27/09/2023 | 10:00
Concretude da Justiça
Repete-se, com insistência, a assertiva de que a equidade, como ideal ético da Justiça, deverá entrar na formação da lei; mas que só pode o juiz decidir por equidade, nas hipóteses de ausência ou omissão da lei ou quando expressamente autorizado pelo ordenamento jurídico positivo. O aceso debate, travado em torno dessas posições, cobre largo espaço da literatura e da filosofia jurídicas.
A Justiça para alguns é um sentimento docoração humano; é como sabidamente ensina o Direito Romano, na lapidar frase de Ulpianus, de que Justiça é a vontade constante e permanente de dar a cada um o que é seu, mas como quer que seja, conforme a lei, aplicável. A equidade ainda pode referir-se ao tempo de uma lei futura, que cada um pode, desde já, imitar, se o direito atual não lhe proíbe. Segundo a filosofia aristotélica, é pela equidade que se realiza a perfeita adaptação das normas abstratas aos casos particulares, suavizando as asperezas das generalidades. Enalteceram os romanos, na equidade, a dulcificação do rigor da Justiça pela misericórdia. Em Roma, a equidade constituiu-se em fator de desenvolvimento jurídico, atenuando o rigorismo do Direito Estrito, através do Direito Pretoriano ou Honorário que supria e abrandava as estreitezas do Direito Civil. Mas os romanos faziam a distinção entre aequitas naturalis e a aequita civilis; significava a primeira a justiça ideal, determinante da mitigação do direito existente, enquanto representava a segunda a equidade, já convertida em direito vigente.
Graças a essa função de proclamar o Direito, o pretor foi introduzindo, na consciência jurídica, princípios diferentes, mais amplos, mais humanos, mais progressistas. Devendo, sempre, decidir os casos que lhe eram apresentados e julgar, mesmo no silêncio da lei ou dos costumes, encontrava-se o pretor, muitas vezes, na contingência de dar a solução adequada.
É verdade que procurava apoio na tradição jurídica, evitando que a decisão rompesse abertamente com o passado; apesar disso, as soluções formuladas iam, frequentemente, bem mais longe do que as leis e os costumes autorizavam. E mais tarde, ficou aceito sem relutância que, mesmo reconhecendo a solução do Direito Civil, poderia o pretor adotar outra, mais equitativa. Está a prevalecer, ainda hoje, a opinião de que a equidade é a Justiça do caso concreto, particular; ou um temperamento às generalidades das normas legais; ou um atributo do direito, quer lhe seja conferido pelo legislador (art.140 e seu parágrafo único, Código de Processo Civil Brasileiro), ao editar a norma jurídica, quer pelo juiz, ao aplicá-la; ou um certo modo de ser justo, uma dimensão ontológica da própria Justiça.
Confira o artigo de Anísio Marinho Neto da última quarta-feira 27