22/10/2020 | 05:47
A pandemia fez aumentar como nunca a parcela de jovens que não estudam nem trabalham, os chamados nem-nem. A população na faixa etária de 20 a 24 anos nessa situação subiu de 28,6% no último trimestre de 2019 para 35,2% no segundo trimestre deste ano, o maior patamar já visto e o maior avanço já registrado, especialmente em um intervalo de apenas seis meses.
Na faixa entre 25 e 29 anos, a população de nem-nem subiu de 25,5% para 33%, conforme informou ontem o colunista do GLOBO Ancelmo Gois.
“O problema está no mercado de trabalho, principalmente para os que estão se formando. Junta-se a crescente desigualdade educacional com a dificuldade dos jovens formados de se inserir no mercado de trabalho”, alerta o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, que fez o levantamento.
Mais informalidade
É isso que está acontecendo com o publicitário Paulo Ilarindo, de 27 anos, que procura emprego desde que se formou há dez meses. Ele diz que chega a enviar cerca de 30 currículos por dia para vagas na área de administração e promoção de vendas, mas até agora não conseguiu ser chamado para qualquer entrevista.
“Esse ano já não tenho mais esperança de encontrar uma vaga fixa. Quem sabe no período de extras para o Natal, eu consiga um emprego temporário. Mas uma oportunidade mesmo só vai vir quando a economia estiver mais estável. Ficou muito mais difícil buscar emprego na pandemia, já que muitas empresas só aceitam currículo on-line”, conta o publicitário, que mora com os pais em Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio.
O mercado de trabalho expulsou os jovens, e a parcela de nem-nem, aqueles que não estudam nem trabalham, chegou a níveis recordes. A parcela de estudantes não diminuiu, mas o emprego desabou. A proporção de jovens de 25 a 29 anos empregados caiu de 70,5% para 60,9% entre o último trimestre do ano passado e o segundo deste ano.
Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria, calculou o corte de emprego entre os jovens. Para os que têm entre 18 e 24 anos, a queda no emprego foi de 21,9% no segundo trimestre deste ano frente ao mesmo período de 2019. Na média, a perda foi de 10,7%:
“E ainda não sabemos como a pandemia vai afetar a evasão escolar, mas sabemos que a crise foi mais dura com os jovens mais pobres. De um ano para cá, a cada três jovens trabalhando, um perdeu o emprego. O que preocupa é como reinserir esse jovem no mercado”.
Analistas preveem que a informalidade, que já era alta e crescente antes da pandemia, aumente ainda mais no ano que vem, quando o auxílio emergencial deve ser cortado. E os jovens são os principais candidatos à informalidade.
“Se entrar no mercado pela informalidade, vai ter mais dificuldade de conseguir um emprego formal, com prejuízo na renda futura”, prevê Xavier, explicando que o trabalhador informal tem renda menor e menos treinamento.
O economista da Tendências defende investimento maior em qualificação voltada para as necessidades do mercado, atrelando a formação com a demanda das empresas:
“Se avaliar o que o empregador vai precisar ali na frente, pode-se tentar cruzar a necessidade da empresa com a do trabalhador”.
Frequência escolar
O avanço dos nem-nem não foi por redução na frequência escolar. Pelo contrário, a escolarização aumentou no período, mas não conseguiu compensar o tombo no mercado de trabalho. Neri diz que os jovens conseguiram lidar melhor com o estudo digital, principalmente os mais velhos.
Entre 20 e 24 anos, a frequência subiu de 26,1% para 29,1%. De 25 a 29 anos, passou de 13,1% para 14,2%. Entre os adolescentes, o mesmo fenômeno.
“Se não tem emprego, o jovem continua a estudar. Já tem um bom manejo de internet e se saiu melhor que a faixa etária entre 6 a 15 anos no ensino virtual. Em termos de frequência escolar, o ensino juvenil foi menos afetado que o do grupo de crianças”, afirma Neri.
Na renda, os jovens também foram mais afetados. Os ganhos com o trabalho caíram 23,8% entre 20 e 24 anos. Na média, a queda foi de 15,4% entre o fim de 2019 e segundo trimestre de 2020.