RIO – Nos anos 1970, quando já era uma escritora aclamada, Clarice Lispector não deixou de se dedicar a um ofício que a acompanhava desde o início da sua carreira literária: a tradução. Só entre 1974 e 1976, um ano antes de sua morte, a autora verteu mais de 30 títulos para o português, incluindo obras clássicas da literatura universal. Em seis casos, entretanto, Clarice não só traduziu como adaptou os textos para o público jovem. Trabalhos menos conhecidos da autora de “A hora da estrela” e “A paixão segundo G.H.”, esses livros estão sendo reeditados na coleção “Os favoritos”, da Rocco Jovens Leitores. “Tom Jones”, de Henry Fielding, um clássico da literatura inglesa do século XVIII, acaba de ser lançado, fechando a série que inclui ainda “Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift, “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, e “A ilha misteriosa”, de Julio Verne, entre outros.
— Clarice já era autora de romances e contos no Brasil e no exterior e de traduções premiadas. Assim, recontar os textos em português, alguns escritos há mais de 200 anos, requeria esta habilidade. São livros que fazem parte do inconsciente coletivo universal — afirma Ana Martins, gerente da Rocco Jovens Leitores
Ana acredita que adaptar textos escritos há muito tempo é uma forma de aproximá-los de novos leitores.
— Seria muito difícil para o público absorver textos com uma linguagem erudita e arcaica nos dias de hoje, refletindo palavras em inglês ou francês que nem os que têm estes idiomas como originais entenderiam sem a adaptação — diz.
Dos clássicos adaptados por Clarice, “Tom Jones” é o menos conhecido do público brasileiro. Considerada por vários estudiosos como o primeiro romance moderno, a obra foi publicada por Fielding em 1749 e traz a história de um jovem bastardo que aparece na casa do Sr. Allworthy, um viúvo rico que decide abrigá-lo. Com o tempo, Allworthy vai se afeiçoando pelo rapaz, a quem trata como um filho. Contudo, Tom enfrenta uma série de percalços. A inveja e a hipocrisia de familiares, vizinhos e amigos são os seus maiores adversários. Ana aponta alguns elementos que permitiram à obra atravessar os séculos:
— “Tom Jones” cativa por sua ironia, a caracterização de época e a jornada do protagonista em busca da felicidade.
Na adaptação, Clarice manteve o tom bem-humorado e os comentários direcionados ao leitor. Logo no início, Fielding deixou um recado, pela voz do narrador, a quem quisesse se aventurar na leitura: “antes de prosseguirmos, acho bom avisar que pretendo fazer dessa história o que bem entender. Eu a conheço inteira e dela posso ser o melhor juiz. Os críticos que tratem de sua vida e não se metam em negócios ou obras que não lhes dizem respeito”.
