A virada de ano é apontada por muitos como período de renovação. E, de fato, pode ser. Mas nem sempre é possível ignorar as consequências do que foi vivenciado no ano que se inicia. Um exemplo é a pandemia causada pelo novo coronavírus que começou em 2020 e deve permanecer em 2021, pelo menos. O vírus causador da Covid-19 matou cerca de 200 mil pessoas no Brasil, das quais 3 mil foram no Rio Grande do Norte, o que evidencia a gravidade da doença que não tem data para ser erradicada.
Diante desse cenário, a Prefeitura do Natal e o Governo do RN têm o desafio de apontar o crescimento socioeconômico em meio aos agravamentos causados pela crise sanitária que — ainda — faz o mundo buscar novas alternativas para atividades cotidianas.
O prefeito de Natal, Álvaro Dias (PSDB), e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), começam o primeiro ano da década de 20 perante o maior desafio da história recente da humanidade. A Covid-19 é mais que um problema de saúde pública.
O vírus que já vitimou fatalmente quase 2 milhões de pessoas em todo planeta fez, em partes, empresas fecharem, desempregos aumentarem e calendários acadêmicos atrasarem – alguns dos vários impactos negativos. O auxílio emergencial até ajudou a amenizar a consolidação da fome para muitos. Porém, o benefício do governo federal chegou ao fim e, agora, a geração de emprego e renda se mostra ainda mais necessária.
Em um 2021 cercado por incertezas, a população do Rio Grande do Norte aguarda soluções para setores importantes da sociedade, como saúde, economia e educação.
A fim de encontrar possíveis respostas sobre os desafios do Município e do Estado em 2021 em áreas comuns de gerenciamento, além de repercutir situações específicas de cada gestão, como o Plano Diretor de Natal e o pagamento dos salários atrasados dos servidores do Governo Estadual, o Agora RN conversou com diversos especialistas. Para a reportagem, Álvaro Dias e Fátima Bezerra também apresentam quais dificuldades imaginam enfrentar neste ano que promete ser marcante.
Desafios da Prefeitura do Natal
Pandemia continua em 2021
O presidente do Conselho Regional de Medicina do RN (CREMERN), Marcos Lima de Freitas, comenta que a pandemia não se acaba com a virada do ano, em virtude do crescimento na taxa de transmissibilidade e no registro contínuo de novos casos de coronavírus necessitando de assistência. Por essa razão, o neurologista recomenda a manutenção dos equipamentos de saúde pública montadas pelo município de Natal no enfrentamento da Covid-19.
“Considero que o Hospital de Campanha do Município tem um papel fundamental na assistência aos munícipes e que deveria haver um esforço para mantê-lo na rede de assistência, mesmo após a pandemia. Os centros de referência de atendimento a Covid-19 também tiveram e continuam tendo um importante papel assistencial. Estes deverão ser desativados ao fim da pandemia, porém as Unidades Básicas de Saúde deverão ser mantidas e assumirem o seu papel de guardiões epidemiológicos e de responsáveis pela primeira linha assistencial”, comenta.
Saúde além da Covid-19
Apesar da medicina mundial ter se voltado ao novo coronavírus – que é transmitido pelo ar, o que aumenta o risco de contaminação, além de ser o responsável pela pandemia vigente – outras doenças são realidades e também merecem atenção, como o sarampo, que também é causado por vírus. Para que os brasileiros não sofram com mais uma crise sanitária, é necessário o esforço do poder público, além do comprometimento da população.
“Ficou evidente que as demais doenças, apesar de continuarem existindo, foram negligenciadas com a priorização dada a Covid-19. Essa é uma condição plausível e aceitável, considerando a gravidade e os impactos da nova doença não apenas na saúde, mas também na vida das pessoas. Podemos considerar que o agravamento de outras enfermidades é mais um efeito adverso da pandemia. Os entes públicos de saúde deverão se desdobrar para recuperar o tempo perdido com relação à assistência de todas as doenças que sofreram esse impacto negativo”, avalia.
Dilema do transporte público
A única coisa que o usuário de transporte público de Natal espera mais que o ônibus é a licitação. Quase uma lenda urbana, o processo que promete melhorar a qualidade do serviço não sai do papel, assim como 27% da frota que não sai da garagem – oficialmente. Como consequência, a população se aglomera, contra sua vontade, nos veículos.
