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Agora RN Educação

Laboratório da UFRN garante acesso à leitura para alunos com deficiência

Setor adapta bibliografias completas e capacita estudantes em tecnologias assistivas, fortalecendo a política de inclusão da universidade
Fernando Azevêdo
18/10/2025 | 05:20

O Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) atua para garantir não apenas o acesso, mas a permanência de estudantes com deficiência na instituição. Por meio de tecnologias assistivas, uma equipe multidisciplinar adapta materiais de estudo e oferece treinamentos, viabilizando a leitura e a autonomia de alunos com limitações visuais, motoras ou de aprendizagem.

Funcionando desde 2011 na Biblioteca Central Zila Mamede, o laboratório converte textos para quatro formatos: PDF acessível para leitores de tela; formato ampliado, para pessoas com baixa visão; braille; e áudio com audiodescrição de imagens. O trabalho do laboratório é um dos suportes para a permanência de um público crescente. Atualmente, a Secretaria de Inclusão e Acessibilidade (SIA) da UFRN atende a 949 estudantes com necessidades educacionais específicas, dos quais 597 têm deficiência ou autismo.

Laboratório Acessibilidade UFRN Sidney Soares (95)
Laboratório da UFRN garante acesso à leitura para alunos com deficiência - Foto: José Aldenir / Agora RN

“O nosso público-alvo são pessoas com limitação na leitura”, diz a bibliotecária Érica Guerra, 46, coordenadora do setor. Ela cita como exemplos pessoas com deficiência visual, dislexia ou limitações físicas que atrapalhem o manuseio de livros.

Apesar de a equipe atender diretamente de 15 a 20 alunos por semestre, a demanda é considerada alta por Érica, pois envolve toda a bibliografia básica e complementar de cada disciplina. A equipe é formada por três bibliotecárias, uma programadora visual, dois técnicos especializados em braille e 18 bolsistas.

Segundo a bibliotecária Marjorie Amaral, 39, o processo começa com um parecer da SIA indicando as necessidades específicas de cada estudante. A partir disso, todo o material adaptado, de livros a slides de aula, é produzido e enviado diretamente ao aluno.

Além do material sob demanda, o laboratório mantém o Repositório de Informação Acessível, em que o aluno pode consultar 2.478 textos já adaptados, como artigos de periódicos e livros acadêmicos.

Exemplo mostra evolução da acessibilidade

O revisor de braille da UFRN Sidney Soares Trindade, 49, ajudou a instalar e configurar as máquinas do laboratório, onde trabalha desde sua fundação. Nascido cego, ele conta que foi o primeiro aluno com deficiência do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), onde se formou em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, em 2006.

Sua trajetória pessoal ilustra a evolução da acessibilidade no ensino superior. Quando concluiu sua graduação, o cenário era outro, sem o suporte que hoje ajuda a oferecer, ao adaptar conteúdos para estudantes que de outra forma não teriam acesso a eles.

“É gratificante perceber que as coisas estão mudando. Tinha um aluno aqui em 2002, que não sei como ele fazia para acompanhar o curso. Ninguém adaptava material para ele. Hoje estou aqui, fazendo pelos outros o que não fizeram por mim”, diz ele.

No IFRN, de apenas 23 alunos com deficiência matriculados entre 2000 e 2016, a instituição saltou para 2.966 entre 2017 e 2025, após a lei de cotas para pessoas com deficiência em instituições federais.

Novas ferramentas

Além de adaptar o material de estudo, o treinamento oferecido no laboratório é voltado para a autonomia do estudante. Sidney explica que um aluno pode chegar à universidade sem conhecimento de tecnologias assistivas ou mesmo do braille, às vezes por ter perdido a visão recentemente.

Cursos com muitos gráficos e cálculos, como Matemática, por exemplo, exigem capacitação. “Não tem como o leitor de tela ler uma curva de uma parábola. A gente tem que introduzir o sistema braille, ensinar a ele [o aluno] pelo menos o básico para que ele possa reconhecer o texto”, afirma o analista de sistemas.

Sidney lembra o caso de um estudante que, após perder a visão, ingressou na UFRN aos 47 anos. “Ele chegou aqui e não sabia nada [sobre o braille]. Hoje ele é formado em Gestão Hospitalar”.

“O estudante com deficiência é um aluno que tem suas obrigações como estudante, mas também tem o direito de ter algumas adaptações ou necessidades atendidas para que isso seja feito com qualidade”, afirma a professora Cida Dias, secretária de Inclusão e Acessibilidade da UFRN.

Iniciativas acessíveis

Para otimizar o trabalho do Laboratório de Acessibilidade, a UFRN integra e é uma das líderes da Rede Brasileira de Estudos e Conteúdos Adaptados (REBECA), que permite o intercâmbio de textos acessíveis com outras 19 instituições.

Uma iniciativa particular ocorre na Escola de Música, com o Setor de Musicografia Braille e Apoio à Inclusão (Sembrain), que adapta textos em linguagem musical para estudantes com deficiência visual.

“A UFRN é a única universidade do Brasil que oferta a musicografia braille como disciplina obrigatória”, destaca Sidney, explicando que o professor formado na instituição já sai preparado para ensinar a escrita musical para pessoas cegas.

Para Érica Guerra, o intuito do laboratório é desenvolver a autonomia dos usuários, e o papel dos setores de acessibilidade é primordial para a permanência dos alunos nos cursos.

“O primeiro aluno com deficiência de que se tem notícia no ensino superior [na UFRN] foi em 2002, e de lá pra cá muitas pessoas já se formaram, muitas pessoas já são concursadas. Temos professores de nível superior que são cegos aqui na UFRN, com doutorado, com mestrado na UFRN”, Sidney afirma.

A equipe do laboratório ainda avalia os sistemas antes de eles irem ao ar, para validar ou sugerir algumas modificações da acessibilidade. Além disso, há visitas guiadas com turmas da universidade, explicando sobre as tecnologias assistivas.

Inclusão em crescimento no RN

O trabalho do laboratório se insere em um contexto maior de avanços na educação inclusiva no Rio Grande do Norte. Graças a políticas de cotas, o Estado tem índices de inclusão de estudantes com deficiência no ensino superior que superam a média brasileira (0,9%). Na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), por exemplo, o percentual é de 2,34%.

O Estado instituiu uma lei de cotas para pessoas com deficiência em 2013, reservando 5% das vagas, três anos antes da inclusão deste público na Lei de Cotas federal, em 2016.

Nacionalmente, o número de matrículas de alunos com deficiência em cursos de graduação saltou de 33 mil em 2014 para aproximadamente 95 mil, segundo o Censo da Educação Superior de 2024. Contudo, o Censo revela que esses alunos ainda representam menos de 1% do total de matriculados no Brasil.

A Uern teve um crescimento de 365% no número de estudantes com deficiência entre 2013 e 2025, passando de 55 para 256 alunos. Atualmente, na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), há 155 alunos sendo atendidos pela Coordenação de Ação Afirmativa, Diversidade e Inclusão Social (Caadis).