Ver as águas do Velho Chico dando alegria ao sertanejo potiguar ainda vai levar algum tempo. No início do segundo semestre de 2021, quem sabe, é a previsão mais otimista para que os efeitos da transposição do Rio São Francisco cheguem ao Rio Grande do Norte. Porém, reduzir o impacto que esta água vai causar nos cofres do governo estadual é algo que o Executivo espera conseguir o mais rápido possível.
Segundo João Maria Cavalcanti, titular da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), uma análise preliminar aponta para o valor de R$ 0,73 o metro cúbico do precioso líquido, o que custaria aproximadamente R$ 60 milhões por ano ao governo de Fátima Bezerra.
“Este valor é impagável. Reduzir este valor pela metade seria o mais justo”.
João Maria Cavalcanti, titular da Semarh
Em entrevista ao Agora RN, João Maria Cavalcanti explicou que a governadora Fátima Bezerra e os governadores dos outros estados nordestinos beneficiados pelo Eixo Norte da transposição (Paraíba, Ceará e Pernambuco) vêm dialogando com o Ministério do Desenvolvimento Regional para tentar baratear o custo da água que virá do São Francisco.
“Nas reuniões que tivenos, se chegou a este valor, de R$ 0,73. Pensamos que entre R$ 0,30 e R$ 0,35 seria mais viável. Caso contrário, sozinho, o governo não terá como pagar. É uma facada no cofre do estado. Precisamos que o governo federal ajude a custear este valor. Esta análise ainda não fechou, mas existe uma ideia. Todos os estados estão pensando nisso, de se fazer um subsídio cruzado, que quando se divide com toda a população, o valor fica bem baixo, em torno de R$ 3, R$ 4 ou R$ 5 por usuário”, acrescentou João
Maria.
Já o Ministério do Desenvolvimento Regional, que também aguarda que estas questões sejam esclarecidas, explica que a quantidade de água a ser utiliza e o valor dela deverão ser estabelecidos por meio do Plano de Gestão Anual e validados pelo Conselho Gestor do Sistema, mas já antecipou que as medidas necessárias à operação comercial do PISF estão sendo discutidas com os governadores dos estados contemplados.
Porém, o MDR lembra que o Eixo Leste, que já está em funcionamento há mais de dois anos – abastecendo 38 municípios pernambucanos e paraibanos – ainda não gerou custos aos governos estaduais dos dois estados.
Nova previsão
A previsão da chegada das águas do Rio São Francisco ao RN é o início do segundo semestre de 2021.
“A água chegará pelo Eixo Norte da transposição, que depende da conclusão de um canal que vai abastecer a Barragem Engenheiro Ávidos, na Paraíba. Até onde nós sabemos, este serviço deve estar sendo iniciado agora, já nos próximos dias. Em um canal de seis quilômetros que vai abastecer a Barragem Engenheiro Ávidos, e que de lá solta para o Rio Piranhas. E de lá vem até a Barragem Armando Ribeiro, já aqui no RN, e depois ainda segue para a Barragem de Oiticica, garantindo o abastecimento permanente de praticamente todas as cidades das regiões Central e Seridó”, detalhou João Maria.
Ainda de acordo com o secretário da Semarh, esta é uma das duas maneiras de as águas do Velho Chico ajudarem o sertanejo potiguar a aliviar o drama vivido nos momentos de longas estiagens.
Vale lembrar que o Rio Grande do Norte passou os últimos sete anos pela seca mais severa de sua história, segundo o próprio governo estadual. Os prejuízos com a falta de água para a agricultura e para o sustento de pecuária, por exemplo, passaram dos R$ 4 bilhões neste período.
A segunda forma de o São Francisco ajudar o RN a amenizar os efeitos da falta de chuvas também é por meio das obras do Eixo Norte da transposição.
Desta vez, pelo chamado Ramal Apodi, no município potiguar de Major Sales. Pelo Rio Apodi, as águas do São Franscisco devem chegar a Pau dos Ferros e também a Mossoró, abastecendo boa parte dos municípios das regiões do médio e alto Oeste.
A transposição do São Francisco
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) diz que o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PIRS) deve beneficiar 12 milhões de pessoas em 390 municípios nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Em território potiguar, 106 municípios devem ser agraciados quando o projeto estiver em plena operação.
Os dois eixos, Norte e Leste, somam 477 quilômetros de canais e estruturas. O Eixo Leste foi entregue em março de 2017, e desde então vem abastecendo cerca de 1 milhão de pessoas em 38 municípios da Paraíba e de Pernambuco. Já o Eixo Norte, no qual o RN está inserido, está atualmente com 96% das obras concluídas.