Por mais que usem máscaras, a falta de distanciamento entre os usuários é considerada comportamento de risco do novo coronavírus, inclusive pela Prefeitura do Natal, que, através da Secretaria de Mobilidade Urbana (STTU), é responsável pela situação. Para o especialista em Engenharia de Transportes, Rubens Ramos, um trâmite que atenda as demandas da contemporaneidade exigirá esforço do Executivo Municipal.
“O grande desafio de Natal, nessa área, é entrar no século 21. Nós temos hoje ônibus que são dos anos 70. Ou seja: 50 anos atrasados em termos de tecnologia. Por isso, defendo a adoção de ônibus elétricos como veículo básico do transporte público, pois é um investimento possível de ser realizado, que aumentará a qualidade do serviço e, por efeito, a quantidade de usuários, em virtude da acessibilidade. Essa demanda é de hoje e não do futuro”, reflete.
Educar na crise
Tradicionalmente, os meses de janeiro e fevereiro marcam o retorno das aulas. Em 2021 não será diferente. Quer dizer… O sistema educacional de Natal vai retomar as atividades presenciais no novo ano, mas para finalizar, a primeiro momento, o calendário acadêmico de 2020, suspenso desde março por causa da pandemia.
Para garantir à experiência inédita um bom desempenho, a diretora executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), Cláudia Santa Rosa, classifica como necessário garantir a saúde da comunidade escolar, assegurar o cumprimento de protocolos sanitários e conquistar a confiança de pais e responsáveis.
“Um dos motivos para suspender as aulas e a demora no retorno presencial delas foi a falta de condições das unidades de ensino em atenderem aos protocolos de biossegurança. A nossa expectativa é que os poderes públicos, por meio de suas secretarias, tenham viabilizado as condições necessárias, pois, por mais que algumas atividades continuem de forma remota, a volta dos alunos às escolas, em meio à pandemia que continua, é um grande desafio”, observa Cláudia, que já foi secretária estadual de Educação.
Ela, que também integra o Conselho Estadual de Educação do RN, reforça que as dificuldades citadas são comum para o Município e o Estado, especialmente na parte pedagógica, que exigirá “muita capacidade técnica das secretarias de Educação de viabilizarem as orientações de uso dos materiais didáticos apropriados para esse resgate, porque não é simplesmente reabrir as escolas e o trabalho acontecer como se os estudantes estivessem voltando de férias. Há um desafio para atenuar os prejuízos e as desigualdades aprofundadas em 2020”.
Nova Natal
O famoso Hotel Reis Magos virou pó em 2020. A demolição colocou em evidência a discussão do Plano Diretor Municipal, que pretende construir uma “nova Natal”. A proposta, no entanto, divide opiniões de civis e parlamentares. O projeto ficou para 2021. Discutir o tema de forma integrada com os envolvidos no processo é uma demanda que requer empenho diante da crise vigente, segundo a arquiteta e urbanista, Sophia Motta.
“2021 está batendo à porta e após um ano de pandemia os desafios para o desenvolvimento urbano de Natal são novos e muitos. A cidade tem a oportunidade de responder de maneira muito rápida revisando o Plano Diretor em janeiro de 2021. Essa é a oportunidade de se adaptar rapidamente ao mundo pós-pandemia. Viabilizar a mobilidade ativa; promover uma gestão mais eficiente do meio ambiente e áreas verdes; fortalecimento do turismo; diversificação das atividades econômicas, como tecnologia, por exemplo, integram essa demanda. O desafio será unir prefeitura, vereadores e sociedade em prol de uma Natal com um maior desenvolvimento sustentável”, esclarece.
O que diz o prefeito?
AGORA RN – Quais serão os desafios da Prefeitura do Natal em 2021?
ÁLVARO DIAS – Com a pandemia da Covid-19 é até difícil prever o que irá acontecer no curto prazo. O maior desafio continua sendo salvar vidas e diminuir a dor e o sofrimento que essa doença tem levado a tantos lares.
Por outro lado, temos pela frente o desafio de enfrentar um possível problema social ainda mais grave com o fim do auxílio emergencial, que deve levar milhares de pessoas a viverem em estado de extrema pobreza.
