29/07/2021 | 16:16
— Oi, mãe, peraí que vou dar entrevista, já ligo para a senhora.
Assim Rebeca Andrade encontrou os jornalistas após ficar com a medalha de prata no individual geral da ginástica artística, a primeira conquista brasileira feminina na modalidade. A voz mansa e o tom de orgulho marcam as palavras da paulista, calma em frente a um feito tão grandioso.
— Estou feliz demais. Passei por tanta coisa e coloquei essa Olimpíada como objetivo, mas o meu objetivo aqui era fazer o meu melhor, brilhar da melhor maneira possível, e acho que brilhei. Consegui nossa primeira medalha — avaliou a atleta.
Rebeca, que superou três cirurgias de joelho — a última em 2019 — conta que foi o apoio da família e de sua equipe esportiva que freou qualquer tentativa de desistência na época de suas mais graves lesões. Aos 22 anos, a jovem da cidade de Guarulhos começou na modalidade num projeto social local e esbarrou em dificuldades financeiras no início da carreira.
— Dormia na casa dos meus treinadores para ir treinar. Minha mãe ia trabalhar a pé para me dar o dinheiro da condução, meu irmão me levava de bicicleta. Saí de casa casa com 10 anos, mas, nesse meio tempo, já não ficava tanto tempo em casa, porque as pessoas viam que eu tinha futuro, queriam investir em mim — lembra.
Baile de Favela e o funk
A escolha pela canção “Baile de favela”, de MC João, chamou a atenção dos torcedores. Hit do funk paulista em 2015, a canção embalou a apresentação de Rebeca no solo. A atleta comemorou a repercussão, ressaltou a importância para as pessoas que se enxergam no estilo musical e se disse fã das batidas.
Ela revelou que a ideia inicial não foi sua, mas sim do coreógrafo da seleção, Rhony Ferreira. A escolha passou por trocar as apresentações ao som da cantora Beyoncé.
— Foi uma surpresa do meu coreógrafo. Ele veio com essa música e aí a gente fez essa coreografia juntos, foi incrível. Foi uma surpresa mesmo, não foi uma ideia minha, mas eu adorei. De início, estranhei porque estava saindo da Beyoncé, de quem sou super fã, mas depois me acostumei com a música. Vocês me olham no solo e olham a música, é a minha cara, não tem como negar.
Depois de Gabriele Douglas e de Simone Biles, medalhistas de ouro no individual geral nos Jogos de Londres e de Tóquio, outra mulher preta voltou a ganhar destaque e fazer história na prova. Rebeca disse esperar representar todos que a vêem como espelho:
— Eu sou preta e vou representar todo mundo. Preto, branco, pardo, todas as cores, verde, azul e amarelo. No esporte não tem que ter isso, você tem que representar todo mundo. As pessoas se espelham em você, querem ser parecidas com você. Você faz o melhor para si e para os outros. Eu acredito que tenha feito isso hoje trazendo minha música para cá e fazendo tudo que fiz.
Volta de Biles
Falando sobre a ginasta americana, a brasileira elogiou a atitude de priorizar a saúde mental. Ela lamentou que a rival, que competiria com ela na prova desta quinta-feira, tenha deixado a disputa por um motivo negativo e relembrou a pressão da equipe norte-americana. Mas disse crer na volta da ginasta, que ainda tem provas individuais por aparelhos para disputar. A americana esteve nas arquibancadas e chegou a ser filmada comemorando algumas apresentações da brasileira.
— Ela é incrível, é a melhor do mundo e todo mundo sabe disso. Imagina você chegar numa competição pensando ‘tomara que eu faça tudo certo’ ou ‘eu tenho que ganhar’. O que eu sempre admirei nela era o psicológico, tinha que ser muito forte mesmo. E hoje, vendo ela assim, fico triste, mas ao mesmo tempo muito orgulhosa. Ela foi muito guerreira e está super certa de ter pensado nela mesma. Tem que pensar nela em primeiro lugar. Para fazer ginástica, você tem que estar concentrada, pensando em você. Se você tem a cabeça boa, o corpo bom, vai fazer direito. Um passinho de cada vez, ela vai voltar, arrasar com todo mundo de novo e é isso aí — brincou Rebeca.
Já no fim da entrevista coletiva, ela contou que não acompanhou as notas das adversárias e preferiu se concentrar nas suas performances. Enquanto ainda lamentava as pisadas fora da marcação na apresentação do solo, só percebeu que estaria no pódio com a empolgação repentina de seu médico e do treinador Francisco Porath Neto, que foram às lágrimas.
— Eu sei que (a medalha) é importante por todas as gerações que já passaram, as meninas que já desejaram muito isso, por mim também. É um orgulho estar com essa medalha aqui, e ela não é só minha. As meninas são incríveis comigo, uma família que não é de sangue. A dimensão dela é saber que todas elas estão sendo representadas aqui, no meu coração e na minha cabeça — encerrou.