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Sob o céu de Gostoso

Mostra de Cinema de Gostoso encerra edição marcada por reencontros, afeto e protagonismo potiguar

Entre a praia e a tela, festival consagra espaço para novos talentos e marca reencontro do público com a produção brasileira contemporânea
Nathallya Macedo
28/11/2025 | 09:17

A 12ª Mostra de Cinema de Gostoso terminou como costuma começar: com céu estrelado e uma sensação de que o cinema, ali, se vive de perto. Entre os dias 20 e 24 de novembro, São Miguel do Gostoso voltou a ser tomada por visitantes, realizadores e moradores que transformaram a Praia do Maceió em sala de exibição, ponto de encontro e, para muitos, espaço de reencontro consigo mesmos. Vivi essa edição não apenas como jornalista – mas como alguém que testemunhou uma comunidade inteira pulsar junto com o audiovisual potiguar.

Logo na abertura, que lotou a sala à beira-mar, ficou claro que esta seria uma Mostra democrática, afetiva e tomada de protagonismo local. Os primeiros títulos da Competitiva – Dia dos Pais, de Bernardo Abinader, e A natureza das coisas invisíveis, de Rafaela Camelo – ajudaram a compor o cenário, mas o que deu peso ao início do festival foi o público: produtores, estudantes, moradores, artistas e críticos dividindo a mesma areia e o mesmo entusiasmo. Entre eles, a presença luminosa de Tânia Maria – a Dona Tânia – homenageada por sua atuação em O Agente Secreto, filme dirigido por Kleber Mendonça Filho e cotadíssimo ao Oscar.

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Evento celebrado como Patrimônio Cultural reuniu artistas, moradores e visitantes em sessões lotadas. Foto: Divulgação

As manhãs e tardes foram marcadas por rodas de conversa, dessas que só acontecem quando se está perto o suficiente para encostar cadeira e perguntar sem cerimônia. Ali, estudantes e veteranos dividiam o mesmo círculo. E o sábado 22 se transformou no dia mais aguardado da programação com a sessão especial de O Agente Secreto, que levou o público para mais uma grande noite ao ar livre.

O reencontro de Matheus Nachtergaele com o RN

Entre os rostos dessa edição, um nome chamou atenção: Matheus Nachtergaele. Depois de 25 anos longe do Rio Grande do Norte, o ator voltou ao Estado movido por um desejo que ele chamou de “abstinência cultural”. Para mim, ele falou com entusiasmo sobre retomadas, raízes e o prazer de simplesmente ver filmes.

“Depois de fazer a minissérie A Muralha, eu vim ao Rio Grande do Norte visitar uma parte da minha família. Eu passei uns 20 dias lá em Genipabu”, lembrou, com nostalgia. Mesmo com o afeto, o retorno nunca encaixava na agenda – até agora. “Dessa vez eu me ofereci para vir para a Mostra”.

Vindo de duas novelas seguidas – Renascer e Vale Tudo – além da segunda temporada de Cidade de Deus e das gravações de O Auto da Compadecida 2, Matheus encarou o festival como respiro. “Eu senti muita saudade de ver cinema. Passei… quase dois anos sequestrado dos festivais de cinema, que eu adoro frequentar e perambular”, disse ele, encantado com a projeção a céu aberto: “Fiquei impressionado”.

O ator ressaltou a importância dos festivais como espaço democrático e diverso. “Eu acho que nos festivais a gente vê os melhores filmes mesmo do Brasil, porque nem sempre os melhores filmes são aqueles que conseguem adesão de bilheteria”, afirmou. Para ele, o Nordeste é força motriz do audiovisual brasileiro: “O Nordeste sempre é um manancial de arte para nós todos, e no audiovisual é talvez o produtor dos mais belos filmes”.

Nem faltaram elogios às atrizes potiguares que participaram de O Agente Secreto. Com humor característico, disse: “Dona Tânia é uma fofa. Praticamente uma bandida. Alice Carvalho eu conheço desde Renascer… E agora estou conhecendo essa figura que é a Tânia. Ela é divertida e está adorando essa aventura de estar num filme grande. Parece uma criança feliz”.

Dona Tânia e a força do afeto em cena

Se há alguém que sintetiza o espírito da Mostra, esse alguém é Dona Tânia. Figura querida do audiovisual potiguar, ela brilhou na sessão especial de O Agente Secreto, onde subiu ao palco ovacionada. “É um prazer imenso estar aqui. É muito importante esse filme, convide mais gente para assistir”, disse ao público.

Em conversa comigo, repetiu a doçura. “Foi muito emocionante. Adorei. Aqui no Gostoso é muito carinho”. Para ela, Sebastiana – sua personagem – é quase um espelho: “A minha vida, a vida de Tânia, é a vida de Sebastiana”.

Ao lado dela, Kaiony Venâncio também viveu seu momento de reconhecimento. Intérprete de um assassino de aluguel no longa, ele arrancou risadas ao contar bastidores das filmagens: “Tem um momento que eu fui gravar a cena do tiroteio e eu precisei ficar sozinho num banco. E o pessoal passava pra lá e pra cá e ninguém falava comigo. Então eu estava com uma cara bem assustadora”.

Kaiony ainda narrou, divertido, um encontro inusitado com Maria Fernanda Cândido num café da manhã de hotel. Mas seu olhar se volta menos para o glamour e mais para o caminho que deseja abrir. “Não é só para colher os louros. Eu estou aqui para abrir portas, tanto para o nosso Estado, quanto para todos os atores profissionais que trabalham atrás das câmeras”, disse, esperançoso de que o cinema brasileiro “consiga romper as bolhas”.

Um festival que pertence ao povo

Reconhecida este ano como Patrimônio Cultural, Turístico e Imaterial do Rio Grande do Norte, a Mostra confirmou que o evento é tão importante quanto suas ondas, seus ventos e sua paisagem. A cada edição, o festival aproxima realizadores e público, renova debates e fortalece a produção potiguar.

A impressão que fica – para quem vive de contar histórias e para quem apenas deseja vivê-las – é a de que Gostoso não faz apenas um festival, mas acolhe um rito coletivo. A Mostra terminou, mas a sensação de pertencimento permanece, persistente como o farol aceso na praia. Afinal, ali, entre mar e tela, o cinema continua sendo encontro. E sigo, ansiosamente, esperando o próximo.