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Racismo no Leblon: Justiça arquiva o caso; conclusão foi de que não ocorreu crime de casal contra Matheus
Na decisão, foi considerado que Mariana Spinelli e Tomás Oliveira não agiram com intenção de imputar falsamente ao instrutor de surfe o furto de bicicleta elétrica
O Globo
05/08/2021 | 15:37

O juiz Rudi Baldi Loewenkron, 16ª Vara Criminal, decidiu pelo arquivamento do inquérito que apurava a suposta calúnia cometida por Mariana Spinelli e Tomás Oliveira contra Matheus Ribeiro. Na ocasião, o casal foi acusado de racismo pelo instrutor de surfe após tê-lo interpelado na porta do Shopping Leblon, na Zona Sul do Rio, na tarde de 12 de junho. O rapaz andava em uma bicicleta elétrica idêntica a deles que acabara de ser furtada. O magistrado entendeu que os jovens foram levados a acreditar que estavam diante do próprio equipamento, não tendo havido dolo — ou seja, intenção de imputar falsamente a ele um fato criminoso.

“Não se olvida a possibilidade de descuido por parte dos indiciados na abordagem de Matheus. Porém, como bem colocou o Ministério Público, faltou o elemento constitutivo do tipo falsamente para configuração de calúnia, vez que a semelhança da bicicleta, do cadeado, o local e o lapso temporal entre os eventos levaram os indiciados a acreditar que poderiam estar diante da bicicleta de sua propriedade. O crime de calúnia só se dá a partir do dolo, que ora não se vislumbra para configuração do crime imputado, o que, por certo, não afasta a possibilidade de responsabilidade civil pela acusação imprudente. Todavia, na seara criminal, o fato demonstra-se atípico, diante da ausência do tipo penal na modalidade culposa”, diz o despacho de Rudi Baldi Loewenkron, publicado nesta terça-feira, dia 3.

Em sua decisão, juiz determina o arquivamento do caso Foto: Reprodução
Em sua decisão, juiz determina o arquivamento do caso Foto: Reprodução

O advogado Bruno Cândido, que representa Matheus, informou que está aguardando a posição do jovem sobre a decisão.

Procurada por O GLOBO, a defesa do casal não quis se pronunciar sobre o caso.

MP: ‘erro essencial’

O juiz concordou com o arquivamento requerido por Lenita Machado Tedesco, da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial da Zona Sul e da Barra da Tijuca. No documento, a promotora afirma que as circunstâncias fáticas levam a conclusão de que Mariana e Tomás se dirigiram a Matheus no que seja chama juridicamente de erro de tipo essencial, quando, em linhas gerais, não há conhecimento do cometimento de um crime justamente pela ignorância do tipo penal em questão.

“(…) Faltava a consciência elementar do tipo falsamente, o qual, para a configuração de calúnia, exige que o agente saiba que a imputação feita ao sujeito passivo do delito é falsa, e, ainda sim, age dessa forma, o que não restou demonstrado nos autos”, justifica a promotora.

Como fundamentos, são citadas as semelhanças entre as bicicletas, do mesmo modelo, marca e cor, e entre os cadeados, pretos com detalhes em cinza; a distância de poucos metros que Matheus estava do local do furto; o curto lapso temporal entre o furto, a constatação do furto e a abordagem do instrutor de surfe pela professora de dança e pelo designer, além do estado emocional de nervosismo alegado pelo casal.

O documento teve como base o relatório final do inquérito instaurado pela delegada Natacha Alves de Oliveira, que estava a frente da 14ª DP (Leblon), e concluiu pela “plena atipicidade do fato objeto de apuração” – em outras palavras, ela avaliou que o casal não cometeu crimes. O registro de ocorrência do caso foi feito online por Matheus, que acusou Mariana e Tomás de racismo. Em um vídeo publicado no Instagram, o instrutor de surfe flagrou o final da conversa entre eles e narrou: ”E pra você, que é pretin igual eu, seja cuidadoso ao andar em lugares assim. Eles vão te culpar, pra depois verem o que aconteceu”.

Professor de Direito Penal da PUC-Rio, Breno Melaragno explica que, para se configurar o crime de calúnia, tipificado no artigo 138 do Código Penal, é necessário que exista a intenção de atribuir a um terceiro a prática de um crime, mesmo sabendo que ele é inocente:

— Quando o casal supostamente confere uma possível prática criminosa ao rapaz, eles têm em mente que existe a possibilidade de ele ser o autor do crime de furto. Assim, isso já exclui a consumação do crime de calúnia por parte deles.

Integrante do Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela, a advogada Elaine Barbosa, cofundadora do Pinhata Barbosa Advogadas Associadas, pondera também que o crime de calúnia atinge a honra objetiva do indivíduo — aquela ligada ao juízo que os outros fazem dele e a imagem que se passa ao grupo social ao qual pertence.

— É importante mencionar que estamos diante de um caso em que não se visava afetar propriamente a honra do Matheus, mas ferir também a própria dignidade dele, uma vez que ele foi colocado publicamente como ladrão somente por ser uma pessoa negra — opina.

Quando foi à delegacia, em junho, Matheus disse acreditar que a abordagem de Mariana e Tomás só tenha acontecido por ele ser negro. O jovem negou que tenha havido ofensas expressas de caráter racial, mas disse ter se sentido triste, indignado e com raiva porque o casal já chegou o “acusando” pelo furto e, em momento algum, disse que tinham acabado de ser vítimas de um crime.

— A gente que é negro convive com esse tipo de situação desde sempre. Mas nunca tinha sido tão constrangedor, apesar de não ser inédito. Eu assisto e leio muito sobre o assunto. Além de estar em pauta, a gente passa por isso né, cara. Uma pessoa branca pode se interessar, mas eu vivo o assunto, preciso saber sempre como lidar com isso — disse, na ocasião, em entrevista ao GLOBO.

Para a polícia, o designer e a professora de dança negaram que tenham ido até ele “em razão da cor da pele” do jovem e disseram que teriam o mesmo comportamento caso de tratasse de uma pessoa branca. Em seu depoimento, o rapaz disse ter perguntado ao instrutor de surfe se podia testar a chave da namorada em seu cadeado, não tendo tido “sucesso”. Tomás relatou ainda que Matheus se ofereceu a mostrar fotos antigas em seu celular para provar que a bicicleta era sua, mas ele teria dito que não precisava.

Prisão pelo furto da bicicleta

Igor Martins Pinheiro, de 22 anos, é réu em um processo pelo furto da bicicleta elétrica de Mariana e Tomás. Ele foi preso preventivamente, no dia 16 de junho, por agentes da 14ª DP, em um prédio em Botafogo, também na Zona Sul. No apartamento, foram localizados a bermuda que ele usava no momento do crime e ferramentas como alicates de corte usados para romper cadeados.

Imagens de câmeras de segurança do Shopping Leblon flagraram a ação de Igor, que demorou menos de dois minutos. O vídeo mostra o rapaz disfarçando na esquina, arrombando o cadeado, subindo na bicicleta elétrica e saindo pedalando rapidamente, na tarde do dia 12. Em seu Relatório de Vida Pregressa (RVP), ele possui 28 anotações criminais, 14 delas por furto a bicicletas.

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