04/01/2021 | 06:55
A enfermeira Jéssica Saraiva foi uma das profissionais do Rio Grande do Norte que trabalhou no combate ao coronavírus. Por isso, o Agora RN conversou com ela para saber como foi o ano de 2020 e quais as expectativas para este ano que se inicia. Jéssica se emociona ao lembrar dos momentos marcantes, alguns felizes e outros tristes e amedrontadores, vividos ao longo da pandemia.
“Foi um ano diferente de tudo que imaginei viver na vida, tive que aprender a ser resiliente e resistente para poder sobreviver. É muito difícil descrever porque quando se fala nesse ano parece que ele durou uma década! Cada dia um ‘leão’ para matar. Tive que aprender a abrir mão e muita coisa que amava, a aprender a ser forte após cada plantão sofrendo com a dor do outro, para poder voltar no dia seguinte com cabeça para enfrentar mais um dia e salvar mais vidas ou, infelizmente, perder outras. Após meu primeiro plantão com paciente com Covid-19, passei uma hora no carro chorando, com medo de entrar em casa e contaminar minha família. Minha avó, que chamo de mãe, é do grupo de risco. Minha sogra que tem uma doença autoimune e não pode nem pensar em adoecer, teve uma infecção generalizada e ficou na UTI por 17 dias no meio da pandemia. O medo de contaminar aqueles que amo foi e continua sendo meu maior pesadelo”, relata a enfermeira.
Jéssica conta que apesar de todas as dificuldades, o amor que sentia pelos pacientes era o que dava forças para enfrentar todos os dias.
“Abracei a causa da Covid-19 com tudo que eu podia, reunindo todas as minhas forças, não sei nem te explicar o amor que sinto pela UTI, por esses pacientes. Me sinto na responsabilidade de cuidar, de conter e frear esse vírus que me fez perder tanto e ganhar tanto ao mesmo tempo durante esse ano. 2020 foi o ano mais importante da minha vida, saio dele outra pessoa! A certeza de que a responsabilidade sobre tudo e todos é coletiva me faz não desistir, continuar tendo forças, porque se eu não cuidar do outro, se eu não ajudar a conter essa doença, ela vai chegar na minha casa”, explica.
A profissional se emociona ao lembrar dos momentos muito difíceis em que viu a morte a de pacientes que tinham se tornado muito queridos.
“Vi coisas que jamais esperei ver. Assisti às despedidas, aos últimos momentos de várias vidas. Vi um paciente que me pediu o dia inteiro para ligar para a família por vídeo, ligou, pediu para pagarem uma conta e disse onde estava o dinheiro, e logo em seguida, após o término da ligação, ele parou para nunca mais voltar”, relata comovida.
Apesar do sofrimento que sentia, Jessica se recorda com carinho da sua relação com os pacientes, e relata que ganhou muitas mães, pais, irmãs e irmãos.
“Me senti “anjo” por muitas vezes (assim que as famílias dos pacientes e eles próprios me chamam até hoje). E você não faz ideia o quanto isso me impulsionava a realmente ser, a querer ainda mais lutar para que eles voltassem pra casa. E como doía quando não conseguiam! Toda vez que pensava em desistir, um familiar de um paciente que cuidei falava comigo “por acaso”, e me fazia lembrar por que comecei”.
Para Jéssica Saraiva, as adversidades enfrentadas em 2020 serviram para ensiná-la a valorizar os momentos e torná-la mais forte, mais humana e mais humilde. Para o ano novo ela só deseja duas coisas: saúde e paz.
“Para 2021 prefiro não criar expectativa, pois elas consumam nos decepcionar. Para esse ano eu só peço a Deus saúde e paz para mim e para o mundo. 2020 ensinou que é só disso que precisamos. Para 2021 eu “só” quero chegar ao final dele com todos que eu amo vivos e com saúde. Não ouso pedir mais nada!”, encerra a enfermeira.