Para o atendimento da população potiguar, o projeto prevê duas entradas de água no estado:
- 1) Na primeira, a água do São Francisco que passa por Cabrobó (PE) deve seguir até o reservatório Engenheiro Ávidos, em Cajazeira (PB), e depois será levada naturalmente pelo Rio Piranhas-Açu até entrar no Rio Grande do Norte pelo município de Jardim de Piranhas, no Seridó. Na sequência, a água deverá ser armazenada na Barragem de Oiticica, em Jucurutu, para depois seguir o curso do rio até ser novamente represada na Barragem Armando Ribeiro Gonçalves (maior reservatório do RN), beneficiando dezenas de municípios e milhares de pessoas nas regiões Seridó, Oeste e Central potiguar.
- 2) Já a segunda entrada, deve acontecer por meio da construção do chamado Ramal do Apodi, por meio de canais que irão levar a água do reservatório Caiçara, na Paraíba, passando por major Sales, já no RN, até a barragem de Pau dos Ferros, no alto Oeste potiguar. Depois, essa água deve seguir até a Barragem de Santa Cruz, no município de Apodi, também beneficiando milhares de pessoas nas regiões do alto e médio Oeste. É nesta região, inclusive, onde ficam as maiores fazendas de produção de melão do estado. O RN é o maior exportador deste tipo de fruta do país.
Projeto Seridó: barragens interligadas e abastecimento garantido por 50 anos
Além da transposição do São Francisco e da Barragem de Oiticica, apontados como soluções definitivas para a seca que castiga e devasta, o governo do estado tem ainda mais uma aposta. Trata-se do Projeto Seridó. Incluso no Plano Nacional de Segurança Hídrica, ele consiste em um sistema de adutoras que interligará grandes reservatórios. O objetivo, é claro, é garantir o suprimento de água para consumo humano e atividades
produtivas.
Ao todo, o projeto prevê a construção de uma rede com sete adutoras, totalizando 300 km de extensão, capaz de dar sustentabilidade hídrica para o abastecimento humano da população do Seridó pelos próximos 50 anos.
João Maria Cavalcanti explica que o projeto, que foi finalizado pela pasta no início do ano, prevê a implantação de dois eixos adutores entre Seridó Norte e Seridó Sul.
“O valor total do projeto é de R$ 280 milhões, mas nesse primeiro momento o Ministério do Desenvolvimento Regional só disponibilizou um montante de R$ 160 milhões para o estado entrar com uma contrapartida de R$ 18 milhões. Planejamos, então, iniciar a implantação do Eixo Norte, que tem a captação na Barragem Armando Ribeiro e leva água para Florânia, São Vicente, Cruzeta, Currais Novos e Acari, que são as cidades mais castigadas pela estiagem”, destacou o titular da Semarh.
Já o Eixo Seridó Sul, é composto por vários trechos dispostos no território, cada um exercendo uma função específica no contexto da solução conjunta, e que considera o aporte do sistema operacional do Projeto de Integração do São Francisco (PISF) na bacia do rio Piranhas/Açu e um reforço com a utilização das águas da futura Barragem de Oiticica.
Nova Barra de Santana, comunidade que está sendo erguida para as famílias que precisaram abandonar suas antigas moradias, que serão inundadas quando a barragem for inaugurada.
Ao todo, 240 famílias serão realocadas em 217 novas moradias. A construção da nova localidade conta com praças, escola, creche, cemitério, réplica da igreja católica, lotes para desenvolvimento de atividades industriais e infraestrutura com água, energia, saneamento básico, pavimentação e acessibilidade.
Histórico de atrasos
A Barragem de Oiticica passou por inúmeras etapas e estudos de viabilidade. A primeira delas teve início em 1950 pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o Dnocs. A segunda, teve início em 1989, realizado por um convênio entre o governo do Rio Grande do Norte e o próprio Dnocs, tendo sido novamente paralisada em 1993.
Os estudos foram novamente recomeçados e o projeto, que até então previa um reservatório com 1 bilhão de metros cúbicos de capacidade, beneficiando municípios potiguares e também algumas cidades da Paraíba, foi alterado. Foi quando a barragem passou a contar com a metade da capacidade original. Em 2007, após licitação para a escolha da empreiteira que deveria transformar o sonho em realidade, o Tribunal de Contas da União contestou o resultado da licitação por enxergar irregularidades no processo. Em 2013, Oiticica foi desengavetada e incluída no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC 2, passando a beneficiar apenas municípios do RN. Naquele ano, então, as obras finalmente foram iniciadas.
Na época, a previsão era de que o reservatório fosse inaugurado em dois anos. Porém, constantes interrupções em razão dos retardos e queda dos valores repassados pelo governo federal, além da falta de solução para os
projetos sociais (desapropriações, cemitério e novas moradias), levou a novas paralisações. Os trabalhos continuam.