A Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS) suspendeu temporariamente o cronograma dos chamamentos públicos que previam a transferência da gestão das quatro Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da capital para Organizações Sociais de Saúde (OSSs). A decisão foi oficializada por meio da Portaria nº 118/2025, publicada em edição extra do Diário Oficial do Município (DOM) na quinta-feira 4.
De acordo com o texto, a interrupção busca assegurar “a adequada condução do procedimento de seleção” e permitir o desenvolvimento de uma “solução técnica consensual” junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE/RN). O objetivo, segundo a SMS, é resguardar segurança jurídica, eficiência administrativa e economicidade. Um novo cronograma será divulgado após a conclusão desse processo.

A Prefeitura publicou uma nota informando que busca diálogo permanente com o TCE. “Natal será uma das últimas capitais do Nordeste a adotar o modelo. De acordo com a SMS, a cogestão nas UPAs poderá gerar uma economia entre R$ 15 milhões e R$ 18 milhões por ano, além da melhoria no atendimento à população, maior agilidade nos processos, segurança nos dados e no abastecimento de insumos”, diz a nota.
Conforme a gestão municipal, a proposta de terceirização também contempla investimentos em infraestrutura e aparelhamento. Todo o material adquirido durante a vigência dos contratos será incorporado ao patrimônio do Município, com controle e registro realizados pelo setor de tombamento da Prefeitura.
“Desde o início, a Prefeitura tem buscado entendimento com a Corte de Contas. O diálogo avançou no intuito de avaliar e eventualmente aprimorar pontos relacionados ao novo processo de contratação de gestão das UPAs, com um novo cronograma para o procedimento. A decisão de adesão ao modelo de cogestão para a capital potiguar ocorreu após constatar o sucesso e os bons resultados para a população em outros Estados e cidades do país”.
No início desta semana, o Ministério Público de Contas (MPC/RN) recomendou a suspensão da terceirização das UPAs Potengi, Pajuçara, Cidade da Esperança e Satélite. No parecer, o órgão apontou ausência de estudos técnicos consistentes, risco de antieconomicidade e relatou problemas estruturais graves nas unidades, além de denúncias sobre falta de insumos e equipamentos.
Antes da suspensão oficial, o secretário municipal de Saúde, Geraldo Pinho, havia afirmado que a recomendação não inviabilizava a iniciativa. “Foi uma recomendação. Não é decisão final. Está seguindo. E aí vamos esperar a decisão final do relator. Para a gente poder realmente, de fato, começar com tudo legalizado”, disse. Segundo ele, a previsão de início da cogestão em 15 de setembro estava mantida.
Geraldo Pinho também defendeu o modelo das OSSs, afirmando que ele já está em prática em 19 estados. “Até na recomendação, mostra que hoje é o tipo de gestão e de contrato mais utilizado pelo serviço público. Pela dinamicidade que dá, pela quebra da rigidez que a máquina pública tem. Ela mesmo reconhece isso no clarecer. E acredito e tenho certeza que o relatório final do conselheiro será favorável à implantação das OSSs”, declarou.
Com a suspensão, Natal adia a implementação do modelo de cogestão. Quando anunciou a terceirização, o prefeito Paulinho Freire (União Brasil) prometeu mais eficiência e transparência. “A gente não está inovando. Isso já acontece em quase todo o Brasil, inclusive no Piauí, Ceará, Bahia. E é o que tem dado certo no país”.
Conselheiro do TCE vota para suspender contratos de terceirização
O conselheiro relator do processo que tramita no TCE, Marco Antônio Montenegro, votou para suspender os contratos de terceirização da gestão das UPAs. O voto foi publicado na manhã desta sexta-feira 5 e ainda será analisado pelos demais conselheiros da Primeira Câmara.
A decisão se baseia em falhas nos “Estudos Técnicos Preliminares” (ETPs) que fundamentaram os chamamentos públicos. Segundo o relator, os documentos contêm generalidades e não apresentam dados concretos que demonstrem vantagem econômica ou melhora na qualidade dos serviços.
Entre os pontos apontados estão a ausência de memória de cálculo, de planilhas de custos e de comparativos com a gestão pública direta. Também não há indicadores atuais — como tempo de espera, taxa de resolutividade e custo por atendimento — confrontados com projeções do modelo terceirizado.
As justificativas, de acordo com o relator, se limitam a afirmações genéricas sem comprovação prática. O modelo de pagamento previsto nos editais — 80% fixo e 20% variável — foi considerado incompatível com o artigo 12, §1º, da Lei nº 9.637/1998, por não vincular o desembolso à estrutura real de custos.
Um parecer técnico do próprio TCE, publicado no mês passado, já recomendava a suspensão imediata dos editais até o julgamento final. O documento alertava para a falta de transparência, a ausência de estudos econômicos detalhados e a não participação do Conselho Municipal de Saúde.
Caos na saúde
Desde 1º de setembro, a população tem sentido na pele a crise que está em curso na saúde em Natal. Reportagens locais mostraram que o atendimento nas UPAs não está se dando de maneira adequada, com a falta de médicos e longas esperas.
Isso porque uma greve dos médicos foi iniciada após aprovação em assembleia do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte (Sinmed‑RN). O movimento ocorre em protesto contra a substituição da Cooperativa Médica do RN (Coopmed‑RN) por duas empresas terceirizadas — Justiz e Proseg — em um processo de dispensa de licitação estimado em R$ 208 milhões para um ano de prestação de serviços médicos.
O Sinmed-RN alega que os contratos fechados com a Justiz e a Proseg são ilegais e tem orientado médicos a não trabalharem para as novas empresas – que tentam absorver os profissionais da Coopmed nos novos contratos e escalas.
A Prefeitura do Natal obteve aval judicial em segunda instância para seguir com a contratação dessas empresas, após questionamentos judiciais e pedido de republicação do edital.
A Secretaria Municipal de Saúde condena a greve e acusa o Sinmed‑RN de promover um “movimento irresponsável e orquestrado” que exerce “coação” sobre médicos dispostos a migrar para os novos contratos, prejudicando o atendimento ao cidadão.
Segundo o secretário Geraldo Pinho, os médicos estão sendo ameaçados com eventuais retaliações junto ao Conselho Regional de Medicina (Cremern) caso interrompam a paralisação.
A Prefeitura também ressalta que a formalização dos novos contratos corrige a precariedade jurídica da Coopmed, que atuava sem contrato formal desde junho de 2023.