O desembargador Dilermando Mota, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, rejeitou embargos de declaração apresentados pela Procuradoria da Câmara Municipal de Natal no processo que trata do pedido de cassação da vereadora Brisa Bracchi (PT).
A decisão, proferida na quarta-feira 19, mantém a exigência de que a Câmara observe o prazo mínimo de 72 horas para convocar sessões de julgamento, como prevê o regimento interno. A Casa tentava reduzir o período para 24 horas.

A Procuradoria argumentou que normas municipais não poderiam estabelecer prazos superiores aos previstos na legislação federal, citando a Súmula Vinculante 46 do Supremo Tribunal Federal. O desembargador rejeitou a tese e afirmou que a competência da União estabelece garantias mínimas que podem ser ampliadas pelos regimentos internos em favor do acusado.
Na decisão, o magistrado ressaltou que o prazo de 72 horas foi adotado pela Câmara em todos os atos anteriores e não pode ser modificado apenas no ato final. Ele classificou os embargos como “tentativa de rediscussão” do mérito, sem omissão, contradição ou obscuridade.
A Procuradoria também questionou se os prazos do processo estariam suspensos durante decisões judiciais e qual prazo deveria prevalecer, mas Mota esclareceu que esses pontos não fazem parte do objeto da ação, que trata exclusivamente da convocação irregular da sessão de julgamento.
A decisão é a quarta relacionada ao caso. A sessão que analisaria a cassação de Brisa Bracchi estava marcada para terça-feira 18, após a presidente da Comissão Especial Processante (CEP), Anne Lagartixa (Solidariedade), encaminhar na segunda-feira 17 o parecer do relator Fúlvio Saulo (Solidariedade) ao presidente da Câmara Municipal, Eriko Jácome (PP).
A sessão foi suspensa pelo desembargador plantonista Cornélio Alves, que considerou irregular a intimação da vereadora por descumprir o prazo mínimo de 72 horas.
Eriko Jácome remarcou o julgamento para quarta-feira 19, mas o juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública, Artur Cortez Bonifácio, também reconheceu o descumprimento do prazo mínimo e determinou nova suspensão. Ainda na quarta-feira 19, à noite, Dilermando Mota reforçou que qualquer nova convocação deve observar obrigatoriamente as 72 horas previstas no Regimento Interno e no Código de Processo Civil, apontando que a Câmara havia ignorado a decisão anterior do desembargador Cornélio Alves.
Entenda o caso
Brisa Bracchi é acusada de ter transformado um evento cultural bancado com emenda parlamentar em ato político-partidário. Ela destinou R$ 18 mil para o Rolé Vermelho, realizado em 9 de agosto, e dias antes publicou vídeo nas redes sociais afirmando que o encontro serviria para celebrar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para que a vereadora seja cassada, são necessários os votos de 20 de 29 dos vereadores da Casa. Dois vereadores estão impedidos de votar: a própria Brisa e o vereador Matheus Faustino (União), que foi o autor da denúncia. Neste caso, foram convocados os suplentes Júlia Arruda (PCdoB) e Albert Dickson (União). Júlia recusou a convocação – com isso, foi chamado o 2º suplente, Carlos Silvestre (PT).
Faustino diz que fala sobre “venda de sentença” foi mal interpretada
Autor da denúncia contra Brisa, Matheus Faustino divulgou uma nota pública para rebater a repercussão de sua declaração, feita na última terça-feira 18, durante entrevista à rádio 96 FM, quando afirmou que haveria “venda de sentença” caso a Justiça decidisse a favor da vereadora Brisa Bracchi (PT) no processo de cassação em curso na Câmara Municipal de Natal.
O parlamentar afirmou que suas palavras foram retiradas de contexto e que não acusou nenhum magistrado de prática ilícita. Faustino disse que sua fala “não teve o propósito de atribuir a algum juiz, de forma direta ou indireta, qualquer prática ilícita, especialmente o crime de venda de sentença”. Ele reforçou que, durante a entrevista, não citou nominalmente magistrados nem apontou decisões específicas como motivação da crítica.
A polêmica surgiu no momento em que o processo de cassação de Brisa enfrenta sucessivas suspensões judiciais por descumprimento dos prazos regimentais. Na entrevista, o vereador afirmou que, se a Justiça aplicasse simultaneamente prazos distintos — 72 horas para intimação, previsto no Regimento Interno, e 90 dias como limite final do processo, previsto no Decreto-Lei nº 201/1967 — isso configuraria uma “interpretação criativa” e poderia ser visto como favorecimento indevido.
Na nota, Faustino justificou que se tratava de “um cenário hipotético e abstrato”, relacionado às discussões jurídicas sobre qual norma prevalece nos casos de cassação de mandato. Segundo ele, a combinação de critérios distintos, adotando ora o Regimento Interno da Câmara, ora o Decreto-Lei 201, poderia gerar uma leitura social de que o processo estaria sendo direcionado.
Ele enfatizou que, na sua avaliação, o entendimento consolidado pela Súmula Vinculante nº 46 — segundo a qual o Decreto-Lei 201/67 é a norma aplicável nos processos de perda de mandato de vereadores — deveria ser observado. Para o parlamentar, eventuais interpretações que misturem regras distintas podem suscitar dúvidas sobre a lisura do procedimento.
Apesar do tom duro da entrevista, Faustino insistiu que não houve questionamento à integridade pessoal de magistrados: “Em nenhum momento houve afirmação de que qualquer magistrado responsável pelo caso teria conduta antiética, criminosa ou movida por interesses pessoais”, afirmou na nota.
O vereador também enquadrou sua fala no âmbito da liberdade de expressão política, prerrogativa que, segundo ele, protege manifestações incisivas no exercício do mandato eletivo. “A crítica foi dirigida ao critério jurídico que eventualmente viesse a ser adotado, e não à honra, reputação ou integridade de qualquer juiz”, escreveu.
Faustino ainda reafirmou “irrestrito respeito ao Poder Judiciário” e disse reconhecer o papel essencial da Justiça no Estado Democrático de Direito. Ele alegou que sua intenção foi contribuir para o debate público e para a defesa da “observância do regimento jurídico adequado” no processo em questão.
Na parte final da nota, o vereador reiterou que qualquer interpretação de suas declarações como acusação pessoal contra magistrados decorre de “leitura extrapolada ou descontextualizada” e não reflete o teor de sua fala durante a entrevista.