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Entrevista

‘PCC está influenciando políticas públicas para sistema carcerário’, diz promotor que denunciou ONG

Ao Estadão, promotor do Gaeco do MP-SP Lincoln Gakiya diz que PCC já tem ‘soft power’ consolidado no Brasil
Redação
30/01/2025 | 14:33

O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, de 57 anos, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), tem dedicado as últimas duas décadas de sua carreira ao combate à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Desde 1996, ele ocupa o cargo na Promotoria de Justiça de Presidente Venceslau (SP), cidade onde parte da cúpula do PCC está presa. Gakiya já foi alvo de diversas ordens de execução por membros da facção, e tanto ele quanto sua família vivem sob constante proteção policial, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Na última segunda-feira 27, Gakiya apresentou à Justiça uma denúncia contra 12 indivíduos investigados na operação Fake Scream, realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-SP. A operação focou na ONG Pacto Social & Carcerário de São Paulo, que, segundo a investigação, foi criada e financiada pelo PCC, além de prestar contas de suas atividades à facção. Conforme revelou o Estadão, a presidente da ONG, Luciene Neves Ferreira, esteve em Brasília, onde participou de reuniões nos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, além do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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‘PCC está influenciando políticas públicas para sistema carcerário’, diz promotor que denunciou ONG - Foto: ESTADÃO

Após as investigações da Fake Scream, Gakiya afirmou não ter dúvidas sobre a existência do “soft power” das facções criminosas no Brasil, uma expressão que se refere à busca por influência e poder político sem o uso direto da violência.

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Em entrevista ao Estadão, Gakiya revela que existem indícios de que o PCC exerce influência sobre outras ONGs e acredita que a facção já tem impacto sobre a política prisional. “Os faccionados estavam alcançando seu objetivo, que era influenciar as políticas públicas na área do sistema carcerário”, afirma. O promotor ressalta que, até o momento, não há evidências de que as autoridades que receberam a ONG em Brasília — incluindo no Ministério da Justiça — soubessem da relação do grupo com o PCC. Para Gakiya, os representantes do governo Lula foram “inocentes úteis”.

Podemos afirmar que o crime organizado já exerce um soft power?

Com certeza. Não tenho a menor dúvida sobre isso. E acredito que outras ONGs… Durante uma entrevista a jornalistas sobre a operação Fake Scream, me perguntaram se estávamos tentando criminalizar as ONGs. Não estamos, de maneira nenhuma. O que queremos é evitar que o crime organizado use as ONGs para fazer denúncias infundadas ou atuar junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E, assim como essa, outras ONGs podem acabar sendo descobertas também. Não vamos revelar detalhes, mas já temos conhecimento de pelo menos uma outra ONG que estaria ligada ao PCC, com foco nas manifestações contra a opressão no sistema carcerário.

O diretor do documentário O Grito, que deu nome à operação Fake Scream, viajou com passagens pagas pelo PCC. Isso seria uma manifestação desse soft power?

Ficamos sabendo dessa informação (o pagamento das passagens) graças às investigações sobre a morte do delator e empresário Vinícius Gritzbach. Estamos acompanhando esse caso porque ele era um réu delator meu no Ministério Público. Quando o sigilo de Kauê do Amaral Coelho, integrante do PCC e hoje foragido, foi quebrado, descobrimos que ele estava no aeroporto de Guarulhos, orientando os autores dos disparos sobre a saída de Gritzbach. Foi verificado que ele foi o responsável pelo pagamento da viagem do diretor do documentário O Grito.

Fica claro que o PCC tinha total interesse por trás da ONG, buscando dar voz às suas manifestações. Eles usaram advogados anteriormente e, desta vez, recorreram à ONG com grande sucesso. Chegaram até a produzir um documentário (O Grito), que contou com a participação da ONG, além de viagens de seus dirigentes a Brasília, onde mantiveram contato com deputados e integrantes do Ministério da Justiça e da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais). Isso evidencia que estavam cumprindo seu objetivo de influenciar as políticas públicas relacionadas ao sistema carcerário.

Na denúncia da operação Fake Scream, o senhor menciona um suposto “Plano ONG” do PCC, descoberto anteriormente. Do que se trata?

Durante a Operação Ethos (de novembro de 2016), coincidentemente conduzida por mim e pela Polícia Civil, nós miramos o chamado “Setor dos Gravatas” do PCC. Ali conseguimos a condenação de 39 advogados que serviam de mensageiros para o crime organizado, que não tinham nenhuma atuação jurídica. Esses advogados, já em 2016, cuidavam do “Setor da Saúde” do PCC. Eles ficavam a cargo de coordenar esse setor, que nada mais era do que fazer o contato com médicos e dentistas, entre outros, para atendimento particular de alguns presos.

No bojo das conversas que nós apreendemos, das conversas desses advogados, já se mencionava o “Projeto ONG”. A gente não sabia exatamente o que eles pretendiam com isso, mas imaginávamos que seria a criação de uma organização que pudesse defender os interesses da facção. Agora, com a operação Fake Scream, descobrimos que a ONG Pacto Social & Carcerário serve a essa finalidade.

Então você vai verificar lá, por exemplo, a manifestação de intenção da ONG de atuar no julgamento do (ex-guerrilheiro chileno) Maurício Norambuena na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH); isso tudo prestando contas aos presos da PII (a Penitenciária II de Presidente Venceslau, em São Paulo). As manifestações eram gestadas de dentro para fora das unidades prisionais. Os próprios presos do PCC é que determinavam para a ONG a realização dessas manifestações.

As autoridades do CNJ e dos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos que receberam a ONG Pacto Social e Carcerário tinham ciência do envolvimento dessa organização com o PCC? O que as investigações apontam até o momento?

Dentre as documentações que vão aparecer aí, nas investigações, não há só a figura de um deputado federal, mas tem também vereadores, para os quais esses supostos dirigentes da ONG trabalhavam. Geraldo Sales (vice-presidente) e Luciene (Ferreira Neves, a presidente) eram assessores parlamentares. Mas a gente não viu, na investigação, um envolvimento direto desses políticos aí com o PCC.

Na verdade, eu acredito que eles estavam pensando que era uma organização de defesa dos presos. Esses políticos sempre estiveram ligados a essas causas. Acho que eles, assim como a Senappen do Ministério da Justiça, acabaram por dar voz e apoio a essa ONG sem saber que por trás dela estava o PCC. Nós também viemos a saber disso quando apreendemos os cartões de memória (em setembro de 2021). Ali fica claro que a ONG presta contas ao PCC. A ONG atende às reivindicações do PCC e não tem nenhuma fonte de financiamento: as contas são pagas pelo PCC. Agora, não me parece que essas autoridades tinham conhecimento disso. Foram, vamos dizer, inocentes úteis.

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