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Cultura

Roda de samba celebra vozes femininas em Natal: “Movimento de resistência”

Nova temporada do “Samba de Arruar”, liderado por Valéria Oliveira, estreia neste sábado 5
Redação
03/07/2025 | 05:04

“Samba de Arruar” chega com uma proposta que vai muito além da música. Idealizado por Valéria Oliveira, cantora e compositora potiguar com sólida trajetória na cena cultural, o projeto ocupa espaços urbanos com rodas de samba democráticas e potentes.

Na nova temporada, que estreia no Largo do Ruy Pereira, na Cidade Alta, Valéria reafirma seu compromisso com a representatividade feminina e a valorização dos artistas locais – sempre com o samba como fio condutor.

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Valéria Oliveira e convidados levam ao Largo do Ruy Pereira, Cidade Alta, um samba que resiste, inclui e transforma. Foto: Brunno Martins

Em entrevista ao AGORA RN, a artista compartilha as inquietações que a levaram a criar o projeto, fala sobre os desafios enfrentados por mulheres no universo do samba e reforça o papel transformador da arte. “O samba é, por essência, um espaço de liberdade e acolhimento”, diz a artista, que vê na ocupação da Cidade Alta um gesto político.

Ao lado do cantor Kelliney Silva e de uma banda formada por músicos locais, Valéria interpreta obras de grandes compositoras brasileiras, como Leci Brandão, Dona Ivone Lara, Mart’nália, Marina Íris e Khrystal. A programação conta com a batucada vibrante do bloco Aff Marias, além das participações especiais da cantora e ativista Dani Negro, do multi-instrumentista Diogo Guanabara e da artista e educadora Rouxinol – com produção de Mônica Mac Dowell.

Confira a conversa:

AGORA RN – Como surgiu a ideia de criar o Samba de Arruar?

Valéria Oliveira – A ideia surgiu em 2023, ao ver rodas de samba no Rio de Janeiro e pensar: como mulher, cantora, compositora e musicista que propaga o samba potiguar dentro e fora do nosso estado, preciso realizar uma roda assim – espontânea, frequente – algo que o Cores do Nosso Samba, por exigir uma estrutura maior, não permite com tanta regularidade.

O Samba de Arruar nasceu de várias inquietações. Uma delas: a necessidade que muitas artistas potiguares sentem de alcançar novos públicos. E, muitas vezes, só contamos com a gente mesma para isso. Somos nós que buscamos apoio, cantamos, convidamos o público… tudo depende da nossa própria disposição. E tem que ser muita, viu?

Circular com o Samba de Arruar por diferentes bairros responde a essa urgência, mas também a outra: a falta de eventos populares de qualidade e protagonizados por artistas potiguares nos espaços públicos. Persistimos na ideia de que o potiguar pode – e deve – se reconhecer em seus artistas. Quantas vezes, no Alecrim, alguém viu um artista importante da nossa cidade pela primeira vez na vida? Várias.
E tem o samba, né? O samba é isso: reunir. Reunir artistas da nova geração, sambistas, pessoas — e celebrar a nossa voz.

AGORA RN – O projeto tem um forte enfoque na representatividade feminina e na diversidade. Como você vê o papel das mulheres no samba potiguar hoje, e quais desafios ainda precisam ser superados?

Valéria Oliveira – Entre 2021 e 2023, eu e as parceiras do coletivo Mulheres na Roda de Samba Natal nos mobilizamos para reunir musicistas e cantoras e encabeçar o Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba – um movimento importante, que chega à sua 8ª edição neste ano. Foi um desafio grande. Ainda é visível a escassez de mulheres tocando certos instrumentos no samba, como cavaquinho, 7 cordas, repique de anel, cuíca, surdo…

Com essa vivência, ganhamos mais consciência do nosso papel como artistas-produtoras. Hoje, buscamos agregar mais mulheres às nossas bandas, aos bastidores, aos projetos – ensinando, compondo, tocando, cantando. Essa consciência está no ar. E, felizmente, temos estado mais próximas, colaborando mais e competindo menos. Isso é muito positivo. Mas ainda há muito a fazer – especialmente na área da formação.

AGORA RN – O evento será na Cidade Alta. É importante que projetos assim ocupem esses espaços?

Valéria Oliveira – Com certeza. A Cidade Alta já tem movimentos culturais bonitos como o Choro do Caçuá, Quarta Autoral de Cida Lobo e o Quinta que te Quero Samba, por exemplo, que também vêm contribuindo para revitalizar o Centro com arte, afeto e uma assinatura autoral. O Samba de Arruar se soma a esse movimento de resistência, de ocupação simbólica e real.

É um bairro que precisa de mais cuidado, investimento, iluminação, proteção. Levar arte, alegria e poesia pra lá é colocar gente circulando, vivenciando o Centro, que guarda um patrimônio histórico belíssimo – mesmo meio esquecido.

Espero que a comunidade e os comerciantes venham nos visitar no Samba de Arruar e possam desfrutar de um pouco de arte e lazer, como aconteceu no Alecrim.

AGORA RN – Dani Negro traz para a roda sua trajetória como ativista e artista LGBTQIA+. Como você acredita que o samba pode ser um instrumento de luta por inclusão e representatividade?

Valéria Oliveira – O samba sempre foi instrumento de luta. Ao longo do tempo, acompanhou as demandas sociais de cada geração. Sempre esteve ligado ao combate ao racismo e à intolerância religiosa, hoje, por exemplo, está ligado também a pautas como o combate à homofobia, à transfobia, e à luta das mulheres por equidade de espaços e salários. Ouvir as vozes de artistas ativistas como Dani Negro e Rouxinol na roda é potente e necessário.

O samba está – ou deveria estar – conectado à justiça social. Ele é, por essência, um espaço de liberdade e acolhimento. Um lugar onde vozes diversas se expressam: no canto, no toque do atabaque, na força coletiva. É luta e celebração ao mesmo tempo.

AGORA RN – O que você diria para quem nunca participou de uma roda de samba e tem curiosidade sobre o Samba de Arruar?

Valéria Oliveira – Ahhh… A roda é um lugar mágico! A gente se irmana, canta junto, se emociona, se olha, se abraça. O Samba de Arruar é um encontro bonito e afetuoso. A gente sempre sai de lá melhor do que chegou.

É uma roda democrática, onde artistas se sentem acolhidos. É descontraída, mas com qualidade técnica – os músicos e musicistas arrasam! Começa cedo, é gratuita, e só acontece graças aos parceiros que acreditam no projeto.

Venham ouvir a gente e também: o Coletivo Aff Marias, Dani Negro, Diogo Guanabara e Rouxinol. Um salve a todos os artistas e parceiros que estão conosco nessa temporada! l