“Não faz nem cosquinha”.
A expressão de incredulidade é de Saulo Fernandes, um motorista de Uber de Natal, dono de um carro com apenas 60 mil quilômetros rodados, que ele conseguiu comprar de um aposentado, e movido a gás, como o da maioria de seus colegas.
Não faz nem cosquinha, nesse caso, é a proposta de regulamentação de direitos trabalhistas de prestadores de serviço por aplicativos como motoristas e entregadores, em fase final de elaboração no governo.
Mantêm os trabalhadores como autônomos, mas cria uma contribuição obrigatória para a Previdência tanto dos trabalhadores como as plataformas.
Em média, Saulo consegue levantar R$ 250,00 por dia depois de uma jornada de 12 horas de trabalho. “Trabalharia mais, mas o Uber não deixa”, ele completa.
O projeto prevê um piso por hora rodada, que seria de R$ 30,00 para motoristas e de R$ 17,00 para entregadores. O cálculo foi feito para ser equivalente a um salário-mínimo proporcional às horas trabalhadas.
“Para nós, motoristas de aplicativo, não faz sentido nada que seja menor a R$ 70,00 por hora rodada”, adianta Saulo, uma vez que o projeto não relaciona o ganho dos profissionais ao período logado no aplicativo e sim à quantidade de quilômetros percorridos com passageiros.
Um dos problemas é que os trabalhadores, especialmente os entregadores, queriam exatamente o contrário: uma regulamentação pela hora em que o motorista estivesse logado na plataforma e não por hora rodada – mas o governo já avisou que não haverá essa cobrança.
Fernando Ferreira, mototaxista de Natal, que só consegue rodar 14 horas por dia para tirar R$ 500,00 por semana porque trabalha para duas plataformas (Uber e 99), diz que o valor para conseguir sobreviver estaria entre R$ 21 a R$ 25,00, e não R$ 17,00 como quer o governo.
“É muito perigoso trabalhar assim”, ele resume enquanto ele tenta cochilar uns minutos à espera de uma chamada.
Para definir a cifra que os trabalhadores dessas categorias receberão, o governo considerou 176 horas mensais, incluindo o descanso remunerado e os custos operacionais dos prestadores, com o meio de transporte, veículo e motocicleta, e combustível.
O desenho da regulamentação prevê recolhimento de 7,5% dos trabalhadores para a Previdência. Já as empresas pagarão 20%.
No caso dos motoristas de aplicativo, os percentuais vão incidir sobre 25% do valor repassado a eles pelas empresas, o que representaria o rendimento efetivo do trabalhador.
Tomando o valor da hora trabalhada de R$ 30,00, que são os motoristas de aplicativos, a contribuição vai incidir sobre R$ 7,50.
Já no caso dos entregadores, o governo quer estipular como base de cálculo 50% do ganho. Neste caso, a alíquota incidiria sobre R$ 8,50, considerando o valor da hora de R$ 17.
Representantes dos trabalhadores e das plataformas querem que seja adotada a mesma base de cálculo para todos. As empresas alegam que motoristas também fazem entregas. Outro argumento é que, como os entregadores ganham menos em relação aos motoristas, proporcionalmente, eles pagarão mais para a Previdência.
O governo defende que isso pode gerar um descasamento entre receitas e despesas com benefícios da Previdência. Com o recolhimento, os trabalhadores passam a ter acesso a todos os direitos relativos ao INSS, como aposentadoria.
Caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidir, e só depois o projeto será enviado ao Congresso.
A alíquota de 7,5% para o trabalhador ficou acima do percentual cobrado do microempreendedor individual (MEI), que é 5%, para evitar o descasamento das contas da Previdência no futuro.
O valor é o mesmo do piso de contribuição do assalariado. A estimativa é que existam 1,5 milhão motoristas de aplicativos e 300 mil entregadores ativos em todo o país.
As empresas insistem que os operadores de logística, como motoboys de uma empresa de transporte, por exemplo, fiquem de fora das novas regras, com o argumento de que são assalariados. Mas boa parte está na informalidade, argumenta o governo.
*Publicado originalmente na edição impressa do AGORA RN desta sexta-feira, dia 13 de outubro de 2023.