O aplicativo chinês TikTok ganhou espaço de vez no Brasil em 2020. Com um formato baseado em vídeos curtos, sempre com muita música, dança e efeitos divertidos, a rede social virou febre entre adolescentes – e virou oportunidade de carreira. Alguns tiktokers, como são conhecidos os influenciadores da rede social, já são capazes de viver com o dinheiro que ganham por lá.
Para quem ainda está na labuta, a criatividade canalizada para criar conteúdo também vira ferramenta para bombar a própria carreira. E uma dessas estratégias começa a ganhar musculatura no Brasil: povoar casas e apartamentos com jovens criativos e bonitos, morando juntos, em busca de um lugar ao sol no mercado da influência digital.
Parece uma mistura de BBB com Malhação, mas o modelo surgiu nos Estados Unidos. Por lá, grandes mansões hospedam influenciadores locais, como a Hype House, de Los Angeles, criada em dezembro de 2019.
As versões nacionais ganharam algumas variações: em alguns casos, são mais parecidas com repúblicas universitárias – ou seja, nada de luxo. Em outras, o formato é de coletivo, com enfoque menor no imóvel. A ideia, porém, é sempre a mesma: somar forças para compartilhar fama e seguidores.
Uma dessas casas se chama Black House Brasil. Criada em novembro, ela nasceu com a ideia de reunir influenciadores pretos para não apenas alavancar as carreiras mas também aumentar a representatividade nas telas digitais. A iniciativa partiu de Bea Galhano, de 16 anos, que convocou em suas redes outros criadores para a iniciativa. Em menos de um mês, a conta da Black House ultrapassou a marca de meio milhão de seguidores no TikTok.
O coletivo tem hoje 15 pessoas, de diferentes Estados do Brasil. E o efeito também tem sido rápido para elas: ao entrar para a Black House, a influenciadora Sarah Gama tinha 250 mil seguidores e chegou a 507 mil.
Outra participante da casa, Mellanie Poca, saiu de 250 mil para 286 mil em poucas semanas. Tudo isso ocorreu apesar de terem ficado todos juntos presencialmente apenas uma vez, em uma temporada de quatro dias numa casa alugada em São Paulo – o formato de permanência varia nas casas brasileiras de tiktokers, e algumas operam com encontros curtos e específicos, chamados de temporadas.
“Fazer parte da Black House me trouxe mais responsabilidade profissional. Ajudamos uns aos outros para crescermos de verdade na internet”, afirma Mellanie, de 24 anos. Nascida em Foz do Iguaçu, no Paraná, ela está há três anos se dedicando às redes sociais, com foco em maquiagem, moda e autoestima – há cinco meses, ela se mudou para São Paulo com sua filha de 4 anos. “Produzir em grupo é diferente do que quando você está em casa gravando sozinho”, conta Mellanie.
Fora das temporadas, os membros da Black House se mantêm em contato pela internet para a produção de conteúdo e se organizam com reuniões semanais e cronogramas. Sem dar detalhes, eles dizem que já estão fechando contratos publicitários – a próxima temporada com todos os participantes deve ocorrer em janeiro.
“No primeiro encontro, tivemos de pagar o aluguel e alimentação do nosso próprio bolso, rachando entre todo mundo. Mas agora já estamos com mais visibilidade”, afirma o paulistano Abner Ramiro, de 23 anos.
Nice House Brasil
“Morei a minha vida toda com meus pais, nunca antes tinha morado com amigos – era no máximo uma praia de final de semana”, conta Lucas Leal, de 18 anos. O estudante de Santo André se mudou no final de outubro para a Nice House, uma casa de quatro andares em São Paulo que abriga outros 10 tiktokers. É um esquema de mansão que lembra programas da atual encarnação da MTV.
O imóvel tem cinco quartos, área externa e alguns cômodos especiais para a vida de criadores de conteúdo, como estúdio de dança e também de gravação. Desde a mudança, eles convivem 24 horas por dia entre paredes super coloridas, cruciais para a composição dos cenários dos vídeos. Como toda casa, há também tarefas de organização a serem cumpridas, como listas de quem vai cuidar do jantar e também ajudar na limpeza da semana.
