Em parceria com a Merck, indústria química e farmacêutica fundada na Alemanha em 1668, a Green Hub, uma aceleradora de startups fundada em 2017, receberá até 13 de novembro inscrições para projetos ligados ao mercado da cannabis.
Todas as abordagens serão consideradas para efeito de apoio científico na captação de investimentos, contanto que não inclua os efeitos psicotrópicos da planta – também conhecida como maconha.
Nesta terça-feira 6, ao comentar a oportunidade desse segmento para os pequenos negócios na área de startups, o superintendente do Sebrae do RN, Zeca Melo, disse que, se o Congresso e o Poder Judiciário se entenderem sobre o tema, “não há porque ele não entrar no radar da instituição”.
Só nos últimos dois meses, a Justiça Federal do Rio Grande do Norte já concedeu quatro salvo-condutos para que pessoas façam uso da substância com fins medicinais durante o tratamento de doenças crônicas.
Esses habeas corpus preventivos permitem que as pessoas cultivem as plantas e as usem na fabricação de óleos sob orientação e supervisão.
Segundo Felipe Farias, presidente na Associação Reconstruir Cannabis Medicinal do RN, há uma forte tendência de se colocar a cannabis, no máximo, como produto isolado no SUS para acabar com a possibilidade do plantio no Brasil, o que baratearia um produto que nas farmácias pode chegar a R$ 2,5 mil o frasco.
“A idéia é que a própria Farmácia Básica do SUS possa plantar para fornecer à população de baixa renda. E que forneça um produto à base de CBD, isolado ou sintético, que a meu ver não é tão bom, pois não dispõe dos outros cannanidioides e flavonoides que fazem toda a diferença no tratamento dos pacientes”, opina Farias.
Segundo ele, o problema é que apenas uma empresa brasileira detém até agora o registro, criando o monopólio, o que ele considera outro perigo por ser notório o interesse da indústria farmacêutica nesse mercado bilionário.
Os debates
Um projeto de lei de 2015, apresentado na Câmara dos Deputados, previa em sua versão original apenas a regulamentação de medicamentos à base de cannabis no Brasil, e não a liberação do plantio.
De autoria do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), agora, numa versão mais ambiciosa, ele permite o cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, comercialização, importação e exportação de produtos à base de cannabis e cujos extratos poderão ser utilizados para fins medicinais, humanos ou veterinários.
Felipe Farias explica que foi criada uma comissão específica para tratar de um projeto substitutivo (alternativo), estabelecendo-se como consenso não combater a lei de drogas de 2006 para focar o debate apenas em cannabis medicinal e na cannabis industrial.
Ele lembra que existe hoje uma limitação de regras para o cultivo de biosegurança e rastreabilidade. “Foi criada uma regulamentação dizendo quem pode e onde cultivar, já que a planta que contém mais THC só pode ser reproduzida em locais fechados, “green houses”, monitoradas por câmeras, já que essa espécie tem interesse para o narcotráfico”, diz.
A mesma coisa já não acontece com o cânhamo, cujo cultivo pode ser extensivo, já que é matéria prima para o setor de cosméticos e medicinais pelo seu baixo teor de THC, podendo ser usado na fabricação de ração, tijolo e tecido.
São ao todo mais de 25 mil itens, entre alimentos, medicamentos, cosméticos, roupas, materiais de construção e biocombustíveis, que podem ser produzidos a partir da planta Cannabis nos países em que o mercado é regulamentado.
Há vários tipos de cannabis e cada uma tem uma finalidade diferente. O problema, alerta Felipe Farias, é que “tem se criado muitas ‘fake news’ sobre o assunto, que precisam ser desmentidas”.
E acrescenta: “A principal delas é que, como já existe cannabis nas farmácias, não é necessário nacionalizar o plantio, quando a esmagadora maioria das pessoas não tem dinheiro para custear tratamentos de mais de R$ 2 mil por mês por um único remédio”.
Números grandiosos
Estima-se que, hoje, mais de 30 países produzam o cânhamo industrial, tendo a China e a França na liderança. Nos Estados Unidos, a planta, legalizada em 2018, depois de 40 anos de proibição, já tem a sua situação definida em cada um dos 50 estados, entre a proibição, a legalização para fins medicinais e recreativos.
Negócio que movimentou US$ 18 bilhões só em 2018, segundo a consultoria norte-americana New Frontier Data, esse mercado inclue roupas, cosméticos e bicombustíveis.
A expectativa é que, correndo tudo bem com a chancela legal, nos próximos três anos, o Brasil possa movimentar R$ 4,6 bilhões, desde que barreiras culturais sejam superadas por parte das autoridades e parcela da população.
Atualmente, a legislação brasileira permite desde dezembro do ano passado apenas a importação e a produção para fins medicinais, salvo nos casos onde pessoas arranquem esse direito por meio de Habeas Corpus preventivos.
Como não é um jogo para pequenas empresas e nem médias, o que se tenta fazer agora é que elas possam atuar como facilitadoras, importando produtos e gerando serviços auxiliares, que não se envolvam diretamente na planta.
Para entender
THC (tetra-hidrocanabinol) e CBD (canabidiol). Essas duas substâncias atuam no sistema nervoso central, mas é a quantidade de THC que faz com que a maconha seja utilizada para efeito psicotrópico, aquela responsável pelo “barato”.
Já o cânhamo possui níveis muito baixos de THC – o cânhamo e a maconha vêm ambos da Cannabis sativa, mas modificações genéticas podem fazer a planta ter maior ou menor concentração de THC. E não se sabe exatamente a razão de sua proibição para fins industriais.
Tanto o THC quanto o CBD possuem uso medicinal, mas foi o CBD que se popularizou nesse mercado nos últimos anos por ser uma substância muito segura e dar origem a uma variedade imensa de produtos.
Hoje, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite hoje a importação de medicamentos à base de cannabis, a partir de prescrição médica e autorização, e também a importação de matéria-prima semielaborada para que empresas nacionais fabriquem produtos para fins medicinais.
Ainda segundo Felipe Farias, presidente na Associação Reconstruir Cannabis Medicinal do RN, o que todos os países estão fazendo agora é autorizar o cultivo para abaixar o preço e gerar economia, melhorando a oferta de empregos no mercado de trabalho. E esclarece: “a maconha continuará proibida no Brasil”.