Ser preso, morto ou a vitória
Nunca é bom remoer o que já passou porque as coisas podem ser muito piores se forem mal digeridas. Mas o que aconteceu nesta terça-feira cívica terá consequências. Não hoje e nem amanhã, mas elas virão como decorrência de uma estratégia suicida.
Quem tem alguma lógica sabe que arroubos são péssimos conselheiros. Que o entusiasmo foi feito para passar e que as crises tomam tempo, dinheiro e capital político dos mandatários. E que a configuração dessas crises se modifica a cada dia para melhor ou pior.

O espetáculo do Sete de Setembro já foi precificado pelo governo e vai sair caro.
Além de não atender às expectativas dos que integram a base raiz do presidente, trouxe a reboque problemas que dependem das instituições como o Congresso e o Supremo para serem resolvidos ou adiados.
E parte dessa ponte foi detonada na terça cívica com toneladas de explosivos, atingindo até mesmo as bases já conquistadas do governo no Congresso e beneficiadas como nunca pelos bilhões de emendas parlamentares.
Não há dúvida que o bolsonarismo deu as caras em grande estilo e levou milhares de pessoas para as ruas em todo o país de uma maneira inquestionável. Mas, a que custo?
Que foi resultado de uma ação organizada, articulada e irrigada com caminhões de dinheiro público e privado, nenhuma novidade.
O primeiro dano visível deste mega evento cívico-eleitoral, porém, é que ele não atendeu sua promessa básica de sacudir a República. Nem triscou. E depois do dia sete, veio o dia oito, o nove, dez, onze e assim por diante.
Já ficou claro que pelas reações aguardadas do presidente da Câmara e do STF desta quarta-feira que o jogo de concessões se manterá e os pedidos de impeachment do presidente não prosperarão pela força da entrega do orçamento federal ao centrão no Congresso.
Contudo, mais um prego foi posto no caixão de um presidente que se sabota compulsivamente. E que acredita firmemente no autogolpe como forma de se manter no poder sem uma perspectiva histórica que lhe permita tamanha petulância.
Passará para a história com o mais ousado mandatário da era da redemocratização ao lado de outros adjetivos impublicáveis.
Não entregou as reformas prometidas e comprometeu os militares até o talo com o desgoverno e a deterioração da economia. Qualquer brasileiro não fascinado pela figura do presidente percebe isso na hora de comprar comida, pagar boletos e a gasolina. E não há milagre econômico que possa mudar isso no curto ou no médio prazo.
Os militares tomaram o poder em 1964 com um apoio popular muito maior do que este, mas foi uma ditadura que deu o golpe, gostou e se aboletou no poder por 21 anos. Bolsonaro não deu o golpe, está longe de fazê-lo e está se distanciando de bases tradicionais de sustentação.
Quem viveu a ditadura militar e não é uma vivandeira de quartel sabe que a ditadura já foi tarde e não quer repetir a dose.
Fusão
DEM e PSL subscreveram, nesta terça-feira, uma nota conjunta criticando o discurso do presidente Bolsonaro no ato em São Paulo.
Diz o texto, curto e grosso: “Repudiamos com veemência o discurso do senhor presidente da República ao insurgir-se contra as instituições de nosso país”.
É o primeiro documento conjunto redigido entre os dois partidos que negociam uma possível fusão para o ano que vem.
Insatisfações
Ouvido pela Folha, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), também condenou as falas golpistas do presidente durante a Super Terça Cívica. PSDB e Solidariedade foram atrás, a despeito da oposição de alguns caudilhos do partido.
O Solidariedade, do Paulinho da Força, acha que a tentativa de mostrar força de Bolsonaro virou prova de fraqueza e Gilberto Kassab, do PSD, cravou: Bolsonaro construiu uma armadilha para ele mesmo.
Oh pobre!
A necessidade patológica do presidente Bolsonaro de humilhar seu vice não diminui nem com remedinho. Ao reunir ministros do governo no Palácio do Planalto, nesta quarta-feira, para debater a possibilidade de convocar o Conselho da República e cumprir uma promessa feita em palanque nas manifestações da Super-Terça, Hamilton Mourão foi excluído. Mesmo assim, em entrevista na manhã desta quarta-feira, defendeu o presidente em sua oposição ao ministro Alexandre de Moraes.
Tiro no pé
Investidores vão observar atentamente o desenrolar da crise institucional nos próximos dias para entender o tamanho do risco que é colocar dinheiro no Brasil, avaliam executivos de bancos ouvidos pelo Valor Econômico sob anonimato. Na percepção de um executivo graduado de um grande banco ouvido pelo jornal, Bolsonaro sai “perdedor” e politicamente mais isolado dos protestos. O risco-país tende a aumentar o que é ruim para investimentos, é a conclusão.