O aumento dos casos de intoxicação por metanol no Brasil tem gerado preocupação entre autoridades e consumidores. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 200 casos já foram notificados, com 15 mortes – sendo duas confirmadas. Os registros estão espalhados por cinco estados, com a maioria em São Paulo.
Coordenador da Liga Acadêmica de Toxicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o professor Herbert Sisenando alerta que, para o consumidor comum, é praticamente impossível perceber a diferença entre o etanol e o metanol tendo como base apenas aparência, cheiro e gosto. Por isso, ele alerta que a melhor forma de evitar o risco é redobrar a atenção com a procedência das bebidas, especialmente as destiladas.

O especialista recomenda observar elementos como rótulo, preço e efeito da bebida. “Se é um rótulo estranho, se é um rótulo mais simples do que aquele produto que você já consumia… se você encontra esse uísque com valor pela metade do preço, 40% do preço, 30% do preço… ou tem algo no gosto que é diferente, ou que o teor alcoólico está elevado… Isso é um sinal de alerta que aquele produto é adulterado”, afirmou, em entrevista ao programa Central Agora RN, da TV Agora RN.
Sisenando orienta o consumidor a dar preferência a locais de confiança, como bares e restaurantes conhecidos, e evitar comprar bebidas de origem duvidosa. “O que a gente passa para a população é que, em especial hoje, os produtos destilados, que se tenha cuidado no consumo, que se priorize locais de confiança”, afirmou.
Entre os sinais de alerta, o professor cita sintomas como dor de cabeça intensa, tontura, enjoo e alterações visuais após o consumo. “Qualquer sintoma relacionado a dor de cabeça, tontura, enjoo e em especial alguma questão visual, perturbação visual, procure uma unidade de saúde. Pode ser relacionado a uma ressaca normal, mas também pode ser um quadro inicial da intoxicação com metanol”, alertou.
Por que o metanol é tão perigoso
Sisenando explicou que o metanol é um álcool diferente do etanol, o tipo presente nas bebidas comuns. A principal diferença está na forma como o corpo metaboliza cada substância.
“Quando o organismo começa a metabolizar o metanol, os subprodutos desse metabolismo são muito mais tóxicos do que o do etanol”, afirmou. O corpo transforma o metanol em formaldeído e, depois, em ácido fórmico, substância extremamente nociva.
“O ácido formado pelo aldeído do metanol, que é o ácido fórmico, o organismo não aproveita. Pelo contrário, ele rejeita sob a forma de uma substância extremamente tóxica”, explicou. Segundo o professor, esse ácido tem “avidez para determinadas áreas do nosso organismo, em especial no sistema nervoso”.
Os efeitos da intoxicação podem variar desde dores de cabeça e náuseas até cegueira e coma. “O risco vai desde um quadro intenso, que vai evoluir para dores de cabeça muito intensas, que pode culminar com coma e tem como um dos reflexos mais ligados à intoxicação do metanol a cegueira”, detalhou.
Como o metanol chega às bebidas
O professor explicou que o metanol pode estar presente em bebidas por falhas na produção artesanal ou por adulteração criminosa. “A contaminação acidental ou natural por produção já existe”, disse.
O problema, segundo ele, é a adição deliberada da substância em bebidas caras, possivelmente ligada ao crime organizado. “Pela gravidade dos quadros e o consumo muito baixo das pessoas, o que se imagina é que possa existir a adição do próprio metanol”, afirmou. A Polícia Federal investiga se o produto usado para adulterar combustíveis também estaria sendo empregado em bebidas.
Ele relatou ainda que a Polícia Federal investiga a possível ligação entre adulteração de combustíveis e bebidas alcoólicas. “Um dos ramos da Polícia Federal tenta ver se esse metanol que era para adulterar combustível de posto está sendo utilizado na adulteração de bebidas, porque aí a gravidade aumenta.”
Ele recomendou que os bares e restaurantes intensifiquem a checagem da procedência dos produtos e comuniquem aos clientes essa preocupação. “Os próprios bares devem fazer uma campanha demonstrando que compram de distribuidores legalizados. Esses distribuidores dão toda uma chancela que aquele produto é original”, observou.
Sisenando defendeu também maior controle da Anvisa e do Ministério da Agricultura sobre a distribuição. “O medo dos órgãos de fiscalização é se eu não tenho uma indústria pirata jogando isso dentro da corrente de comércio tradicional. Aí eu tenho o cliente sendo enganado, o dono do bar sendo enganado, a distribuidora sendo enganada.”
Bebidas mais vulneráveis à adulteração
Sisenando afirma que as bebidas mais caras e destiladas são as mais visadas pelos criminosos. “A adulteração da bebida é feita principalmente para ter um ganho a mais de recurso. Então, geralmente as bebidas mais adulteradas são aquelas de preço mais alto: whisky, gin e vodka, especialmente de marcas caras.”
Ele lembrou que cachaças artesanais também exigem atenção, já que a destilação inadequada pode deixar traços de metanol. “Se o produtor da cachaça não exclui essa primeira leva do destilado, pode ter uma concentração pequena de metanol contaminando a cachaça.”
Em relação às cervejas, o professor tranquiliza: “A inserção da adulteração de cervejas, eu diria que seria um segundo plano. A gente teve um caso há alguns anos, dentro do processo de produção de uma cerveja artesanal em Minas, mas foi um caso pontual.”
Ele citou dados do setor que apontam que um quinto dos destilados vendidos no Brasil tem algum tipo de adulteração, embora nem sempre envolva metanol. “O que aconteceu nesse caso agora foi pontualmente essa inserção do metanol nessa adulteração, mas é um problema sério das bebidas destiladas”, pontuou.
Como o corpo reage ao metanol
O professor explicou que os sintomas podem surgir de forma rápida, dependendo do metabolismo da pessoa e da pureza do metanol consumido. “Vai depender muito de organismo para organismo… Tem pessoas que tomam uma dose e têm uma ressaca enorme no outro dia. Isso depende muito do metabolismo.”
Ele recomendou alimentação e hidratação antes e durante o consumo de álcool. “O alimento reduz a absorção do álcool e a hidratação aumenta a excreção. Então, você vai eliminar mais, vai absorver menos.”
Sisenando explicou também que o etanol e o metanol competem pelas mesmas enzimas do organismo — mecanismo que é usado inclusive no tratamento. “Dentro do protocolo do ministério, há administração de álcool medicinal para que ele faça uma competição com o metanol e evite que o metanol seja metabolizado a ácido fórmico.”