Donald Trump pode ser o primeiro ex-presidente dos EUA indiciado por um crime. Mas não por tentar reverter o resultado das eleições de 2020 ou por incentivar um ataque ao Congresso, e sim por um caso que envolve a compra do silêncio de uma atriz pornô.
No fim de semana, ele afirmou que soube por meio de vazamentos que seria preso nesta terça-feira (21) e convocou protestos, o que foi visto com receio por autoridades. Mas Trump não seria a primeira pessoa a ser presa após chegar ao cargo máximo do Executivo do país: em 1872 um policial desavisado deteve o então presidente Ulysses S. Grant por correr demais com seu cavalo em Washington.
Entenda a seguir o que pesa contra Trump.
Por que Trump pode ser indiciado?
O ex-presidente pode ser indiciado por um episódio que o assombra desde 2018: supostamente ter falsificado registros de sua empresa ao pagar US$ 130 mil pelo silêncio de uma atriz pornô, Stephanie Clifford, mais conhecida como Stormy Daniels.
Trump nega ter tido relações sexuais com Daniels. O pagamento foi feito por Michael Cohen, então seu advogado, em 2016, na reta final da campanha daquele ano, que levou o republicano à Presidência após uma vitória contra a democrata Hillary Clinton.
Já na Casa Branca, em 2017 Trump assinou cheques reembolsando Cohen, e o valor foi lançado nos relatórios das Organizações Trump como gastos com despesas jurídicas.
O caso já havia sido analisado por procuradores federais em 2018, quando todo o escândalo veio à tona, bem como o de outra modelo que teria recebido US$ 150 mil para não revelar uma relação com Trump.
Os investigadores consideraram o episódio uma violação das regras de financiamento de campanha, e Cohen se declarou culpado. Procuradores chegaram a escrever que o advogado “agiu em coordenação e sob direção” do então presidente, mas Trump nunca foi processado.
Em 2021, o caso foi retomado por um promotor de Manhattan, Mark Pomerantz, que quis investigar a violação de leis estaduais de Nova York pelas Organizações Trump ao falsificar os registros comerciais da empresa, mas foi abandonado.
Agora, foi retomado mais uma vez, pelo promotor Alvin Bragg, o que rendeu o apelido de “caso zumbi”. Até aqui, porém, não se sabe de quais crimes exatamente a promotoria pode acusá-lo.
Trump pode ser preso?
Pode, mas ainda não há indícios de que isso deve acontecer além de uma mensagem do próprio ex-presidente convocando protestos. Em duas publicações, o republicano afirmou que os EUA agora estão no “Terceiro Mundo” e repetiu a afirmação, falsa, de que as eleições foram roubadas. “Proteste, retome nossa nação”, pede ele, ao final da publicação, em caixa alta.
Se for indiciado, terá que comparecer à promotoria de Nova York para ouvir as acusações e ser fichado, com suas impressões digitais coletadas. Um advogado de Trump afirmou que o ex-presidente não vai resistir a ir a Nova York. Segundo a Bloomberg citando fontes envolvidas no processo, ele poderia ser mantido sob custódia do Serviço Secreto dos EUA, que já faz sua segurança, e não apareceria em frente a câmeras com algemas nem seria colocado em uma cela.
Haverá grandes protestos?
A mensagem de Trump no fim de semana foi lida como preocupante e uma tentativa de convocação para um novo 6 de Janeiro. As autoridades estão reforçando os esquemas de segurança, mas, até aqui, não se sabe se a situação vai se escalar como ocorreu em 2021.
Na segunda (20) e nesta terça, houve um pequeno número de manifestantes em frente ao Trump Hotel e à promotoria de Nova York. A polícia cercou a promotoria com grades e instalou câmeras de vigilância nas ruas. Em Washington, a Polícia do Capitólio também reforçou o esquema de segurança, mas afirmou que não tem indícios de manifestações de massa na capital. Também houve alguns manifestantes em frente ao resort de Mar-a-Lago, na Flórida, onde vive o republicano.
O presidente da Câmara, Kevin McCarthy, apoiador contumaz de Trump e que tem criticado abertamente o processo em Nova York, tentou acalmar os ânimos.
“Não acho que as pessoas deveriam protestar por isso, não, queremos calma”, disse em encontro de membros do partido na Flórida no fim de semana.
Ele também tentou diminuir a gravidade da mensagem de Trump, afirmando que o ex-presidente “não está falando de [protestar de] uma maneira perigosa, e ninguém deveria”.
Quão grave é o caso?
Embora o descumprimento das regras de financiamento de campanha seja considerado um crime grave, o caso chamou atenção porque é muito mais banal do que as outras investigações que recaem sobre o ex-presidente.
Trump é investigado pelo Departamento de Justiça por sua participação na convocação dos protestos que levaram à invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Também é alvo de apuração por tentar reverter a vitória de Joe Biden na Geórgia na eleição de 2020 o que pode lhe render outro indiciamento criminal em breve. Enfrenta ainda apurações sobre o sumiço de documentos ultrassecretos da Casa Branca após deixar a Presidência.
Pesquisa da Reuters e do Instituto Ipsos com mil americanos nesta terça apontou que 70% dos entrevistados consideram críveis as acusações que envolvem o caso de pagamento à atriz pornô.
Quem decide se será indiciado?
Trump pode ser indiciado por um grupo chamado “grand jury”, que é uma espécie de júri popular, formado por pessoas da sociedade local, que não tem o poder de condenar ou absolver alguém, mas analisa as provas apresentadas por um promotor e determina se há evidência suficiente para seguir com o processo criminal. Esses júris em Nova York são formados por 23 pessoas, e as audiências não são públicas.
Quais as implicações políticas?
São muitas. Trump é pré-candidato à eleição à Casa Branca no ano que vem e até aqui favorito a obter a indicação do Partido Republicano. Em campanha aberta pelos Estados Unidos, ele tem 46% das intenções de voto entre os republicanos hoje, a um ano e meio do próximo pleito, contra 32% do seu principal adversário, o governador da Flórida, Ron DeSantis, segundo pesquisa Quinnipiac da última semana.
A ação galvanizou apoio a Trump mesmo entre adversários dentro do partido. Mike Pence, que foi seu vice e com quem vinha trocando rusgas desde que deixaram o poder, afirmou que o caso em Nova York tem motivações políticas.
DeSantis, visto como inimigo por alas trumpistas, afirmou que o promotor do caso é financiado pelo filantropo bilionário George Soros e que está perseguindo uma agenda política. Contudo, DeSantis também alfinetou o adversário ao dizer que não sabe “o que envolve o pagamento para silenciar uma estrela pornô por algum tipo de suposto affair” e que tem “problemas de verdade para lidar na Flórida”, o que gerou ataques de Trump e auxiliares.
O caso também gerou reação na Câmara, controlada pelos republicanos. O Comitê Judiciário da Casa enviou carta à procuradoria de Manhattan pedindo todas as comunicações e documentos do caso, e deputados afirmam que vão requisitar um depoimento do promotor no Parlamento para explicar o caso. Essa reação gerou críticas porque o Congresso não teria poderes para investigar a promotoria de Nova York, que não recebe recursos federais.
Trump também se aproveitou da situação ao pedir doações de apoiadores para enfrentar o processo.
THIAGO AMÂNCIO – WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS)