocirurgia e é chamada de cirurgia estereotáxica. Os mesmos princípios aqui aplicados podem ser usados na criação de um robô neurocirúrgico hospitalar. Lembrando que, em termos de precisão, os requerimentos de movimentação e estabilidade para uma versão humana são menos críticos, pois o cérebro humano é milhares de vezes mais volumoso”, pontua o docente do Instituto do Cérebro.
Em vídeo, parte dos cientistas envolvidos fala um pouco mais da importância da tecnologia
Professor em Neurociências e Psicobiologia na UFRN, o cientista realça ainda a importância do dispositivo falando a respeito de doenças neurológicas, em grande parte causadas por alterações pontuais em zonas do cérebro. Como exemplo, Leão cita a doença de Parkinson, enfermidade causada pela morte de neurônios que produzem dopamina em uma região específica do cérebro chamada de substância “nigra, pars compacta”. Nesse caso, um dos possíveis tratamentos é a reprogramação de outros tipos de neurônios nessa região para que esses produzam dopamina.
Essa reprogramação se dá pela injeção a nível celular de um DNA “reprogramador” usando, por exemplo, vetores virais similares aos vetores da vacina da AstraZeneca. O procedimento é feito diretamente na região afetada para conseguir a eficiência necessária. Tal técnica, apesar de muito promissora, ainda necessita de sua validação em modelos animais. E é aqui que a invenção, objeto do pedido de patente, encontra um diferencial.
“Um dos modelos mais fidedignos da doença de Parkinson utiliza camundongos. Nestes animais, a substância nigra, pars compacta, mede menos que um terço de milímetro, requerendo um alto nível de técnica do pesquisador que realiza a cirurgia. Nossa invenção mostra o mapa do cérebro do animal, onde a região de interesse é marcada. Então o mesmo executa a abertura do crânio e posiciona, com precisão, a microagulha para injeção viral exatamente na posição desejada, usando coordenadas 3D e ainda com a possibilidade de projetar a trajetória da agulha usando aprendizado de máquina”, explica Leão.
Com esse raciocínio, o também pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Neurociências (PGNeuro) da UFRN chega a um outro “compartimento” importante da tecnologia. Afinal, com o aumento da robustez nos resultados experimentais obtidos a partir de experimentos que envolvem uma técnica cirúrgica precisa, especialmente por permitir atingir alvos específicos no cérebro com alta precisão, o robô minimiza o sofrimento animal, já que, além da manipulação cirúrgica precisa, consegue monitorar o nível de anestesia e diminui ao máximo o dano, melhorando consideravelmente o pós-operatório. “Em resumo, além de permitir que cirurgias extremamente complexas e precisas sejam executadas em cérebros de modelos experimentais, essenciais para descobertas científicas que beneficiem a nossa sociedade, o equipamento é fundamental para uma pesquisa verdadeiramente ética”, salienta o docente. Feito na linguagem Python, o software de Inteligência Artificial está em fase de finalização da sua interface gráfica.
![AGIR Robô Neurocirurgia ICe 27Dez24 Cícero OliveiraDSCF6007br](https://agorarn.com.br/files/uploads/2025/02/AGIR-Robo-Neurocirurgia-ICe_27Dez24_Cicero-OliveiraDSCF6007br-1024x576.jpg)
Ah, o cérebro
O cérebro, tão importante quanto sensível, é uma das partes mais fascinantes dos animais. No ser humano, com seus 87 bilhões de neurônios, sinais elétricos são despejados por diferentes frequências, talvez com incontáveis padrões eletrofisiológicos. Isso propicia caminhos neuronais diferentes daqueles já traçados em concordância com alguma doença, melhorando o quadro clínico e o bem-estar do paciente. Da conversa com Richardson Leão, vê-se claramente que, para que esses caminhos existam, é preciso pesquisa, resistência e um tanto de resiliência.
“Independentemente do que é proferido atualmente, a Universidade é o verdadeiro berço da inovação. Fala-se muito na ‘eficiência’ do setor privado para inovar, mas a verdade é que a vanguarda de qualquer grande invenção começa na universidade, onde o criador não tem somente o lucro em mente quando desenvolve sua ideia. Isso é fundamental, principalmente em ideias revolucionárias que são rodeadas de riscos e incertezas”, defende.
Para embasar o argumento, Leão tem dois exemplos ‘na ponta da língua’ – ou nos estímulos que viajam pelo cérebro: o primeiro é a ascensão da SpaceX apenas depois que a NASA e a Roscosmos, agências espaciais dos Estados Unidos da América e da Rússia, respectivamente, fizeram com que as viagens ao espaço fossem uma realidade através da criação de motores, veículos e roupas que suportam o frio do vácuo e o calor direto do sol; o outro exemplo importante é o iPhone, cuja tecnologia de tela sensível ao toque é fruto de pesquisas financiadas por instituições públicas, cuja contribuição para o desenvolvimento das telas capacitivas usadas nos iPhones é essencial. E o que falar da tecnologia GPS, do WiFi, da internet, essa que “propicia” a sua leitura neste momento, todas criadas com a participação e apoio do setor público? Não por acaso, os planos de um cientista não param.
“O principal foco do nosso laboratório para 2025 é o desenvolvimento de tecnologia para universalizar o acesso ao monitoramento neurológico de recém-nascidos. Para isso, aplicaremos nossos conhecimentos em eletrônica e programação na criação de sistemas integrados de monitoramento neurológico acessível a qualquer serviço de neonatologia. Outra vertente de estudos do meu grupo é a criação de microsensores de atividade cerebral para experimentos onde animais poderão se comportar em ambientes seminaturais. A implantação dos mesmos usará nossa invenção. Além disso, estamos adaptando a invenção para estudos de uso de compostos inalatórios na anestesia e no tratamento de doenças psiquiátricas, já que nosso sistema permite a inserção precisa de eletrodos em diversas regiões do cérebro, permitindo o estudo em tempo real do efeito de substâncias, assim como o controle preciso da concentração da substância inalatória”, contextualiza.