José Dirceu, ex-presidente do PT e articulador do primeiro governo Lula, voltou a traçar reflexões políticas após decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou suas condenações na Lava-Jato. De olho em uma potencial candidatura em 2026, Dirceu retoma o protagonismo no debate partidário e estratégico.
Em entrevista ao jornal O GLOBO, Dirceu destacou que a recente vitória de Donald Trump nos Estados Unidos acende um sinal de alerta para a esquerda e para o governo Lula. Ele ressalta que, apesar das diferenças entre os contextos políticos dos EUA e do Brasil, a ascensão conservadora traz lições cruciais.
— Bolsonaro não é o Trump. Lula não é Biden nem Kamala Harris. Trump moldou o Partido Republicano ao seu jeito, mas nossa direita não é toda bolsonarista. Bolsonaro comanda o PL, mas outros partidos podem estar ou não ao seu lado. A esquerda precisa reagir, recuperar espaço, conectar-se com a juventude e modernizar sua mensagem — afirmou Dirceu.
Segundo ele, a eleição nos EUA mostrou que as disputas políticas hoje vão além do cenário econômico, com questões culturais e ideológicas ganhando destaque. Dirceu observa que Joe Biden conduziu um governo com resultados positivos, que deveriam refletir em alta aprovação, mas que não foi suficiente para manter seu partido no poder.
— Isso ocorre porque a direita tem se organizado intensamente. No Brasil, vemos o surgimento de movimentos voltados para mulheres e jovens, cursos e fundações conservadoras. Por outro lado, a esquerda não acompanhou esse ritmo de mudança — ponderou.
Dirceu também defendeu que a esquerda precisa encontrar um caminho que a reposicione sem perder sua essência. Em suas palavras, é necessário ter cautela com discursos que priorizam cortes de gastos de maneira indiscriminada, pois a política social e econômica deve servir à população e não sacrificar serviços essenciais.
— A esquerda deve ser coerente com seus princípios. Podemos buscar alianças amplas para vencer e depois dialogar com a centro-direita para governar, mas temos que manter nossa identidade. Fazer o ‘dever de casa’ não pode significar cortar comida, saúde e educação — argumentou.
Ele também expressou confiança de que a relação entre o Brasil e os Estados Unidos não será abalada pela volta de Trump, mesmo com Lula tendo demonstrado apoio a Kamala Harris. Dirceu acredita que as relações comerciais e os investimentos mútuos prevalecerão, destacando a pouca prioridade que os EUA tradicionalmente dão à América Latina.
— Os interesses econômicos falam mais alto e ambos os lados querem manter esses laços — concluiu o ex-ministro.
Renata Agostini – O Globo