Isso significa mais violência, mais trabalho informal nos logradouros públicos e que teremos que melhorar e ampliar nossa política de assistência social. Mas tudo ainda depende de como esse assunto será abordado pelo governo federal. Há também o desafio da volta às aulas na rede municipal que esperamos seja possível já a partir de fevereiro como está previsto. Fomos reeleitos para um mandato de mais quatro anos.
Portanto, será um mandato de continuidade dos projetos, programas e obras que já estão em andamento. Temos como prioridades anunciadas na campanha política concluir a obra de saneamento integrado da Zona Norte, construir o terminal turístico da Redinha, concluir o túnel de macrodrenagem que vai solucionar os problemas de enchentes em vários pontos da cidade e as obras de engorda de Ponta Negra.
Só para falar das grandes obras que estão em andamento e terão prioridade para suas conclusões. Claro que o combate à Covid-19 continua, e temos que priorizar nesse primeiro momento o desafio que será vacinar a população inteira da cidade. Essa é uma ação emergencial e estamos em contato permanente com os prefeitos das demais capitais. Esperamos uma sinalização do Ministério da Saúde. Mas já estamos com nossa estrutura para levar adiante esse trabalho de acordo com o Plano Nacional de Vacinação.
Desafios do Governo do Estado
Imunização
O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte (Sinmed), Geraldo Ferreira Filho, pontua que o principal desafio do Governo do RN na imunização dos potiguares contra Covid-19 é “não reinventar a roda”. A declaração surge diante do interesse de Estados e Municípios em adquirir vacinas com recursos próprios, além de realizarem o processo de vacinação individualmente. A vontade é fruto do impasse existente entre o Ministério da Saúde e os laboratórios fabricantes das doses capazes de barrar a Covid-19.
“Não vejo muita possibilidade de um processo de imunização do Estado desatrelado do processo nacional. O sistema vacinal brasileiro sempre foi um dos melhores do mundo, ancorado nas Unidades de Saúde Básica (UBSs) e nos Programa de Saúde da Família (PSF). Cabe aos governos Estadual e Municipais montar a ampliação da estrutura já existente, com aquisições emergenciais de insumos como seringas e agulhas, geladeiras de conservação e equipes profissionais”, propõe.
O médico classifica como “bom exemplo” a vacinação contra gripe que aconteceu no começo de 2020. Para ele, a campanha deve servir de exemplo com oferta em espaços abertos, como ginásios e quadras próximas às unidades de saúde. Geraldo Filho sugere, ainda, a oferta da vacina em empresas ou locais de trabalho com um número significativo de colaboradores. Essa organização, na visão do presidente da Sinmed-RN, permitirá segurar a pressão que o governo ou os governos receberão serão decorrentes de possível retardo no processo da vacinação.
“A receita é, portanto, usar a estrutura existente e ampliá-la emergencialmente, tornando bem claro para a sociedade os grupos prioritários, a partir dos riscos e da exposição. Em caso de demora federal, que provocasse interferência do legislativo ou judiciário, determinando repasses financeiros aos governos locais para aquisição própria da vacina, teríamos uma desorganização grande com disputa de fornecimento que prejudicaria os Estados menores como o nosso. O caminho lógico é a vacinação nacional com infraestrutura local”, aconselha.
Pacto federativo
O presidente do CREMERN, Marcos Freitas, destaca que cada ente federativo, (União, Estados e Municípios) detém competências diversas abrangendo os níveis assistenciais da saúde primária, secundária e terciária. Segundo Freitas, essa interdependência e as dificuldades enfrentadas por ela talvez seja o principal desafio imposto à saúde.
Em sua análise, para uma gestão eficiente, será necessário um pacto federativo compreensivo e até compassivo, isento de conflitos de interesse, desobrigado da política partidária e ideológica, sem permitir que a teoria prevaleça em detrimento da prática e comprometido com aqueles que estão na linha de frente.