Toda tarde, Lucas grava em média dois vídeos. As manhãs são reservadas para suas aulas de faculdade de publicidade, enquanto as noites são o momento de se virar nos 30 para fazer os trabalhos universitários. É uma rotina pesada, mas chegar até ali não foi fácil. Para morar na Nice House, ele participou do processo seletivo entre abril e outubro, totalmente remoto, competindo com 13 mil criadores de conteúdo. “Ser influenciador era um sonho, mas ao mesmo tempo uma ideia que você sabe que é difícil de dar certo. A Nice foi um atalho”, conta ele, que já tem 1,8 milhão de seguidores no TikTok e um contrato de seis meses com a casa. É um cenário bem diferente do começo da quarentena quando os vídeos com humor e dança eram apenas um passatempo que exercia na casa dos pais.
Business as usual
A Nice House faz mistério sobre o endereço da mansão – diz que é pela proteção dos influenciadores que moram lá. Mas sabemos que aqueles que estão por trás do projeto entendem de divulgação de conteúdo. São quatro empreendedores, todos com menos de 30 anos: Gustavo Meira, Victor Choi, Willian Amaral e Mari Galindo. Segundo eles, a Nice House foi fundada para conectar marcas com a geração Z no TikTok.
“Na prática, a gente quis unir pessoas talentosas em uma casa e ver o resultado. Fizemos todo o processo seletivo e escolhemos perfis diferentes, alguns mais voltados à comédia, outros a dancinhas e maquiagem, e depois alugamos a mansão”, conta o CEO da Nice House, Gustavo Meira, que tem 24 anos e já trabalhou na área de comunicação de empresas como XP Investimentos e Magazine Luiza. Ele explica que antes da mudança para a mansão, todos os tiktokers ficaram isolados em um hotel e depois foram testados para a covid-19.
O projeto já fez parcerias com marcas como Outback, Warner Bros e Lojas Americanas. Para darem conta da quantidade de conteúdo, a produção é diária e acontece sob os olhos do ‘patrão’. Choi, um dos idealizadores da Nice House, mora na casa e diz acordar às 5h da manhã para dar conta do seu trabalho. “Tenho o lado sócio e dono, mas também sou tiktoker e produtor de conteúdo, então me organizo para as duas coisas”, conta.
Reality show
Para especialistas, as casas de influenciadores são uma mão na roda para facilitar a rotina dessa nova profissão, que exige sempre vídeos e fotos novas. “A vida de um produtor de conteúdo acaba sendo isolada: diferentemente de outros trabalhos, você não fica em escritório ou em um coworking”, diz Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais.
E, em conjunto, aumentam também os estímulos à criatividade: “Juntos, eles podem trocar ideias e fazer testes de vídeos. A produção de conteúdo passa a ser quase instantânea”, afirma Felipe Oliva, cofundador da Squid, empresa especializada em marketing de influência. Foi algo que a Black House sentiu durante sua primeira temporada: os influenciadores não precisaram de programação alguma, porque as gravações aconteceram naturalmente.
Além disso, na visão de Inagaki, juntar influenciadores em uma casa tem um potencial forte de engajamento nas redes sociais. “Acaba virando um BBB da vida de um grupo de influenciadores. E reality shows têm repercussão”, diz. Assim como acontece no programa de TV, são frequentes as especulações de possíveis casais na Nice House, por exemplo.
Como todo reality show, porém, colocar jovens morando juntos em um mesmo espaço pode gerar tretas, além de comportamentos inaceitáveis. Para evitar esse tipo de coisa, a Nice House tem um código de conduta que prevê expulsão da casa em casos como racismo, agressão física e LGBTfobia.
Por enquanto, segundo os fundadores, tudo está correndo bem: “Já aconteceram alguns desentendimentos. Mas por coisa normal do dia a dia, como briga para ver quem vai lavar a louça, por bagunça, essas coisas”, conta Gustavo Meira.
As regras de comportamento são uma forma de evitar problemas que já aconteceram em projetos parecidos. A Play House Brasil, que soma 1,6 milhão de seguidores no TikTok e já fez uma temporada na praia, virou assunto na internet nesse último mês após brigas e problemas de convivência entre seus integrantes – desde o final de novembro, não foram feitas novas publicações no perfil da casa. Procurada pela reportagem, a Play House não respondeu a pedidos de entrevista. Já o TikTok não disponibilizou um porta-voz para falar com a reportagem.
Ainda que em um ambiente desses os relacionamentos possam sair dos trilhos facilmente, ele pode até oferecer um gostinho do que vem por aí. “Nosso sonho é criar um condomínio de casas cheias de tiktokers”, dizem os fundadores da Nice House. Pelo visto, o futuro será de cidades inteiras com a aura do BBB. E sem direito a discurso de eliminação.