“É inadmissível que no século 21 pratique-se gestão de saúde sem ouvir os que estão trabalhando na linha de frente. Esperamos que a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus deixe como legado essas reflexões e se consiga sobrepor essas barreiras que dificultam e até impedem a gestão de saúde. Em tempos de pandemia, a necessidade induziu a uma maior agilidade na tomada de decisões e na execução das ações. A gestão pública de saúde carece de agilidade e está envolta de entraves burocráticos, administrativos e ideológicos. Pouco se conhece sobre o impacto desses entraves na produção de maus resultados, que pode representar inclusive mortes evitáveis”, analisa.
Em 2020, 17 médicos morreram vítimas do novo coronavírus no Estado potiguar. Diante desse cenário, o médico reforça que antes da pandemia já se vivenciava um cenário de caos e de vazios assistenciais produzidos por baixos financiamentos, gestões desastrosas e decisões equivocadas ao longo de décadas. A ‘lupa do vírus’ colocou em evidência essas mazelas pré-existentes. Portanto, tornar a gestão operacional, ágil e eficiente, com impactos positivos na saúde da população, será o maior desafio a ser enfrentado pelos gestores em 2021”.
Trabalho duro
Invisível a olho nu, o novo coronavírus enfraqueceu potências econômicas mundiais. Na guerra contra a Covid-19, o Brasil não saiu ileso e teve como principal aliado, no contexto econômico, o auxílio emergencial. O benefício, que atuou na linha de frente contra a fome no País, acabou. E agora? O que fazer para garantir o sustento básico aos 243 mil de desempregados e 566 mil desocupados que vivem no RN?
Para o economista Robespierre do Ó, diretor do Sindicato de Economistas do Rio Grande do Norte, o impasse no processo de vacinação impacta diretamente a economia do RN, que tem o setor de serviços como principal meio de arrecadação e geração de emprego e renda. A dificuldade em definir o Orçamento da União 2021 também influencia diretamente a pasta de Planejamento e das Finanças do RN.
“É fato que o Estado enfrentará dificuldades em 2021, mas as incertezas que vivemos não nos permitem gerar projeções. O Estado e o Município são muitos dependentes do governo federal. O desafio será articular com a União repasses de recursos financeiros, além de cobrar a vacina. Sem a imunização da população não teremos turistas visitando nosso Estado e aquecendo o setor de serviço, que, se crescer no mesmo ritmo que o setor de comércio, permitirá a manutenção do emprego e o crescimento econômico”, examina.
Pagamento de salários
O economista frisa que os maiores empregadores no RN são os governos federal, estadual e municipal. Por isso, Robespierre acredita ser necessário pagar os pagamentos pendentes de dezembro e décimo terceiro de 2018, deixados em aberto pela gestão anterior, a fim de injetar mais dinheiro na economia potiguar.
Sobre o tema, uma reunião entre o governo e o Fórum Estadual dos Servidores está marcada para primeira quinzena deste mês de janeiro.
“O governo federal não dará mais ajuda a nenhum estado, exceto os recursos do Fundo de Participação dos Estados. Se a economia brasileira começar a crescer, os valores repassados também aumentarão. Com isso, o RN terá mais recursos para pagar as folhas atrasadas e do ano de 2021. Mas, se isso não acontecer, caberá ao Estado buscar alternativas baseadas no orçamento próprio. Eis o desafio, pois a arrecadação tem relação direta com a geração de emprego”, afirma.
O que diz a governadora?
AGORA RN – Quais serão os desafios do Governo do RN em 2021?
FÁTIMA BEZERRA – O principal desafio, que não é somente do Governo do Rio Grande do Norte, mas de todo o Brasil, é viabilizar a vacina que imunizará toda a população e garantirá a segurança para que possamos continuar trabalhando, se desenvolvendo e cuidando das pessoas.
No nosso estado, os desafios daqui pra frente são imensos, mas não menores do que os já enfrentados desde 2019 quando assumimos o Governo: continuar avançando, com uma gestão eficiente, um núcleo econômico comprometido e que dá resultados.
Nesses dois anos de governo pudemos mostrar que seriedade, eficiência, compromisso e transparência foram pilares importantes que não perdemos de vista e que contribuíram decisivamente para que pudéssemos arrumar a casa e podermos dizer: andamos pra frente.
Mesmo em meio às dificuldades, que foram receber o Estado colapsado e o enfrentamento de uma pandemia, podemos dizer que avançamos. E não tenho dúvidas: vamos avançar ainda mais.